O Brasil é um país curioso. Depois de conseguir aprovar uma reforma tributária, um debate de décadas, perde-se em discussões sobre sua regulamentação. A pressão dos múltiplos lobbies deve transformar o novo sistema numa jabuticaba. Corre-se o risco de armas serem equiparadas a produtos essenciais, como comida e alguns remédios, com imposto zero. Já medicamentos de uso corrente, como aspirina e antigripais, podem não ter isenção, reclama a indústria farmacêutica.
No centro do labirinto da regulamentação está a taxação da carne. Lula quer isentar a proteína in natura, para cumprir uma promessa eleitoral, a de o povo “voltar a comer picanha e tomar cerveja”. Técnicos afirmam que isso elevaria a alíquota geral do IVA, prejudicando por exemplo, o acesso a serviços. O bife no prato virou mais um motivo de duelo entre ele e Arthur Lira: “Esse é um preço pesado para todos os brasileiros. Precisamos entender as prioridades. Para mim, é aumentar o acesso a serviços essenciais”, disse o presidente da Câmara.
Enquanto o Congresso se ocupa com vagas promessas eleitorais, o mundo discute o rumo da economia neste século, com o avanço da inteligência artificial e dos evidentes desastres climáticos. São temas em alta nos fóruns internacionais, inclusive o G20, presidido pelo Brasil neste ano. Serão centrais no Brics+ e na COP30, dois eventos que serão sediados pelo país em 2025. Apesar disso, o debate não fisgou os congressistas. Passada a comoção, a destruição do Rio Grande do Sul, exemplo eloquente das consequências das mudanças do clima, ficou em segundo plano. A revolução da IA e seus efeitos, inclusive sobre o trabalho, também não está na pauta de prioridades — projetos de regulação estão adormecidos há tempos no Legislativo.
Às vésperas de uma eleição crítica para governo e oposição, a agenda pública fica enviesada. O presidente do Senado, por exemplo, tomou para si a tarefa de fazer um acordo nacional da dívida dos estados com a União (a dívida dobrou na última década; o Rio Grande do Sul, devastado, paga 15% ao ano da receita líquida corrente). Candidato a candidato ao Planalto, o governador goiano, Ronaldo Caiado, acusa o governo federal de se apoderar dos recursos dos estados, desestabilizando as economias regionais. Minas, estado de Pacheco, também está endividada, e ele está na lista dos possíveis candidatos a governador, com estímulo de Lula.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou uma proposta vinculando uma renegociação a investimentos em educação. Ainda não foi adiante, e os governadores — muitos deles com ambição de suceder Lula — uniram-se para colocar outras alternativas na mesa, num outro duelo que pode se estender por meses.
O tempo do ministro Haddad anda escasso para temas como esse e outros ligados à Fazenda. Ele tem dedicado muitas horas de seu dia a apagar incêndios. Gastou muita saliva em sucessivas reuniões para levar Lula a concordar que é preciso aprofundar o ajuste fiscal, segurando o dinheiro e revendo gastos. Na última quarta-feira, Haddad, ao lado dos ministros Alexandre Padilha e Simone Tebet, deu uma entrevista para anunciar as medidas e dizer o óbvio: “O presidente determinou: cumpra-se o arcabouço fiscal. Não há discussão a respeito.”
Desde o início do governo, porém, não se discute outra coisa. O setor financeiro não comprou a eficácia da nova legislação, e Lula entrou no jogo do mercado ao comprar briga com o Banco Central. O presidente, no terceiro mandato, sabe o peso de suas palavras — no mercado e junto à população. Viu a subida do dólar, um alerta para qualquer político, e entrou em trégua. Os operadores financeiros, no entanto, seguem no jogo. Se não virem resultado nas promessas de ajuste, vão cobrar seu preço. E Lula vai voltar a reclamar — não totalmente sem razão. O risco é perder o bonde, enquanto o mundo anda de avião a jato.
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