Em votação histórica, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quinta-feira (6) e na madrugada desta sexta-feira (7), em dois turnos, a reforma tributária. Na segunda rodada de votação, foram 375 votos a favor e 113 contra, além de três abstenções. No primeiro tuno, foram 382 votos favoráveis, 118 contrários e três abstenções. Eram necessários ao menos 308 votos para que o texto avançasse. Os deputados concluem, nesta sexta, a análise dos últimos destaques. Em seguida, o texto será enviado ao Senado. Houve muita comemoração por parte do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de parlamentares da base aliada e de apoiadores da proposta.
Essa etapa da reforma é focada no consumo. O governo e o Congresso defendem a reformulação como forma de simplificar, racionalizar e unificar a tributação, reduzindo assim a burocracia, e incentivar o crescimento econômico. Entre os principais objetivos da proposta, estão o fim da guerra fiscal, a desoneração das exportações, a segurança jurídica e a transparência. Pelo texto, o governo deve enviar uma proposta de reforma tributária sobre renda e patrimônio em até 180 dias após a promulgação da emenda constitucional.
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Emendas e derrota de Bolsonaro
Para destravar a votação, o governo fez a maior liberação de emendas parlamentares do ano, com uma soma total de R$ 7,5 bilhões em dois dias. O resultado demonstra força política do presidente da Câmara e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que lideraram, junto com o relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), negociações tensas com governadores, prefeitos e representantes do setor produtivo.
Também representa uma vitória do presidente Lula. A última vez em que houve a aprovação de uma reforma tributária foi em 1965, na ditadura militar. Jair Bolsonaro, por outro lado, saiu como grande derrotado. Ele tentou sem sucesso impedir a aprovação da proposta e viu 20 deputados do seu partido, o PL, contrariarem sua orientação ao votar a favor da reforma.
Perdeu também a queda de braço para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, seu ex-ministro e apontado como provável presidenciável do campo da direita em 2026, virar peça-chave nas negociações. Vaiado pela bancada do PL e interrompido pelo próprio ex-presidente durante uma tensa reunião nessa quinta-feira, Tarcísio manteve seu apoio à reforma até o final e conseguiu fazer alterações que pretendia no texto durante as articulações com o relator.
Bolsonaro ouviu ainda um recado duro do presidente da Câmara. Mesmo sem citar o nome de Bolsonaro, Arthur Lira deixou claro para o ex-presidente que ele não manda mais. “Não nos deixemos, também, levar pelo radicalismo político. O povo brasileiro já está cansado disso. As eleições já ocorreram, os vitoriosos estão no Poder – lembro a vocês que meu candidato perdeu a eleição presidencial”, discursou Lira momentos antes de anunciar o resultado do primeiro turno.
Negociações
Aguinaldo Ribeiro também saiu vencedor. Com habilidade e trânsito entre parlamentares à esquerda, ao centro e à direita, o deputado conseguiu conciliar diferentes interesses e anseios do setor produtivo, de governadores e prefeitos. Consolida-se como um forte nome para disputar a sucessão de Lira, embora os dois não integrem a mesma ala política dentro do PP.
Desde a Constituição de 1988, foram várias as vezes em que o Legislativo e o Executivo fracassaram ao tentar aprovar um novo modelo tributário. Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1995, e Lula (PT), em 2003, chegaram a enviar propostas ao Congresso, mas sem sucesso. O texto aprovado nesta quinta é baseado em duas PECs, a 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), e a 110/2019, do deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR).
Apenas uma bancada orientou voto contra a reforma: a do PL, que atribui a votação da proposta ao atual governo e alegou falta de debate sobre a proposta. Veja como foi a sessão:
Discussão
No início da noite, o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro, apresentou a última versão de seu relatório, em que acolheu as últimas demandas dos prefeitos e governadores, além de retirar o trecho que poderia resultar em uma alíquota reduzida para agrotóxicos. O autor da reforma, Baleia Rossi (MDB-SP), se pronunciou em seguida, relembrando os 50 anos de tentativa de aprovação da proposta e agradecendo aos envolvidos.
Encerrados os dois discursos, o PL apresentou um novo requerimento de obstrução, que foi logo defendido pela bancada do Novo. Marcel van Hattem (Novo-SP) se pronunciou pedindo o adiamento da votação, afirmando que se sente “desrespeitado como deputado federal” ao votar uma PEC cujo relatório final foi apresentado minutos antes do mérito. O líder do PL, Altineu Côrtes (PL-RJ), se juntou ao esforço. “É óbvio que todo mundo gostaria e quer uma reforma tributária. Mas sinceramente, a enorme maioria do PL se sente desconfortável com esse texto sendo mudado em cima da hora”, declarou.
