Com apresentação prevista para esta quarta-feira (6), o relatório da minirreforma eleitoral que tramita na Câmara dos Deputados não fará alterações nos valores atualmente estabelecidos para cotas de raça e gênero na distribuição do fundo eleitoral. De acordo com o relator, Rubens Pereira Júnior (PT-MA), o tempo para discussão do projeto é curto demais para que se possa discutir questões sobre a cota, que deverá ser debatida em outros projetos de lei.
O relator afirma que a minirreforma consiste em uma série de “pequenos ajustes” na legislação resultante da reforma política de 2017, visando preservar o cerne da lei original mas alterando pontos que hoje resultam em conflitos na Justiça Eleitoral. Os primeiros sinais do Parlamento sobre o teor da reforma, porém, foram recebidos de forma muito negativa entre entidades da sociedade civil especializadas em combate à corrupção.
Interlocutores do grupo de trabalho da minirreforma indicaram na última semana de agosto a possibilidade de substituição das cotas femininas e de gênero pela criação de um fundo separado para essas candidaturas, com possibilidade inclusive de redução dos valores para não comprometer campanhas para pleitos majoritários. Em entrevista ao Congresso em Foco, Rubens Pereira afirmou que essa discussão nunca aconteceu no grupo de trabalho (GT) do projeto.
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“Nunca foi cogitado no GT tratar desse assunto. Eu venho afirmando isso em todas as reuniões com parlamentares. Ontem [dia 4] eu me reuni com a bancada feminina, hoje eu me reuni com a bancada negra da Câmara e repeti que não está no nosso relatório temas de cota e fundo que tragam mudanças substanciais. Apenas pequeníssimos ajustes que elas próprias concordaram”, declarou.
A única mudança, segundo ele, nas regras da cota, diz respeito ao critério de definição: o relatório deverá estabelecer um dia específico no calendário eleitoral para que seja feita a contagem de candidaturas femininas, negras e indígenas nos partidos para o repasse conforme a nominata daquele momento. O objetivo é evitar distorções causadas por eventuais desistências ou casos de força maior envolvendo candidatos.
Contas e doações
Uma das entidades que observaram com preocupação os acenos na direção de uma mudança no sistema de cotas partidárias é o movimento Transparência Partidária. Apesar do alívio com relação ao destino em curto prazo dos espaços de inclusão nos partidos, o presidente da Transparência, Marcelo Issa, ressalta que ainda restam aspectos do projeto que deverão exigir cautela por parte dos parlamentares na apreciação.
Uma das intenções expressadas pelo relator para o texto é a simplificação do processo de prestação de contas dos candidatos. Marcelo Issa alerta que essa mudança pode se tornar problemática caso inclua o aumento do teto de gastos para inclusão de candidatos no sistema de prestação de contas simplificado, menos rigoroso do que o comum.
“Aumentar os valores das campanhas que podem prestar contas no sistema simplificado, especialmente se for adotado um percentual de teto de gastos, pode ser temerário porque em alguns casos esse percentual vai representar muito dinheiro, a depender do cargo e localidade em disputa. A prestação simplificada é uma auditoria muito superficial, e sua expansão pode comprometer a fiscalização das campanhas”, explicou Issa.
Rubens Pereira também planeja incluir a possibilidade de doações eleitorais realizadas por meio de Pix e em valores inferiores à atual margem mínima de R$ 1 mil. Marcelo Issa não vê problema na possibilidade em si, mas chama atenção para a necessidade de se estabelecer um protocolo que leve em consideração as limitações na capacidade de fintechs, como NuBank e PicPay, na apresentação dos documentos com o detalhamento das doações.
“As instituições financeiras são obrigadas a enviar os extratos bancários ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não sabemos, porém, como ficaria o caso das fintechs. Não sabemos se elas estariam preparadas para controlar esse tipo de transação, ou se uma resolução do TSE seria suficiente para regular essas operações”, disse Marcelo Issa.
O relator diz que a inclusão do Pix como meio de doação eleitoral já é prevista em resolução, e que o projeto na prática apenas inclui o mecanismo dentro da legislação.
Marcelo Issa também chama atenção para um esforço antigo de diversos partidos para aumentar o período de preclusão para apresentação de documentos à Justiça eleitoral em processos por irregularidades na prestação de contas. Esse é outro aspecto que vai exigir cautela na elaboração e apreciação do relatório, pois o aumento nesse prazo pode criar margem para o abuso dos prazos por parte de siglas interessadas em obstruir a fiscalização.
Mudança em federações
Rubens Pereira conta que também pretende incluir mudanças fora de questões envolvendo as contas dos partidos. Uma delas é a possibilidade de migração de candidatos entre partidos que façam parte de uma mesma federação fora da janela partidária. Um candidato do Cidadania, por exemplo, poderia migrar para o PSDB caso avalie necessário, e vice-versa.
“As federações estão previstas em uma lei muito nova, pouco explicada e que hoje é muito judicializada. Nós queremos tornar mais clara. De certa forma, quem disputa eleição é a federação, não o partido. Respeitamos os partidos dentro de sua autonomia, mas quem disputa eleição é a federação. Se alguém saiu do PT para o PCdoB, na prática não houve muita mudança. Mas essa não é uma parte intransponível da minirreforma: se ao longo do debate acharem melhor tirar, a gente retira”, explicou o relator.
O relatório também aumentará o leque de mulheres que poderão denunciar casos de violência política de gênero à Justiça Eleitoral. “A atual lei prevê que a violência política contra a mulher candidata é crime, mas não fala de pré-candidatas, ou mesmo de dirigentes partidárias, ou mesmo das assessoras de candidatas e pré-candidatas”, apontou o deputado.
Prazo curto
A minirreforma eleitoral busca trazer as mudanças para a próxima eleição municipal, que deverá acontecer em 2024. Para surtir efeito, porém, ela deverá ser aprovada na Câmara e no Senado, e em seguida sancionada com no mínimo um ano de antecedência do primeiro turno, previsto para o dia 6 de outubro.
O plano do GT da minirreforma é apreciar internamente o relatório nesta quarta-feira para que o texto possa ser levado a votação em plenário na próxima semana.
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