Alvo de busca e apreensão nesta quinta-feira (25) pela Polícia Federal, o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) por pouco não comandou a própria instituição. Ele chegou a ser nomeado diretor-geral da PF pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2020. Mas a sua nomeação foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em meio a ações movidas pela oposição, por causa das ligações pessoais de Ramagem com a família Bolsonaro. O episódio se deu logo após Sergio Moro deixar o Ministério da Justiça acusando o presidente de interferir politicamente na PF para blindar filhos e aliados de investigações.
Ramagem não ficou desamparado. O delegado federal voltou ao comando da Agência Brasileira de Investigação (Abin), cargo que exerceu de agosto de 2019 a março de 2022 e que só deixou para se candidatar a deputado federal naquele ano. O deputado é pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro, com apoio de Bolsonaro, contra o prefeito Eduardo Paes (PSD), candidato à reeleição e aliado de Lula.
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O deputado amanheceu esta quinta-feira com a visita de agentes da PF que atuam na Operação Vigilância Aproximada, que apura um esquema de espionagem montado na Abin para monitorar, ilegalmente, autoridades públicas e cidadãos comuns. Os mandados são cumpridos em seu apartamento funcional e gabinete na Câmara. Ramagem deve ser ouvid pelos policiais ainda hoje.
Espionagem de adversários
O uso da ferramenta veio a público após O Globo revelar que dois servidores da Abin acusados de fraude licitatória no Exército citaram a utilização indevida do programa israelense First Mile pela agência. Em outubro do ano passado, quando deflagrou a Operação Última Milha, a PF não incluiu o nome de Ramagem entre os investigados, mas fez menção a ele. Segundo os investigadores, o ex-diretor da Abin estava entre os responsáveis pelas ações e omissões envolvendo a compra e o uso do software.
A associação entre o nome dele e a existência de um esquema de espionagem na agência foi apontada pela primeira vez pelo ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebbiano. Primeira baixa do governo Bolsonaro e falecido em 2020, Bebianno afirmou que abortou, junto com o também então ministro Santos Cruz, a criação de uma “Abin paralela”, que funcionaria para grampear ilegalmente opositores do governo e produzir dossiês falsos. Bebianno contava que a tentativa partiu de Carlos Bolsonaro, que levou o nome de Ramagem e de três agentes que fariam parte da estrutura paralela.
Eleito deputado federal em 2022 com 59.170 votos, Alexandre Ramagem se destacou em seu primeiro ano de mandato como um dos líderes da tropa de choque governista na CPMI dos Atos Golpistas. Em diversas intervenções na comissão, lembrou aos depoentes e aos colegas parlamentares que era delegado da Polícia Federal e tinha grande experiência em investigações.
Chefe da segurança
Ele entrou para a PF como delegado em 2005 e chefiou a equipe de segurança de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018, depois do atentado a faca em Juiz de Fora (MG). A partir daí, tornou-se amigo próximo da família do presidente. A proximidade com a família foi o principal motivo dos questionamentos que resultaram na anulação de sua nomeação para a direção-geral da PF. Em uma foto no perfil de Carlos no Instagram, na virada de 2018 para 2019, Ramagem aparece com a esposa e outros amigos de Carlos, entre os quais o assessor parlamentar Léo Índio, primo dos três filhos mais velhos do ex-presidente.
Subordinado ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Ramagem foi elogiado pelo chefe por sua atuação à frente da Abin assim que foi nomeado para a direção-geral da PF. “Transmitiu a seus subordinados uma nova concepção de inteligência, ágil e focada na informação tática, capaz de competir com a rapidez da Internet, reduzindo o preciosismo em prol da velocidade”, escreveu Augusto Heleno no Twitter em março de 2020.
Como delegado, Ramagem participou da coordenação de grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas do Rio de 2016, e integrou a equipe da Operação Lava Jato. Em 2017, com a evolução dos trabalhos da Lava Jato no Rio de Janeiro, foi convidado a integrar a equipe de policiais responsáveis pela investigação e inteligência de polícia judiciária no âmbito da operação.
Passo a passo
Por indicação do então diretor-geral Maurício Valeixo, Ramagem assumiria no início do governo Bolsonaro a superintendência da PF no Ceará, mas acabou aceitando convite para ser auxiliar direto de Carlos Alberto Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo. Ele permaneceu no governo como assessor especial de Luiz Eduardo Ramos, sucessor de Santos Cruz no cargo. Em seguida, foi indicado para chefiar a Abin com apoio dos três filhos políticos do presidente, o deputado Eduardo, escrivão de carreira da PF, o vereador Carlos e o senador Flávio Bolsonaro.
Para chegar ao comando da Abin, Ramagem passou por uma sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado, ocasião em que admitiu que o Brasil se encontrava atrasado na prevenção contra ataques cibernéticos e defendeu a atuação do governo com relação à entrada da tecnologia 5G no país. A indicação foi aprovada por unanimidade pela comissão e recebeu apenas três votos contrários no Plenário.
Quando entrou para a PF, Ramagem começou a trabalhar em Roraima e atuou no combate ao tráfico de drogas e outros ilícitos. Em 2007, foi nomeado delegado regional de Combate ao Crime Organizado. Em 2011, foi transferido para a sede do DPF em Brasília/DF com a missão de criar e chefiar Unidade de Repressão a Crimes contra a Pessoa. Em 2013, assumiu a chefia da Divisão de Administração de Recursos Humanos. A partir de 2016, foi responsável pela Divisão de Estudos, Legislações e Pareceres da Polícia Federal.
Abin paralela
Além de Ramagem, outros sete policiais federais e três servidores da Abin são alvos da Operação Vigilância Aproximada, deflagrada hoje. Os policiais foram afastados das funções públicas, suspeitos de integrar o grupo que usava ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial. A operação é uma continuação das investigações da Operação Última Milha, deflagrada em outubro do ano passado.
“As provas obtidas a partir das diligências executadas pela Polícia Federal à época indicam que o grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações” , diz a PF em nota. Ramagem afirmou que, por enquanto, não vai comentar a operação.
O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, acusou a PF de usar Ramagem para perseguir Bolsonaro. “Está claro que mais essa operação da PF de hoje contra o deputado Alexandre Ramagem é uma perseguição por causa do Bolsonaro. Esse negócio de ficar entrando nos gabinetes é uma falta de autoridade do Congresso Nacional. Rodrigo Pacheco deveria reagir e tomar providências. Isso é pura perseguição e pode acabar elegendo o Ramagem com mais facilidade no Rio de Janeiro”, escreveu Valdemar nas redes sociais.
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