André Spigariol
Especial para o Congresso em Foco
Auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) encarregados de analisar o contrato entre o Ministério da Saúde e a empresa de logística VTCLog – com sócios indiciados pela CPI da Covid – encontraram indícios de superfaturamento e fraude em serviços cobrados pela empresa e pagos pelo governo no início de 2021. O caso chegou ao TCU após representação dos senadores Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Alessandro Vieira (sem partido-SE).
Segundo parecer da área técnica do TCU, obtido pelo Congresso em Foco, as provas colhidas ao longo do processo indicam que o governo pagou a VTCLog pelo fretamento de aviões que distribuíram os primeiros lotes de vacinas contra a Covid-19 em janeiro de 2021. Ao todo, a VTCLog emitiu quatro notas fiscais pelo serviço, totalizando R$ 6,6 milhões, com a autorização dada por Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde na gestão de Eduardo Pazuello.
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Entretanto, as primeiras doses da Coronavac enviadas aos postos de saúde em diversos pontos do país foram transportadas gratuitamente por companhias aéreas que doaram voos ao governo ou pela Força Aérea Brasileira (FAB), alegam os auditores, que tiveram por base documentos do próprio Ministério da Saúde. A FAB informou ter transportado 44 toneladas de carga de vacinas da Coronavac para as capitais 10 estados e do Distrito Federal, ao passo que a VTC cobrou pelo transporte de 64 toneladas.
A incongruência nas informações divulgadas pelo governo sobre o transporte dos primeiros lotes de vacina e os pagamentos à empresa chamou a atenção dos técnicos, que não encontraram provas de que a VTCLog de fato contratou as aeronaves pelas quais foi paga. Além disso, sublinharam que o governo de Jair Bolsonaro divulgou, à época dos fatos, que parte significativa dos insumos foi transportada a custo zero.
PublicidadeAuditores do TCU também encontraram indícios de que a VTCLog recebeu R$ 420,8 mil pelo transporte de uma usina de oxigênio para Manaus, durante a crise de Covid-19 na capital amazonense, com autorização de Roberto Ferreira Dias pelo WhatsApp, mas sem nenhuma prova de que o serviço foi de fato prestado. Mais uma vez, os investigadores acreditam que a VTCLog recebeu por um transporte realizado pela FAB.
“Os fatos elencados pelo possível cometimento de fraude documental que resultou na execução de despesas sem cobertura contratual e que tornaram, injustamente, mais onerosa a execução do Contrato 59/2018, constituindo conjunto de indícios do cometimento de fraude à licitação,” acrescenta o parecer dos técnicos do TCU, que requisitaram ao ministro Benjamin Zymler, relator do caso, que determinasse a oitiva da VTC Log, em vista das possíveis irregularidades.
Zymler, no entanto, negou o pedido formulado pelos auditores, autorizando apenas a coleta de depoimento de Roberto Ferreira Dias e Alex Lial Marinho, ex-coordenador de Logística de Insumos Estratégicos para a Saúde. “Deixo, contudo, de acatar a proposta de oitiva da empresa contratada, pois as falhas aqui tratadas dizem respeito à execução contratual”, escreveu o ministro, em despacho do dia 24 de fevereiro. De forma reservada, técnicos que acompanham o caso apontaram ao Congresso em Foco, porém, que a decisão de Zymler impede os auditores do TCU de continuarem investigando a empresa. Neste caso, caberia ao Ministério da Saúde sancionar a VTCLog através de uma auditoria interna.
Procurado, o TCU não comentou o caso, encaminhando somente o despacho do ministro Zymler. A VTC, por meio de sua assessoria de imprensa, não quis se posicionar sobre os indícios. O Congresso em Foco telefonou para Roberto Ferreira Dias, mas não obteve resposta.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que “o processo segue em apuração e aguarda a apresentação de documentação por parte das empresas”. A pasta esclarece, ainda, “que há instrumentos administrativos para reaver valores, quando detectadas irregularidades em pagamentos”.
Após a publicação da reportagem, a VTC Log encaminhou nota em que “rechaça o teor das imputações pois são inverídicas e baseadas em suposições sem qualquer elemento probatório”. No entanto, a empresa admitiu que “não tem conhecimento da manifestação do TCU e prontamente apresentará suas razões de direito no que tange a inverídica afirmação”. A operadora afirma que cobrou o Ministério da Saúde apenas pelos serviços que prestou, e que “possui para quem quiser ver toda documentação probatória da sua prestação de serviços”.
Pedido de explicações
Na terça-feira, o senador Alessandro Vieira protocolou petição junto ao TCU para cobrar o retorno da investigação da empresa VTCLog por indícios de fraude, corrupção e irregularidades em contratos firmados com o Ministério da Saúde. A ação é uma resposta ao despacho do relator, ministro Benjamin Zymler, que negou a realização de oitiva da empresa.
“Avaliamos como extremamente necessária a manifestação da VTCLog quanto à celebração de termo aditivo de contrato cujos efeitos jurídicos foram suspensos cautelarmente pelo TCU e cuja nulidade foi reconhecida posteriormente pelo próprio ministério”, destacou o senador.
