O advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, entrou na noite dessa sexta-feira (18) com pedido de medida cautelar no Supremo Tribunal Federal contra o bloqueio do Telegram no país, determinado pelo ministro Alexandre de Moraes. Segundo Bianco, o descumprimento de uma ordem judicial, motivo alegado por Moraes em sua decisão, não pode causar sanções dessa natureza. “Sanções podem ser aplicadas a provedores de conexão ou aplicações de internet (como o Telegram e o Whatsapp) se eles não respeitarem o sigilo das comunicações, se fizerem uso indevido dos dados pessoais, mas não (pelo menos com fundamento no Marco Civil da Internet) por descumprirem uma ordem judicial”, diz o advogado-geral.
O ministro determinou o bloqueio após o aplicativo de troca de mensagens ignorar ordens do próprio Supremo, sobretudo em relação aos perfis do blogueiro e youtuber bolsonarista Allan dos Santos, do canal Terça Livre, que está foragido nos Estados Unidos. Moraes disse que tomou a decisão com base em pedido da Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
Curiosamente, o ministro da pasta, Anderson Torres, reagiu com indignação à decisão do Supremo, afirmando que tomaria providências para derrubá-la. Torres e Bianco agem em convergência com o presidente Jair Bolsonaro, que tem mais de 1 milhão de seguidores em seu canal no Telegram. Desafeto público de Moraes, Bolsonaro classificou como “inadmissível” a determinação do ministro do Supremo.
Alexandre de Moraes deu prazo de até 24 horas para que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tome “todas as providências necessárias para a efetivação da medida”. Em caso de descumprimento, o Telegram estará submetido a uma multa de R$ 500 mil por dia.
Em evento no Acre, Bolsonaro disse que a decisão do ministro pode até provocar mortes no país. “Olha as consequências da decisão monocrática de um ministro do Supremo Tribunal Federal. É inadmissível uma decisão dessa magnitude. Porque ele não conseguiu atingir duas ou três pessoas, que, na cabeça dele deveriam ser banidas do Telegram… Ele atinge 70 milhões de pessoas, podendo, inclusive, causar óbitos no Brasil, a partir do banimento, por falta de um contato.”
Allan dos Santos é acusado de coordenar uma rede de disseminação de fake news e ataques a pessoas e instituições democráticas, como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, sempre em consonância com as bandeiras e discursos adotados pelo presidente da República. O aplicativo ganhou maior relevância na estratégia bolsonarista com as restrições impostas a outras redes, como o Facebook e o Twitter nos últimos meses.
Anderson Torres disse que “milhões de brasileiros” estão sendo “prejudicados repentinamente por uma decisão monocrática”. “Já determinei a diversos setores do Ministério da Justiça que estudem imediatamente uma solução para restabelecer ao povo o direito de usar a rede social que bem entenderem”, escreveu no Twitter, sem mencionar que a decisão do STF atende a um pedido de uma instituição comandada por ele.
Em sua decisão, tomada nos autos da Petição (PET) 9935, que envolve Allan dos Santos, Moraes apontou o descumprimento a reiteradas decisões do STF envolvendo as contas do blogueiro e o não atendimento ao convite feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para coibir a disseminação de notícias fraudulentas.
“O desprezo à Justiça e a falta total de cooperação da plataforma Telegram com os órgãos judiciais é fato que desrespeita a soberania de diversos países, não sendo circunstância que se verifica exclusivamente no Brasil e vem permitindo que essa plataforma venha sendo reiteradamente utilizada para a prática de inúmeras infrações penais”, disse o ministro.
Em agosto do ano passado, Jair Bolsonaro publicou na plataforma informações sigilosas sobre um ataque hacker ao TSE, com a intenção de questionar a segurança das urnas eletrônicas. O Telegram ignorou o pedido do tribunal e não removeu a postagem.
Em janeiro, Moraes determinou que o aplicativo bloqueasse três perfis de Allan dos Santos, que já estava foragido nos Estados Unidos. Não houve resposta. Em fevereiro o ministro ameaçou bloquear o Telegram caso sua nova ordem não fosse cumprida em 24 horas. A plataforma excluiu os perfis, mas o blogueiro criou outro no mesmo dia, pelo qual voltou a fazer ameaças ao ministro. Moraes determinou, então, a suspensão da nova conta em 8 de março. O Telegram também ignorou a ordem para fornecer dados cadastrais de Allan dos Santos e suspender todas as formas de monetização ou arrecadação de doações ao bolsonarista por meio do aplicativo.
Mesmo com toda a repercussão das decisões anteriores do ministro, o dono da empresa, o russo Pavel Durov, disse que não estava a par das determinações da Justiça brasileira. “Parece que tivemos um problema com e-mails entre nossos endereços corporativos do telegram.org e o Supremo Tribunal Federal. Como resultado dessa falha de comunicação, o Tribunal decidiu proibir o Telegram por não responder. Em nome de nossa equipe, peço desculpas ao Supremo Tribunal Federal por nossa negligência. Definitivamente, poderíamos ter feito um trabalho melhor”, escreveu o bilionário no Telegram.
A empresa, cuja sede fica em Dubai, não tem escritório de representação no Brasil. Chegou a ser procurada nos Emirados Árabes pelas autoridades brasileiras, mas ignorou os contatos. “Infelizmente, nossa resposta deve ter sido perdida, porque o Tribunal usou o antigo endereço de e-mail de uso geral em outras tentativas de entrar em contato conosco. Como resultado, perdemos sua decisão no início de março que continha uma solicitação de remoção de acompanhamento. Felizmente, já o encontramos e processamos, entregando hoje outro relatório ao Tribunal”, alegou Durov após a determinação de bloqueio ao seu serviço no Brasil. A decisão de Moraes foi encaminhada a plataformas digitais e provedores de internet, que deverão adotar os mecanismos para inviabilizar a utilização do Telegram no país.
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