Em um famoso conto de Machado de Assis, “O Alienista”, há um sanatório na cidade de Itaguaí, no Rio de Janeiro. Para dirigir esse sanatório chega um jovem médico psiquiatra, ou “alienista”, como chama Machado, chamado Simão Bacamarte. Aos poucos, Simão Bacamarte vai internando como loucos todos os habitantes da cidade. Até se convencer, ao final, que o louco mesmo era ele.
Nesta sexta-feira (24), o conto de Machado de Assis foi parar na pesada briga política que envolve os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre o rito de tramitação das medidas provisórias. A briga transformou-se em uma grave crise institucional, que paralisa as atividades do Legislativo. E que é alimentada também pela rivalidade política entre Lira e seu conterrâneo, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Foi Renan quem trouxe Machado de Assis e seu personagem, Simão Bacamarte, ao ringue.
Acompanhando o presidente Lula na viagem que fez na quinta-feira (23) ao Rio de Janeiro, Renan passou por Itaguaí. E lembrou do conto que tem o município por cenário para fustigar Arthur Lira em seu perfil no Twitter.
Veja abaixo o tuíte de Renan:
Fui a Itaguaí com @LulaOficial, terra do manicômio Casa Verde, de “O Alienista” de Machado de Assis. João Bacamarte, psiquiatra, dava diagnósticos nos quais todos eram loucos. No final, o desequilibrado era ele, que se interna e morre só no sanatório.
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— Renan Calheiros (@renancalheiros) March 24, 2023
“Na hora em que Arthur Lira resolve desobedecer a Constituição e o presidente do Senado, que é também presidente das sessões do Congresso e, portanto, da tramitação das MPs, e aponta o dedo para nós senadores como nós é que estivéssemos errados, ele fica parecendo o Simão Bacamarte do conto de Machado de Assis”, explicou Renan Calheiros ao Congresso em Foco. “É o maluco que aponta o dedo para outros e os chama de malucos”.
Renan é um dos autores da questão de ordem que motivou a decisão de Rodrigo Pacheco de restabelecer as comissões de deputados e senadores para analisar as medidas provisórias. As comissões estão previstas na Constituição. Durante a pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou que as MPs tramitassem sem a necessidade das comissões para facilitar o processo, uma vez que o Congresso não vinha se reunindo presencialmente. Arthur Lira queria manter esse rito da pandemia. Os senadores colocaram-se contrários. Pacheco tomou a decisão de retomar as comissões, e Lira ameaça não obedecer. O outro autor da questão de ordem é o líder do MDB, Eduardo Braga, que criticou Lira dizendo que “falta maturidade” a ele.
“Nunca houve nada parecido”
“Quando eu era presidente do Senado, eu tive várias desavenças com Eduardo Cunha, que presidia a Câmara. Mas nunca houve nada parecido”, diz Renan. Para o senador, seu adversário que preside a Câmara, ao transformar a desavença numa crise institucional, não demonstra “dimensão institucional”.
“Ele nem faz parte da Mesa do Congresso”, lembra Renan. De fato, as sessões do Congresso são presididas pelo presidente do Senado. E o vice, no caso, é o vice-presidente da Câmara, e não Arthur Lira. Nesse sentido, Renan argumenta que Lira deveria respeitar as decisões de Rodrigo Pacheco que se refiram a decisões do Congresso.
Além disso, o rito com as comissões, diz Renan, é previsto na Constituição. Lira tem argumentado que seria necessário um novo ato para retomar um antigo rito. “Não é necessário ato nenhum para que se cumpra a Constituição”, argumenta Renan.
Segundo Renan, se Lira de fato insistir em orientar os líderes dos partidos para que não indiquem integrantes para a comissão, isso não impedirá a tramitação das MPs. O único risco será, então, Lira não convocar o plenário da Câmara para deliberar.
“Mas será que Lira irá fazer isso? Claramente demonstrar que não quer decidir sobre as MPs e deixá-las caducar? Para mim, isso será uma atitude de imenso risco. Que pode mesmo ser interpretada como crime de responsabilidade”, alerta Renan.
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