Se você ainda não entendeu a reforma tributária, nunca ouviu falar em julgamento no Carf nem em arcabouço fiscal, leia o texto abaixo. Se você conhece esses temas e quer se atualizar sobre a discussão, esta leitura é obrigatória. O Congresso em Foco mostra, de forma didática, os principais pontos das três propostas que dominam o noticiário político esta semana. Por que esses assuntos importam? Como eles podem afetar diretamente as contas do Estado e, principalmente, do seu bolso?
Entenda as propostas do Carf, do arcabouço fiscal e da reforma tributária.
O que é
- Projeto de Lei 2384/23, que retoma o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). É relatado pelo deputado Beto Pereira (PSDB-MS). O texto tranca a pauta do plenário, ou seja, tem prioridade de votação em relação a qualquer outro projeto de lei.
- Veja o parecer de Beto Pereira
Por que é importante
O Carf é a última instância administrativa das punições da Receita Federal. Desde 2020, o contribuinte é beneficiado com o empate nos julgamentos. A retomada do voto de qualidade, inicialmente tratada por medida provisória que acabou vencendo sem ser votada, é tratada como prioridade pelo Ministério da Fazenda, que estima que a União perdeu R$ 59 bilhões com a reversão dos resultados no período.
O que está em jogo
- A proposta original do governo previa que a revisão tributária subisse para mil salários-mínimos. Esse é o chamado limite de alçada aplicável aos recursos interpostos ao Carf, que hoje estão no valor de 60 salários-mínimos.
- O governo queria o acolhimento integral da proposta elaborada pela Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) e pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que livrava os contribuintes de multas e dava descontos nos juros em caso de um empate no julgamento no Carf.
Pontos divergentes
- O relator Beto Pereira derrubou a ideia do governo de aumentar o piso para julgamentos do Carf. Em seu parecer, Pereira manteve o atual limite de alçada aplicável aos recursos interpostos ao Carf, no valor de 60 salários-mínimos.
- O deputado acolheu parcialmente a proposta feita pela Abrasca e a OAB ao governo. Segundo o texto, a concessão do tratamento diferenciado estará atrelada às condições especiais de pagamento e às garantias exigidas para a discussão do valor controvertido.
- Ele também propôs em seu parecer a quebra do monopólio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para o Instituto da Transação. Com a medida, a Receita Federal poderá oferecer ao contribuinte descontos antes da inscrição na dívida ativa. Na análise do relator, a medida vai permitir que haja uma redução no custo do processo operacional, facilitando a vida do cidadão.
O que é
- O Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/23 institui a nova política de teto de gastos do governo federal. Na Câmara, foi relatado pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA). Já no Senado, o relatório ficou sob responsabilidade do senador Omar Aziz (PSD-AM).
Por que é importante
O projeto estabelece critérios mais flexíveis para a elaboração das próximas leis orçamentárias anuais. O arcabouço fiscal servirá para substituir o atual teto de gastos. Enquanto a lei em vigor prevê uma limitação ao orçamento anual definida conforme os gastos públicos do ano anterior, o arcabouço tem como critério a receita arrecadada ao longo dos últimos 12 meses. Desse recurso, 70% estarão disponíveis para o governo, e os outros 30% ficarão retidos, buscando formar uma proteção contra o crescimento da dívida pública.
O que está em jogo
A nova política de teto de gastos do governo traz uma banda com crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% ao ano. O cofre do Distrito Federal também pode ser diretamente impactado. Segundo o governo do Distrito Federal, a capital do país perderá R$ 87 bilhões em receita ao longo dos próximos dez anos caso o texto aprovado pela Câmara vire lei. Já cálculos feitos pela Consultoria de Orçamento da Câmara apontam um déficit de R$ 17 bilhões pelo mesmo período.
O arcabouço traz uma banda com crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% ao ano. O valor máximo é limitado como um mecanismo anticíclico. Pelo arcabouço, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb) e o piso salarial da enfermagem ficarão fora do limite de gastos, graças a regras constitucionais já existentes.
Com o novo modelo, o governo espera zerar o déficit público primário da União em 2024 e atingir o superávit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025. Para 2026, último ano do mandato de Lula, a expectativa é atingir o superávit primário de 1% do PIB e estabilizar a dívida pública da União.
Pontos de divergência
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb)
Teve a trava mantida pelo relator do texto na Câmara, Cláudio Cajado, mas foi retirado do relatório do Senado. Agora, Cajado quer retomar a trava.
Fundo Constitucional do Distrito Federal
Dinheiro destinado para despesas com segurança pública, saúde e educação. A trava que emperrava o aumento dos recursos transferidos pela União para o Distrito Federal foi colocado por Cajado, no parecer da Câmara, mas retirado no texto aprovado pelo Senado.
O que é
- PEC 110/19 e PEC 45/19, que alteram o sistema tributário nacional. O texto em discussão foi costurado por um grupo de trabalho da Câmara, a partir das propostas originais dos deputados Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) e Baleia Rossi (MDB-SP), debatidas desde a legislatura passada. O texto é relatado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que apresentou um relatório preliminar, mas ainda faz mudanças em meio a negociações com governadores.
