Foi em uma cerimônia modesta, com pouco mais de uma dezena de pessoas presentes e acomodadas em cadeiras de plástico, que duas cabeleireiras oficializaram a primeira chapa composta exclusivamente por mulheres trans a concorrer a um cargo no poder Executivo no Brasil. As chances de sucesso nas eleições de 2020 são pequenas, mas a cabeleireira Bia Biancardi, de 52 anos, e Josi Milagre, são os nomes do Partido da Mulher Brasileira (PMB) à prefeitura de Cariacica, no Espírito Santo.
A chapa também se distingue por seu posicionamento político – conservador, a favor da família e do presidente da República, Jair Bolsonaro, principal inspiração da dupla para entrar na política. “Votei, fiz campanha em Whatsapp e Facebook, e isso me inspirou”, explicou Bia ao Congresso em Foco.
O perfil de Bia no Instagram, antes da campanha, em muito se parece com o padrão de páginas que apoiam Bolsonaro: críticas a opositores do presidente, como o ministro do STF Gilmar Mendes, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, e o ex-presidente Lula.
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Bia é cabeleireira há 35 anos no bairro de Campo Grande, região central da Cariacica. Sua naturalidade ao tratar de gênero é bastante clara – a ponto de quase não levá-lo em consideração. “Há 30 anos eu sou empresária, e como empresária eu sou respeitada, independente de eu ser uma mulher transgênero ou não”, explicou. “Na verdade, não vejo as pessoas me vendo com discriminação de gênero, e sim como uma comerciante.”
Mas no país que mais mata transgêneros no mundo, a questão é incontornável. “Mas carrego o título de mulher trans – e tenho orgulho disso”, ressaltou.
Bia alega que sempre teve interesse pela política, mas jamais concorreu a nenhum cargo – a ação dentro da política só veio depois de 2018. “Quando vi o Brasil tomando um rumo na direção que está tomando, com essa atual presidência, eu me animei muito”, explicou. “A coragem dele me deu mais coragem”, explicou Bia, se referindo ao presidente Jair Bolsonaro. A candidata até tinha se filiado ao Partido Social Liberal (PSL), principal casa do bolsonarismo durante as eleições de 2018, mas trocou de legenda para concorrer à prefeitura.
Biancardi considera que a recepção ao início da sua trajetória política foi marcado por preconceito não em relação à seu gênero, mas em relação às suas escolhas políticas. “Não posso ser uma mulher transgênero e ter princípios conservadores? Ser cristã e ser a favor da família e tudo o mais?”, questionou. “Isto me irritou muito”. Bia se considera inserida da cena LGBTQ na cidade: seu salão de beleza, há 30 anos sob sua gerência, empregava três funcionários gays. Hoje ela explica, por conta da pandemia, é obrigada a tocá-lo sozinho, com horário marcado.
A campanha já contou com alguns percalços no caminho – a coligação planejada com o Partido Social Democrático (PSD) local não ocorreu, e o PMB buscou candidatas a vice entre nomes próximos. A escolha pela também cabeleireira Josi Milagre, também mulher trans e também cabeleireira, se deu por afinidade de ideias.
A chapa foi aprovada na segunda-feira (14) e é bastante modesta se comparada com as outras forças que competem na cidade de 383 mil habitantes, vizinha à capital Vitória e a terceira maior do estado.
Ainda não há pesquisas de intenção de votos para a eleição de novembro na cidade, mas a disputa deverá ser entre o deputado estadual Euclério Sampaio (DEM), o ex-vereador Saulo Andreon (PSB), o atual vereador e irmão de Saulo, Celso Andreon (PSD). Joel da Costa (PSL), Hélcio Menezes Couto (PP) e subtentente Assis (PTB)– que tem o perfil mais seguido no Instagram entre os candidatos, com 25 mil seguidores – também integram a disputa. Para comparação, a página de Bia no Instagram possui 1.300 seguidores – na média da maioria dos seus concorrentes.
Bia apontou que, entre seus planos de governo, está uma reforma administrativa maciça na cidade, capaz de extinguir 400 cargos, 10 secretarias e gerar R$ 100 milhões em economia anual – com isso, se viabilizaria a implantação de centros de acolhimento às pessoas em situação de rua, outra proposta sua.
A candidata disse ainda que a vice-prefeita possui planos para população LGBTQIA+. A candidata apontou que o problema da prostituição envolvendo pessoas trans é uma chaga para a cidade, e que ações em pontos para prostituição de jovens às margens de uma rodovia que passa pela cidade devem ser pensadas pelo poder público.
O Espírito Santo já tem o pioneirismo de uma candidatura trans bem sucedida: em 2006, a vereadora Moa Sélia se tornou a primeira pessoa trans a presidir uma Câmara Municipal, no município de Nova Venécia. Moa presidiu a casa até 2008, e se ausentou da política, vindo a falecer em 2017. Em 2015, a cidade de Vila Velha teve uma drag queen como vereador – Chica Chiclete, personagem criada pelo empresário Francisco Spala, assumiu uma vaga de suplência.
As candidaturas trans têm aumentado seu sucesso nos últimos anos: em 2018, Erica Malunguinho (PSOL) se tornou a primeira deputada estadual transgênero do Brasil, ao se eleger para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. O estado também elegeu uma bancada ativista com nove membros, entre eles Erika Hilton, que é mulher trans.
Em 2020, a professora e pastora evangélica Alexya Salvador, também mulher trans, se candidatou a vice numa chapa com a deputada Sâmia Bonfim, nas prévias do PSOL à prefeitura de São Paulo – a legenda escolheu Guilherme Boulos. Em Fortaleza, Helena Vieira também se candidatou como prefeita nas prévias do Socialismo e Liberdade – o partido escolheu, entretanto, que irá concorrer com Renato Roseno à prefeitura.
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