Uma comissão de juristas entregou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), uma sugestão de projeto de lei para atualizar todo o Código Civil brasileiro. A entrega foi feita nesta semana. Pacheco deve analisar o trabalho dos especialistas e propor a atualização como uma iniciativa da Presidência do Congresso.
Segundo líderes partidários do Senado, o trabalho será extenso e Pacheco considera criar uma comissão especial somente para tratar do tema. A dificuldade de análise se dá pela variedade de temas tratados no Código Civil, que vai desde qual é o conceito de família e casamento na sociedade brasileira até direitos de personalidade, de empresas, de posse e de sucessão.
As alterações na lei foram estudadas e estruturadas por uma Comissão de Juristas montada por Pacheco ainda em 2023. Por mais de seis meses, especialistas em direito, professores universitários e ministro do Superior Tribunal de Justiça analisaram quais temas precisavam ser atualizados no Código Civil.
Um dos pontos centrais na atualização da lei foi criar regras específicas para as relações digitais. Como o texto original foi discutido antes do século 21, questões digitais não estão presentes na lei atual. Assim, na proposta de juristas é criado um livro para tratar do “Direito Civil Digital”.
A base da lei proposta é que mesmo no ambiente digital, os direitos civis de cada pessoa continuam válidos. Entre eles, a privacidade, a proteção de dados pessoais e a “autodeterminação informativa”, com liberdades de informação, comunicação, expressão e opinião. Outro ponto central é a inclusão social por meio da igualdade e do acesso digital, além do respeito aos direitos humanos nas plataformas digitais.
Em um avanço na discussão sobre a responsabilidade das big techs, as plataformas digitais passariam a ser responsabilização administrativa e civil. A proposta dos juristas coloca como regra que “todos os provedores e usuários do ambiente digital” podem responder por danos causados a pessoas nas plataformas.
Além disso, as empresas devem realizar “avaliações de riscos sistêmicos” para mitigar e prevenir danos no ambiente digital, incluindo moderação de conteúdo. “As práticas de moderação de conteúdo devem respeitar a não discriminação e a igualdade de tratamento, a garantia da liberdade de expressão e a pluralidade de ideias, facilitando a prevenção e a mitigação de danos”, diz a proposta do novo Código Civil.
Os juristas propõe a necessidade de ao menos uma vez por ano as plataformas digitais “de grande alcance”, incluindo redes sociais, devem identificar riscos sistêmicos ligados a:
- efeitos nos processos eleitorais e de discurso público;
- efeitos em relação à saúde e segurança públicas;
- difusão de conteúdos ilícitos; e
- possíveis danos à personalidade dos usuários.
Caso sejam encontrados problemas, o novo Código Civil indica a possibilidade de mitigação com alteração nos sistemas de moderação de conteúdo e de algoritmo das plataformas, entre outros. Essas plataformas, segundo a proposta, poderão ser auditadas para avaliar se as disposições do direito civil digital brasileiro estão sendo cumpridas.
Ainda sobre a vida em ambiente digital, a proposta que será analisada pelo Senado indica regras para o uso de Inteligência Artificial (IA). Entre elas, a de que a tecnologia pode ser utilizada para criar imagens de pessoas reais, desde que com autorização prévia da pessoa ou de sua família. Outro ponto é que o uso de imagens de IA deve ser indicado de forma clara para o público.
As interações com tecnologia de IA também devem ter transparência, com a pessoa real que interage tendo acesso ao histórico das interações e às informações de como o mecanismo funciona e os critérios de decisões automatizadas em casos no qual a IA bloqueia qualquer direito de uma pessoa real. A regra também vale para quando a interação envolve interesses econômicos.
Outras novidades
As mudanças no Código Civil proposto pelos juristas são amplas e envolvem diferentes áreas da vida em dó sociedade. Abaixo, alguns pontos de atualização da lei brasileira:
- casamento de menores de 16 anos: o novo texto retira a possibilidade de casamento por causa de gravidez na adolescência;
- reconhecimento de filiação: caso o pai não reconheça a paternidade, mas se recuse a fazer o teste de DNA, o nome dele será colocado na certidão de nascimento da criança e só será retirado mediante prova de que não é o genitor. O caso também deverá ser encaminhado para o Ministério Público para a definição de pensão alimentícia.
- igualdade entre filhos: retira qualquer limitação de direitos de “filho havido fora do casamento”, como no código atual;
- socioafetividade e multiparentalidade: indica que mesmo se não houver ligação genética, a filiação pode permanecer se houver “vínculo de socioafetividade” entre a criança e a pessoa em questão, o que não limita os direitos dos pais genitores, ou seja, dos pais que têm ligação genética com a criança;
- barriga de aluguel: a chamada “cessão temporária de útero” fica permitida somente em casos em que a gestação não é possível por motivos naturais ou por recomendação médica, mas é proibido que a pessoa que está cedendo o útero cobre por isso e a cessão precisa ser registrada oficialmente. A criança resultante será registrada como filha das pessoas “autoras do projeto parental”.
- direitos dos animais: a proposta considera animais como “seres vivos sencientes”, ou seja, com capacidade para sentir e como tal devem ter proteção jurídica com uma lei própria.
Além das mudanças no Código Civil, os juristas também fizeram sugestões de alteração em outras leis com temas relacionados ao direito civil. Entre elas, a lei de transplante de órgãos. A proposta é que a doação de órgãos possa ser decidida e registrada em vida. A decisão só caberia à família caso a pessoa falecida não tivesse explicitado sua vontade em vida.
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