- Veja o relatório do GT da reforma tributária
Por que é importante
Essa etapa inicial da reforma é focada no consumo. Governo e Congresso defendem a reformulação como forma de simplificar, racionalizar e unificar a tributação, reduzindo assim a burocracia, e incentivar o crescimento econômico. Entre os principais objetivos da proposta, estão o fim da guerra fiscal, a desoneração das exportações, a segurança jurídica e a transparência.
O que está em jogo
- Criação de dois Impostos sobre Valor Agregado (IVA)
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS dos estados e o ISS dos municípios. O IBS será gerido por estados e municípios. Já a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que vai unificar os tributos federais (PIS, Cofins e IPI), será gerida e distribuída pela União. O imposto será cobrado no destino (local do consumo do bem ou serviço), e não mais na origem.
O texto prevê desoneração de exportações e investimentos. Estabelece ainda um Imposto Seletivo, que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como cigarro e bebidas alcoólicas.
- Alíquotas
Haverá uma alíquota padrão, uma reduzida em 50% e outra alíquota zero. Os percentuais serão discutidos em lei complementar.
Alíquota reduzida – Transporte público, serviços de saúde, serviços de educação, produtos agropecuários, cesta básica, atividades artísticas e culturais e parte dos medicamentos. Isso porque esses grupos não têm muitas etapas como a indústria e teriam menos créditos tributários.
Alíquota zero – Medicamentos, Prouni, produtor rural pessoa física.
Zona Franca de Manaus e Simples – Manteriam suas regras atuais. Alguns setores teriam regimes fiscais específicos: operações com bens imóveis, serviços financeiros, seguros, cooperativas, combustíveis e lubrificantes, planos de saúde.
- Impostos sobre o patrimônio
IPVA – Será cobrado também sobre veículos aquáticos e terrestres, menor para veículos de menor impacto ambiental.
IPTU – Os municípios poderão mudar a base de cálculo do imposto por decreto, mas a partir de critérios estabelecidos em lei municipal.
ITCMD – A ideia é determinar a progressividade do imposto. Ou seja, alíquotas maiores para valores maiores de herança ou doação. Permite a cobrança de heranças no exterior.
- Cesta básica
O relator admite incluir em seu substitutivo a criação de uma cesta básica, com produtos que teriam alíquotas reduzidas. Hoje a cesta básica é isenta de impostos federais, porém, cada estado tem alíquota própria de ICMS para produtos diferentes. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) sugere a inclusão de 34 itens na lista.
Correção de desequilíbrios
- Cashback
A proposta de emenda constitucional prevê a implantação de um cashback ou devolução de parte do imposto pago. Mas o funcionamento do mecanismo ficará para a lei complementar.
- Fundo de Desenvolvimento Regional
Será criado esse fundo com recursos da União para promover regiões menos desenvolvidas. O objetivo é ter R$ 40 bilhões por ano a partir de 2033.
- Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais
Os benefícios já concedidos pelos estados seriam garantidos até 2032 por este fundo, também com recursos da União. No seu ponto máximo, em 2028, teria recursos de R$ 32 bilhões.
- Transição federativa
Será feita uma transição de 50 anos, entre 2029 e 2078, para manter a arrecadação da União, estados e municípios. Sem a transição, estados e municípios “produtores” seriam prejudicados com a cobrança do IBS no local de consumo.
- Transição dos tributos
Apesar de serem feitos modelos, a arrecadação dos novos tributos não é conhecida. Então, essa transição, de oito anos, terá o objetivo de calibrar as alíquotas de forma a manter a carga tributária.
Pontos de divergência
Prefeitos – Contrários à reforma, não aceitam a extinção do ISS, que será unificado com o ICMS estadual. Alegam perdas de arrecadação e de autonomia e prejuízo para a manutenção de serviços públicos como saúde, educação e transporte público. Os grandes municípios também protestam à mudança da incidência do imposto no destino, em vez da origem.
Governadores – Cobram critérios e regras mais claras para a criação do conselho federativo responsável pela gestão e distribuição do IBS. Pela proposta original, os votos do colegiado serão distribuídos de maneira paritária entre estados e municípios. Em aceno aos governadores, o relator Aguinaldo Ribeiro se comprometeu a detalhar os critérios. Governadores do Sul e Sudeste querem que as deliberações tenham dois níveis de aprovação – uma por estado e outra por região – para evitar que regiões com mais unidades federativas, como o Norte e o Nordeste, tenham prevalência.
Também querem maior valor para o Fundo de Desenvolvimento Regional. Governo prevê R$ 40 bilhões. Estados querem ao menos R$ 75 bilhões por ano. Uma das alternativas estudadas pelo relator, para contemplar os governadores, é incluir no texto critério para divisão dos recursos, como tamanho da população, menor PIB per capita e número de beneficiários do Bolsa Família.
Eles reivindicam, ainda, que a implementação do IBS seja gradual, entre 2026 e 2033. A ideia é começar a instituir a mudança em 2026, com alíquota teste de 1%, junto com a CBS até chegar à alíquota padrão, em 2033. Pelo relatório de Aguinaldo Ribeiro, o IBS só entraria em vigor em 2029. O relator admite rever esse prazo.
Serviços – Setor que mais emprega no país e que responde por 70% do PIB, teme pelo aumento da carga tributária. Estimativas feitas pelas entidades patronais indicam que o aumento de imposto pode chegar a 171% em alguns segmentos.
(Com informações da Agência Câmara)
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