O presidente Jair Bolsonaro cometeu ao menos 11 infrações gravíssimas de trânsito que, para o cidadão comum, resultariam em multa de R$ 293,47, sete pontos cada na CNH, e na suspensão direta do direito de dirigir. As transgressões ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ocorreram em passeios individuais ou motociatas promovidas pelo presidente da República. Nessas ocasiões, ele não usou capacete ou utilizou o equipamento fora das especificações exigidas pela legislação.
Bolsonaro, no entanto, nunca foi multado ou sequer advertido pelas autoridades locais, que fecharam os olhos para as infrações cometidas pelo chefe do Executivo. A última delas foi registrada nesse sábado (7) em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, onde o presidente promoveu uma motociata com apoiadores.
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Na cidade gaúcha, ele participou da 23ª edição da Feira Nacional da Soja (Fenajosa) e transmitiu o ato de apoio pelas redes sociais. De acordo com o CTB, o condutor também é responsável pelo uso do capacete do carona. Nem Bolsonaro nem a pessoa que o acompanhava usava o equipamento de proteção.
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“É um péssimo exemplo. Até nas poucas situações em que está com capacete, ele faz uso irregular ou incompleto do equipamento, sem viseira ou óculos de proteção, ou quando há viseira mantém a mesma levantada”, afirma o advogado Luis Francisco Flora, presidente da Comissão de Trânsito, Transportes e Mobilidade Urbana da OAB/Jabaquara/SP. “Ele infringe, em princípio, os artigos 54 e 55, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro, bem como resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran)”, explica.
A Resolução 940 do Contran, que trata da proteção dos motociclistas, estabelece que “é obrigatório, para circular nas vias públicas, o uso de capacete motociclístico pelo condutor e passageiro de motocicleta, motoneta, ciclomotor, triciclo motorizado e quadriciclo motorizado, devidamente afixado à cabeça pelo conjunto formado pela cinta jugular e engate, por debaixo do maxilar inferior”. A mesma norma também diz ser obrigatório o uso de viseira ou óculos de proteção quando o veículo estiver em movimento.
Em foto que viralizou nas redes sociais, em maio de 2021, Bolsonaro cruzou a ponte sobre o Rio Madeira, na BR 364, em Rondônia, carregando o empresário Luciano Hang, um de seus principais aliados, na garupa do veículo. No mesmo passeio, deu carona ao então ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que à época presidia o Conselho Nacional de Trânsito.
Nesse caso, pelo CTB, Bolsonaro poderia ter sido autuado por quatro infrações: duas por ser flagrado sem capacete e duas por dar carona a passageiro sem o equipamento. As infrações são consideradas distintas e cumulativas. “Além da própria vida, expõe também terceiros a riscos. O proprietário e/ou condutor é o responsável por quem ‘carrega'”, observa o advogado.
O presidente também estava sem capacete na motociata que fez em Quixadá (CE), no último dia 23. Na garupa de uma moto, Bolsonaro deixou os cabelos ao vento, sem usar qualquer proteção individual.
Ele utilizou capacete fora das especificações do Código de Trânsito em ao menos quatro oportunidades. Em 15 de abril passado, Bolsonaro iniciou o percurso de um evento chamado Acelera para Cristo, com motoqueiros que saíram de São Paulo e se deslocaram até Americana (SP), a 130 km da capital paulista. Nessa motociata, Bolsonaro usava um capacete do tipo “coquinho”, sem proteção para o maxilar e viseira.
Em 11 de outubro do ano passado, Bolsonaro passeou de moto pela praia da Ensaiada, no Guarujá (SP), com capacete sem viseira novamente. Na ocasião, também estava sem máscara, item obrigatório para as demais pessoas por causa dos elevados índices de morte e infecção por covid-19. Em 24 de fevereiro de 2020, Bolsonaro já havia circulado de moto pela mesma cidade sem que o capacete estivesse preso ao pescoço, o que também é uma infração de trânsito.
