Com este texto, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político inaugura sua coluna mensal no Congresso em Foco. A Plataforma é uma articulação de movimentos, entidades, fóruns e redes que, desde 2004, atua nacionalmente para mudar a forma como o sistema político brasileiro está organizado, buscando enfrentar temas como a sub-representação de segmentos sociais, o domínio do capital sobre a política e a corrupção eleitoral, o descrédito na política e a crise de representatividade, o funcionamento antidemocrático dos partidos políticos, a produção de falsos consensos pela mídia corporativa e a opacidade do sistema de justiça.
Nesta coluna inaugural, José Antônio Moroni e Maria Mello discutem a necessidade da democratização dos partidos políticos a partir da sinalização do rompimento de Jair Bolsonaro com o PSL.
Maria Mello e José Antonio Moroni *
O casamento de um ano e sete meses de Jair Bolsonaro com o PSL, partido que viabilizou formalmente sua conquista presidencial, parece ter chegado ao fim. As recentes denúncias sobre candidaturas laranjas de mulheres em Pernambuco e Minas Gerais e na campanha do atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, para deputado federal em 2018 se aproximam rapidamente do Palácio do Planalto, e têm levado Bolsonaro a avaliar uma ruptura com a legenda – já que seu presidente, Luciano Bivar, estaria “queimado pra caramba”.
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Para além dos debates sobre a viabilidade jurídica do desembarque de deputados que queiram acompanhar Bolsonaro em outra legenda (que precisarão transpor a regra de fidelidade partidária), o pano de fundo da briga é a “separação de bens” que essa união nada estável gerou (o montante previsto dos fundos eleitoral e partidário do PSL passa de R$ 359 milhões para 2020) – ou seja, a disputa por quem comandará um fundo milionário.
Este fato torna ainda mais relevante a necessidade de discutirmos o nosso sistema representativo, engrenagem fundamental na representação política.
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A política tem relação direta com as desigualdades de representação nos espaços de poder. Um projeto de dominação nunca é completo: sempre há grupos que o questionam, que o enfrentam e abalam, portanto, a legitimidade do sistema. A essência da política está justamente na possibilidade que se tem de ser anti-hegemônico, de resistir e enfrentar um sistema baseado na dominação, exploração e nas desigualdades.
O processo que elegeu Bolsonaro aposta no esvaziamento da política, portanto na impossibilidade de mudança do sistema. Também tem concepção ditatorial, pois elimina o contraditório. Apesar de ter sido eleito a partir de um discurso eleitoral antissistema, o discurso também é a favor da eliminação das contradições – passando o sistema a ser o próprio Bolsonarismo.
Esse movimento antipolítica é baseado no legítimo sentimento da população que advém da falta de representatividade dos partidos e dos políticos, na descrença nas instituições democráticas e da amplificação da percepção da corrupção que sempre existiu. Este movimento foi bem-sucedido para a consolidação de uma legenda que, “contra tudo o que está aí”, tem no PSL a sua maior expressão.
Neste momento, Bolsonaro precisa jogar para a sua plateia, se mostrar sem as “amarras políticas” para se legitimar por fora da vinculação partidária – o que, possivelmente, conseguirá fazer. A antipolítica possibilita isso, o que tem permitido, historicamente, a instalação de governos ditatoriais.
É preciso reconhecer que os partidos políticos brasileiros padecem de lacunas programáticas, são marcados pela ausência de democracia interna, por direções formadas majoritariamente por homens brancos ricos e quase integralmente subordinados a coalizões que visam somente disputas eleitorais ou de cargos em governos. Ao mesmo tempo, não podemos prescindir de mecanismos coletivos para ação política, sob o risco de vermos aumentadas as impossibilidades de construção da democracia brasileira. Ou será o caso de pensarmos em outras alternativas, como mandatos coletivos, candidaturas via movimentos ou mesmo as polêmicas candidaturas avulsas – cujo debate começa a ganhar força com o apoio de organizações empresariais e parecem se distanciar ainda mais da ideia de coletividade?
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Precisamos pensar em outras formas de representação política, outros processos de escolha da representação, mas sabendo que os partidos no sentido de construção de sujeitos políticos coletivos são fundamentais na política. Precisamos ter verdadeiros partidos políticos. Neste sentido, não se pode afirmar que no Brasil há partidos demais, o que se tem são agrupamentos para defender interesses não tão públicos. Partidos que tenham densidade social, enraizamento nas dinâmicas da vida das pessoas, que tenham mecanismos democráticos para a escolha das suas direções e das candidaturas. Partidos que não tenham donos, tenham programas.
Segundo a Lei dos Partidos Políticos (9.069/1995), “partido político destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”. Se a qualidade de representação que os atuais partidos oferecem à população brasileira se mantiver em patamares risíveis como os atuais e não enfrentarmos o debate sobre uma reforma política que democratize as instituições representativas, continuaremos assistindo, passivamente, ao fim da política e de sua finalidade: o bem comum.
A desqualificação que o Bolsonarismo faz da política e o gesto de Bolsonaro reforçam a ideia, e a tentação, de que é possível acabar com a política enquanto ação coletiva. Acabando a política, vamos um sistema ditatorial de viés dinástico, governado por um clã familiar. Esta é a nova política?
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