O requerimento foi derrubado, e avançou para o mérito. Pelo tempo de liderança do União Brasil, o deputado Danilo Forte (CE) se pronunciou em defesa da proposta. “Nós podemos construir um consenso capaz de dar ao Brasil o conforto de ter uma legislação tributária que ajude o país a voltar a crescer, a se desenvolver, a gerar emprego, a dar segurança aos empresários e empreendedores para que possam investir e, com isso, ajudar a distribuir riqueza. Há muito tempo, desde 1988, que se brada que o Brasil precisa de uma reforma tributária. Em todos os lugares do Brasil, todos nós estamos cansados de sermos massacrados por termos uma das mais altas cargas tributárias do mundo. (…) Hoje o parlamento pode fazer essa votação e dar ao Brasil, a partir de amanhã, um novo momento”.
Newton Cardoso Jr (MDB-MG) fez coro à defesa da reforma. “Cada estado do Brasil tem uma legislação fiscal para o ICMS, com mais de 500 mil páginas se formos somar tudo isso. (…) Por esse motivo, e com o viés de unidade nacional, de trazer o Brasil como um só em uma perspectiva de crescimento econômico, esta casa se tornou o maior protagonista no crescimento da economia brasileira. (…) Isso vai acontecer graças a visão de todos e todas que se uniram no grupo de trabalho, a qual quero parabenizar, que ainda com pensamentos divergentes, com ideologias distintas, trouxe uma visão consolidada do que desejam para o Brasil. (…) Não tenho medo de dizer aqui que me posicionei internamente no MDB contrário à aprovação dessa matéria. (…) Mas é o diálogo e a força da democracia desta casa que permitiu e sempre permitirá a discussão de ideias e a mudança de posições. Subo nesta tribuna para ressaltar que todos os pedidos democráticos, republicanos e justos para a democracia brasileira foram acolhidos”, discursou.
Urgência do Brasil
Arthur Lira se somou aos demais, saindo da presidência e subindo à tribuna para discursar. “Estamos vivendo hoje um momento histórico para o país e para as nossas vidas parlamentares. O país olha para esse plenário esperando uma resposta nossa para a aprovação de uma reforma tributária justa, neutra e que dê segurança jurídica e desenvolvimento econômico e social. Não podemos e não devemos nos furtar desta responsabilidade. (…) A urgência de votar a reforma tributária é do Brasil. É dos brasileiros, que precisam de mais empregos e mais renda em meio aos impostos. (…) Não falem, por favor, em celeridade nesta casa. (…) Como falar de velocidade e rapidez ao falar de uma reforma tributária que é esperada pela população há mais de cinquenta anos? (…) O momento é histórico, e repito: não nos deixemos levar por críticas infundadas, de análises apressadas de quem nunca quis uma reforma tributária que mude a face do país. (…) Não há brasileiro feliz com o nosso atual sistema”.
Lira também criticou o radicalismo adotado pelo PL ao se opor à reforma. “Deixemos as urnas de lado. (…) Reforma tributária não é batalha político-partidária. Não é pauta de governo. Reforma tributária é política de Estado, é o futuro do nosso país. Reforma tributária é segurança jurídica”, argumentou. “A Câmara dos Deputados precisa, e vai cumprir o seu papel histórico. Sairemos daqui com a cabeça erguida. (…) Vamos escrever nossos nomes na história do Brasil e deste parlamento”, concluiu. Em seguida, abriu as orientações de bancada.
A única bancada a orientar contra foi a do PL, que reafirmou o entendimento de que não houve o devido debate para a reforma. Com três deputados, embora tenha criticado a reforma, o Novo liberou sua bancada.
Confira aqui como votou cada deputado no primeiro turno
O resultado do primeiro turno foi amplamente comemorado pelos deputados, que aplaudiram o resultado. Ao anunciar o início da votação dos destaques, a líder Adriana Ventura (Novo-SP) novamente se queixou do plenário não ter tido tempo para a leitura da emenda aglutinativa que concentrou os destaques apresentados. Arthur Lira debochou de sua postura, solicitando que os parlamentares fizessem suas orientações de bancada de maneira vagarosa: “Eu vou bem devagarzinho para que a deputada Adriana possa ter o conhecimento do texto”. A líder solicitou que o relator explicasse a emenda.
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