João de Deus Medeiros*
No dia 06 de abril, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, determinou que, a partir de agora, desmatamentos irregulares em APP na área da Mata Atlântica, efetivados até 2008, serão anistiados ou terão exigência de recomposição menor, seguindo regra prevista nas disposições transitórias da Lei 12.651/2012, (Lei de Proteção da Vegetação Nativa, vulgo novo Código Florestal). Até então o MMA adotava entendimento de que a regra vigente era aquela expressa na Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), e o infrator sujeito a multa e obrigação de recuperar a área que sofreu supressão de vegetação sem autorização.
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A Lei 12.651/2012 determina que toda ocupação de área de preservação permanente (APP) feita em propriedade rural até julho de 2008 poderá ser considerada “área consolidada” e as atividades nelas inseridas autorizadas a continuar. Para isso, o proprietário que desmatou é obrigado a inscrever o imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). A partir disso, nos casos de APP ao longo de cursos d´água naturais, ele terá a obrigação de recompor faixas laterais de 5 metros (se a propriedade tem até 1 módulo fiscal), 8 metros (se a propriedade tem entre 1 e 2 módulos fiscais), ou 15 metros (se a propriedade tem entre 2 e 4 módulos fiscais).
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Pela regra da Lei da Mata Atlântica, toda supressão de vegetação no bioma só é permitido com autorização e nunca em área de preservação permanente (APP), determinando ainda que a vegetação primária ou a secundaria em qualquer estágio de regeneração não perderão a classificação como Mata Atlântica nos casos de incêndio, desmatamento ou qualquer outro tipo de intervenção não autorizada ou não licenciada. Esta determinação já estava prevista anteriormente no Decreto 750 de 1993. Ou seja: não há hipótese legal de considerar área desmatada sem autorização como “área consolidada”. Mesmo se a área foi toda desmatada para plantio ou sofreu incêndio, após 1993, ela ainda é considerada Mata Atlântica e o proprietário que a desmatou poderá sofrer com embargo e multa, além de ter que recuperar a vegetação.
A decisão de Salles atende a exigência feita pela Federação da Agricultura do Paraná (FAEP) e pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) à Advocacia Geral da União (AGU), e anula decisão anterior do próprio MMA, de 2017, que orientava pela observância das determinações da Lei da Mata Atlântica.
É uma decisão que fere o princípio de legalidade, já que desconsidera a vigência de uma lei anterior. Não cabe a um ministro escolher seguir a lei que lhe mostra-se mais conveniente. Se há uma lei que estabelece norma geral nacional de proteção da vegetação nativa e uma lei específica para um bioma, neste as duas normas precisam ser aplicadas de forma complementar.
Manipulação antiga
A decisão de Salles atende a um desejo antigo da FAEP e da CNA, que, há anos, buscam driblar a lei e fazer com que o Ministério de Agricultura reconheça a prevalência das regras transitórias do novo Código Florestal em detrimento da Lei da Mata Atlântica.
A demanda levada ao ministro Salles tem relação direta com autuações por infrações cometidas por alguns produtores rurais do Paraná, Santa Catrina e Rio Grande do Sul, os quais foram devidamente multados pelo Ibama, com base na Lei da Mata Atlântica.
Desde a edição da Lei 12.651/2012, a FAEP busca defender junto à Casa Civil da Presidência da República que haveria um “erro conceitual” cometido pelo antigo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. Na época em que estava em frente ao cargo, de 2016 a 2018, o ex-ministro proferiu despacho garantindo que nas áreas abrangidas pelo bioma Mata Atlântica não caberia a adoção do conceito de “área rural consolidada”.
Entidades do agronegócio, insatisfeitas com a orientação dada pelo MMA em 2017, tentam fazer prevalecer o marco temporal de julho de 2008, que considera todo desmatamento irregular em APP ou em Reserva Legal como “áreas consolidadas”. Desmatamentos ilegais ocorridos até essa data não podem sofrer multas e tem regras mais frouxas para a recomposição.
