Lúcio Lambranho
Um
ato do ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi poderá causar ao Senado
uma despesa adicional hoje difícil de estimar, mas que somente na primeira
tacada deve passar de R$ 15 milhões.
No dia 10 de novembro de 2006, muito antes de ser envolvido em
denúncias que o afastaram do cargo e o transformaram
em alvo de inquérito, Zoghbi forneceu uma declaração (veja o documento)
aparentemente singela. Em um burocratês de difícil compreensão para mortais
comuns, descreveu os índices de reajuste aplicados pelo Senado desde janeiro de
2002 a um dos principais adicionais que integram a remuneração dos funcionários
da Casa, o adicional de padrão legislativo, mais conhecido como PL.
Para bom entendedor, o recado era claro. O Senado teria,
segundo Zoghbi, reajustado o PL em níveis muito inferiores à inflação. A
declaração se tornou uma das principais armas de mais de 600 servidores do
Senado que desde 2006 tentam obter na Justiça a revisão da correção monetária do
PL, retroativa a janeiro de 2002. São mais de 60 ações idênticas na Justiça
Federal. Os processos ainda tramitam no Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF1), mas na maioria dos casos os juízes de primeira instância já condenaram o
Senado a pagar o que os funcionários querem.
Outros fatos tornam a história mais curiosa. Zoghbi deu a
declaração a pedido não da Justiça, mas dos próprios servidores. Foi o advogado
destes que a incluiu nos processos, o que é classificado como algo “incomum” por
advogados ouvidos pelo Congresso em Foco com experiência em processos nessa
área.
E um dos autores das ações que cobram a correção monetária do
Senado é Ralph Campos Siqueira, que chefiava o Departamento de Pessoal (órgão
vinculado à Secretaria de Recursos Humanos, então dirigida por Zoghbi), área
responsável pelo fornecimento de diversas informações estratégicas para
instrução dos processos, e pessoa bastante próxima do advogado Reginaldo Vaz de
Almeida, que patrocina a causa dos funcionários.
A declaração de Zoghbi
Em sentença no dia 9 de setembro de 2008, o juiz Paulo Ricardo
de Souza Cruz, da 5ª Vara Federal em Brasília, referiu-se expressamente à
declaração de Zoghbi para concluir: “Assim, resta claro que o pagamento
administrativo dos atrasados dos autores foi feito com atualização monetária
incorreta, pelo que fazem eles jus à diferença entre o que lhes seria devido, se
corretamente aplicada a correção monetária, e o que efetivamente foi pago”.
Os R$ 15 milhões antes citados correspondem apenas ao valor da
causa dado pelo advogado, considerando Somente os atrasados a pagar aos mais de
600 autores das ações foram estimados pelo advogado dos servidores, no início
dos processos, em R$ 15 milhões. Mas esse valor deixa de fora a atualização
monetária dos atrasados devidos desde 2006, o eventual impacto dos pagamentos
futuros do adicional de PL corrigido e a extensão dos benefícios aos demais
funcionários (apenas na ativa, são mais de 3 mil funcionários efetivos).
Portanto, confirmada a vitória judicial dos servidores, o impacto financeiro da
medida tende a ser muito superior ao número – relativamente modesto – informado
pelo advogado.
Até o momento, o Senado não pagou nenhuma das ações e contesta
no TRF as condenações que recebeu em primeira instância, por meio da
Advocacia-Geral da União (AGU).
Declarações como a de Zoghbi, afirmam advogados, nunca são
conseguidas em processos semelhantes. Quase sempre, explicam eles, é necessário
fazer pedidos formais aos juízes para que o órgão público, sob intimação,
forneça as informações, ainda assim individualmente (uma declaração para cada
processo).
Mesmo assim, acrescentam os advogados, os órgãos públicos
“brigam para não dar esse tipo informação” e usam como estratégia o atraso no
envio das informações. As declarações de Zoghbi foram concedidas ao advogado dos
servidores entre 24 de outubro e 10 de novembro de 2006, logo depois que os
processos começaram a dar entrada na Justiça Federal (a partir de 25 de agosto).
“Ações do Ralph”
No Senado, porém, muitos se referem aos processos como “ações
do Ralph”, referindo-se a Ralph Campos Siqueira, o ex-subordinado de Zoghbi.
Ralph exerceu cargos de chefia no Serviço de Aposentadorias e
Pensões, no Serviço de Apoio Técnico, e foi diretor da Subsecretaria de Pessoal
Ativo. Com a queda de Zoghbi, assumiu o posto de seu antigo chefe na Secretaria
de Recursos Humanos.
O apelido dado aos processos se deve à proximidade entre o
ex-diretor de Pessoal e o advogado que patrocina as ações contra o Senado.
A reportagem verificou dois vínculos entre Ralph e Reginaldo
Vaz de Almeida. O primeiro deles é que Ralph é o advogado de Reginaldo em
processo que tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se da ação
2006/0013517-7, que deu entrada no STJ em fevereiro de 2006. O segundo é o
endereço informado por Ralph numa lista de associados do Instituto de Registro
Imobiliário do Brasil (Irib): SRTVN, Quadra 701, Centro Empresarial Norte, sala
814, Brasília, DF.
É o mesmo endereço usado por Reginaldo em ofício (confira)
enviado ao Senado, no qual o advogado dos servidores reclama o pagamento
imediato da correção monetária relativa a quatro processos em que os juízes
tinham concedido antecipação de tutela. Por esse instrumento jurídico,
determina-se liminarmente o pagamento, antes mesmo do julgamento do mérito das
ações.
Ralph também assinou juntamente com Alberto Cascais, na época
advogado-geral do Senado, parecer jurídico que gerou o pagamento acima do teto
do funcionalismo (R$ 24.500) para 350 funcionários do Senado, conforme
reportagem publicada pelo jornal Correio Braziliense em 23 de junho deste ano.
Na época, Ralph respondia pela coordenadoria de processo
administrativo. O último cargo de chefia de Ralph foi o de diretor de Recursos
Humanos, mas ele foi exonerado do cargo quando afirmou ao jornal O Estado de S.
Paulo que o presidente da Casa, senador José Sarney (PMDB-AP), tinha
conhecimento dos atos secretos.
O que diz Reginaldo
Reginaldo nega ter recebido informações privilegiadas de Ralph,
a quem aponta como “amigo”. “Doutor Ralph é amigo meu, como outros que tenho no
Senado. É uma pessoa muito ética e que respeito muito”. O advogado admitiu que
passou a usar um escritório que já foi de Ralph, no endereço citado pela
reportagem.
Reginaldo também tentou minimizar a importância da declaração
de Zoghbi: “Não ajudou, pelo contrário. Na época, eu pedi as fichas financeiras
dos funcionários, mas até hoje o Senado não fornece. Esse é o tratamento que o
Senado dá aos servidores”.
Ao contrário do que o advogado diz, porém, o Senado já forneceu
as fichas financeiras em pelo menos um dos processos a que o site teve acesso na
íntegra. As ações em andamento também comprovam que o documento assinado por
Zoghbi foi uma peça fundamental da estratégia do advogado. Citando a declaração
e os índices nela encontr
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