Para o senador, o contexto aponta potencial cometimento de fraude à licitação, fato que deve ser aprofundado nas investigações. “Muitos outros indícios de irregularidades são indicados pela competente Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, a exemplo da cobrança pela VTCLOG de voos em aeronaves fretadas, quando, de fato, parte desses voos teria sido realizada pela Força Aérea Brasileira e por empresas áreas a custo zero, indícios esses de superfaturamento”, afirma.
Na instrução do processo, a área técnica do TCU solicitou que os indícios levantados pela investigação fossem enviados diretamente aos senadores e aos demais órgãos de combate à corrupção, como a Polícia Federal, o Ministério Público e a Controladoria-Geral da União. O ministro Benjamin Zymler, porém, negou o encaminhamento dos documentos, alegando que “o estágio preliminar da apuração dos fatos recomenda cautela na sua divulgação”.
Auditoria interna
Após as descobertas de irregularidades no contrato com a VTC Log reveladas pela CPI da Covid, o Ministério da Saúde iniciou um processo interno de auditoria, já na gestão do ministro Marcelo Queiroga. Em vista das suspeitas de que os voos pagos à VTC não ocorreram, o governo glosou cerca de R$ 2,1 milhões das notas já pagas – o que significa que os valores serão descontados apenas em futuros pagamentos à empresa. Segundo fontes a par da investigação, o governo optou por não glosar a totalidade dos pagamentos com indícios de fraude, que superam os R$ 6 milhões, enquanto não concluir a auditoria interna. A pasta prometeu ao TCU que entregaria os resultados da análise até a última segunda-feira, dia 14, mas o documento ainda não chegou ao processo.
“O exame empreendido nos autos constatou, além das irregularidades já relatadas, fragilidades críticas no processo de gestão e fiscalização do Contrato. No entanto, cabe assinalar que a atual gestão do DLOG/MS, iniciada em 6/7/2021, tem realizado ações corretivas e a verificação de atos pretéritos com a finalidade de identificar as ocorrências de pagamentos indevidos e realizar as respectivas glosas do saldo contratual,” afirmam os técnicos do TCU. Segundo o Ministério da Saúde, o governo já conseguiu recuperar mais de R$ 73,7 milhões em pagamentos feitos indevidamente à VTC Log.
A grande questão, na análise das supostas contratações de fretamento de aeronaves, é que o governo não tem como auditar as cobranças da VTC Log. “O Ministério da Saúde não efetua verificações no processo de cubagem/pesagem da carga, nem mesmo por amostragem, tampouco dispõe de comprovantes de que a carga foi, de fato, transportada no modal indicado, ou seja, há o risco de se haver indicado transporte pelo modal aéreo, que é mais oneroso, mas a carga ter sido transportada pelo modal terrestre”, dizem os auditores.
Na prática, o governo apenas recebia as notas fiscais e pagava a VTC Log conforme a empresa ordenava, sem nenhuma verificação. “Como o Ministério da Saúde não verifica o processo de embalamento e pesagem da carga, há potencial risco de superfaturamento, pois os dados informados pela contratada, em razão de seu caráter meramente declaratório, podem ser superiores ao que foi realmente transportado”, prossegue o parecer do TCU.
Em resposta aos auditores, o Ministério da Saúde informou que “a partir de 15/2/2022, para composição do processo de pagamento, a contratada deverá apresentar comprovante e/ou documento similar que ateste o embarque das cargas aéreas no referido modal, informando, inclusive, o peso cubado das cargas”, que deve ser “assinado pela companhia aérea, e deverá conter minimamente os dados de identificação do pedido e a volumetria (em especial, peso taxado)”.
Aditivo milionário à VTCLog
Roberto Ferreira Dias e Alex Lial Marinho também terão de se explicar ao TCU por qual razão deram aval a um aditivo ao contrato entre o governo e a VTClog em valor superior a R$ 80 milhões, montante “1.800% maior do que o recomendado pela área técnica” no Ministério da Saúde, de acordo com a CPI da Covid. O aditivo foi suspenso pelo TCU e, posteriormente, anulado pelo Ministério da Saúde.
Em julho de 2021, no contexto da CPI, os senadores Alessandro Vieira e Eliziane Gama entraram com uma representação no TCU cobrando investigação de contratos firmados entre o Ministério da Saúde e a VTCLog por indícios de fraude, corrupção e irregularidades. A empresa estava sob suspeita de pagamento de propina a servidores ligados à pasta.
Em depoimento à CPI, o motoboy Ivanildo Gonçalves confirmou que realizou vultosos saques em espécie a pedido da empresa – chegando a movimentar R$ 400 mil em dinheiro vivo de uma só vez. Segundo o senador Renan Calheiros, relator comissão de inquérito, a empresa pagou boletos em nome de Roberto Ferreira Dias.
A CPI da Covid indiciou Carlos Alberto Sá, Teresa Cristina de Sá e Raimundo Nonato Brasil, sócios da VTClog, por diferentes crimes. Carlos e Raimundo são acusados de corrupção e improbidade administrativa. Já Teresa Cristina responde apenas por improbidade. O relatório final do colegiado também indiciou Andreia da Silva Lima, diretora-executiva da empresa, por corrupção e improbidade.
Dias foi alçado ao posto por uma indicação do Centrão. Acusado de cobrar propina para fornecedores falsos de vacina, ele chegou a ser preso durante depoimento à CPI da Covid por mentir aos parlamentares.
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