A manobra de Salles sinaliza e reitera o abuso da atitude, que contraria uma lei federal para beneficiar desmatadores, a bancada ruralista e a especulação imobiliária. Ao acatar as exigências da FAEP e CNA, Salles determinou que Ibama, ICMBio, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e as suas respectivas Procuradorias (PFEs e SEDE) passem a adotar as regras do Código Florestal na Mata Atlântica. Com isso autos de infração, embargos e multas que tenham sido aplicados com base na Lei da Mata Atlântica serão anulados.
Metade do passivo ambiental de Áreas de Preservação Permanente no país está localizado na área de aplicação da Lei da Mata Atlântica. São cerca de quatro milhões de hectares distribuídos em 17 estados brasileiros. Os danos dessa decisão, além de absolutamente violentos, seriam imensuráveis.
Após o despacho do ministro, em ação integrada do Ministério Público Federal com os estaduais foi emitida recomendação administrativa para que as Superintendências do Ibama mantenham em suas fiscalizações a aplicação da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) para a proteção do bioma Mata Atlântica.
A Rede de ONGs da Mata Atlântica e o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica emitiram nota conjunta contra o despacho de Ricardo Salles e enviaram documentação para a 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal, solicitando adoção de medidas para anular o despacho.
Em 06 de maio o MPF, a Fundação SOS Mata Atlântica e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente ingressaram com Ação Civil Pública na Seção Judiciaria do Distrito Federal pedindo a suspensão do Despacho 4.410/2020 emitido pelo Ministro do Meio Ambiente. Esperamos que a Justiça se manifeste com a brevidade e urgência que o caso requer.
Infelizmente atravessamos um período critico para a Politica Nacional do Meio Ambiente. Alheio as diretrizes legais desta política, e no auge de uma pandemia, o governo federal adota medidas que a comprometem de forma reiterada. Além do completo esvaziamento do CONAMA e da emissão despacho 4.410/2020, o Ministro do Meio Ambiente encaminhou proposta de alteração do Decreto 6.660/2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica, reduzindo de forma comprometedora o mapa de aplicação da lei e facilitando a emissão de autorizações para supressão de vegetação no bioma.
A edição da Medida Provisória 910/2019, apresentada como proposta de regularização de terras da União é uma medida que premia infratores, estimulando novos desmatamentos e invasão de terras públicas.
Com o recém editado decreto 10.341/2020 agentes do Ibama passam a atuar subordinados a comandos militares. O decreto foi emitido após a exoneração do Diretor de Fiscalização do Ibama e de dois Coordenadores de Fiscalização. Os três foram exonerados por permitir que os fiscais do Ibama observassem as determinações do Decreto 6.514/2008 e destruíssem equipamentos de madeireiros e garimpeiros invasores de terras indígenas.
Não obstante se consubstanciarem em atentados contra o patrimônio natural da nação, o que já mostra extrema gravidade, as medidas que o governo federal vem tomando na área ambiental flagrantemente violam princípios constitucionais dos quais a administração pública não pode jamais se afastar, como legalidade, moralidade e eficiência, socializando prejuízos incalculáveis.
*João de Deus Medeiros é biólogo, Professor na UFSC e Coordenador Geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica – RMA. Ex Diretor dos Departamentos de Áreas Protegidas e de Florestas do MMA. Parceiro do Observatório de Justiça e Conservação (OJC)
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É inconcebível que esses criminosos, aliados ao também criminoso, Salles, se utilizem de uma pandemia para esconder seus desmandos na área ambiental, não é só a Mata Atlântica que está sofrendo abusos, a Amazônia está sofrendo forte violência, principalmente em terras indígenas, proveniente dessas decisões de um descaradamente destruidor do nosso meio ambiente, esse ministro pilantra, nomeado por outro demente, o capetão Bozo.