O presidente também estava sem viseira ou óculos de proteção na motociata de 26 de junho de 2021 em Chapecó (SC). Na garupa, ele levava o prefeito, João Rodrigues (PSD), seu aliado e ex-colega de Câmara, que também estava fora das exigências da lei.
Conforme as regras da legislação de trânsito, mesmo que o infrator não tenha qualquer pontuação em seu prontuário, e cometa a infração por conduzir sem capacete, sofrerá um processo administrativo de suspensão da CNH, podendo ser suspenso por até oito meses. O proprietário ou condutor tem direito a recorrer da punição.
Para Luis Franciso Flora, presidente da Comissão de Trânsito da OAB-Jabaquara-SP, mais grave que a infração, é a mensagem que Bolsonaro passa à sociedade com seu comportamento. “O presidente cometeu infrações e ninguém está acima da lei”, diz o especialista em trânsito. “Do ponto de vista comportamental, é uma coisa degradante. É a divulgação e a propagação do mau exemplo. O país faz há décadas campanhas de prevenção. Estamos, inclusive, no Maio Amarelo. Aí vem o presidente faz isso”, critica o advogado.
Segundo ele, Bolsonaro estimula outras pessoas a transgredirem a legislação ao descumprir as regras do trânsito. “Querem transformar tudo em liberdade de expressão, dizendo que a liberdade tem maior valor que a vida. Isso contaminou inclusive o trânsito”, afirma Flora. “Há uma derivação de tudo isso. A pessoa que se envolve no acidente de moto, além de se machucar ou morrer, por não observar as normas, vai onerar o Estado com o atendimento público e pode colocar em risco a vida de terceiros”, acrescenta.
Pelo Código de Trânsito, o condutor flagrado pela fiscalização dirigindo um veículo com a carteira suspensa está sujeito ao pagamento de multa de R$ 900 e terá o veículo retido até a chegada de outra pessoa habilitada, além da cassação da carteira por dois anos.
Em 2020, Bolsonaro propôs e o Congresso aprovou o aumento na pontuação para a suspensão da CNH. Até o início do ano passado, o motorista ou motociclista que atingisse 20 pontos durante o período de 12 meses ficaria com a carteira suspensa. Com a mudança na lei, a suspensão passou a ser escalonada. O condutor tem a habilitação suspensa com 20 pontos (se tiver duas ou mais infrações gravíssimas), 30 pontos (uma infração gravíssima na pontuação); 40 pontos (nenhuma infração gravíssima na pontuação). O Congresso em Foco procurou a assessoria da Presidência, mas não houve retorno até o momento. Este texto será atualizado caso haja manifestação do Planalto sobre o assunto.
12 mil mortes
O Brasil é o quinto país no ranking mundial de vítimas de trânsito: são 22 mortes por 100 mil habitantes e um terço delas é de motociclistas, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Acidentes com moto foram responsáveis por 54% de todos os sinistros registrados no país no primeiro semestre de 2021, de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). Em média 12 mil brasileiros perdem a vida por ano com acidentes de motocicletas.
Conforme a Abramet, a falta do uso do capacete agrava os acidentes. Vítimas que usam o equipamento de maneira adequada têm 66% a menos de chance de desenvolver lesão intracerebral em caso de quedas. O número de motociclistas cresceu 54% entre 2009 e 2019. Já o de motocicletas quase dobrou, pulando de 15 milhões em 2009 para mais de 28 milhões dez anos depois. Os acidentes também sobrecarregam os gastos públicos com a saúde.
O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) registrou em 2019, em todo o Brasil, 329.796 multas decorrentes da não utilização de capacete pelo condutor e outras 219.989 pelo não uso do equipamento pelo passageiro, segundo a Abramet. Em setembro do ano passado o Denatran, que é o principal órgão brasileiro responsável por regulamentar e fiscalizar todos os assuntos relacionados ao trânsito, foi substituído pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).
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