Principal órgão responsável pela coleta e análise de dados que fundamentam a tomada de decisões governamentais de controle do desmatamento e queimadas no país, o Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (Inpe) ganhou especial importância tanto na implementação das medidas que propiciaram a queda do desmatamento na Amazônia em 2023 quanto no enfrentamento da crise de incêndios florestais que perdura em 2024. Apesar da urgência para controlar o fogo em todo território brasileiro, o instituto não recebeu qualquer recurso direcionado pelo poder Legislativo nos últimos dois anos.
Vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, o Inpe abastece os dados que sustentam o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que gera relatórios anuais para a formulação de políticas estratégicas de gestão do bioma; e do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (DETER), utilizado principalmente para ações do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).
No Portal da Transparência, emendas parlamentares destinadas ao Inpe podem ser identificadas pelo código de ação orçamentária 20UI. Deputados e senadores ainda podem especificar o financiamento de ações para o monitoramento de cobertura da terra e do risco de queimadas e incêndios florestais pela ação 20V9. Nenhuma das duas recebeu qualquer emenda desde 2015. O último congressista a destinar recursos para o Inpe foi o ex-deputado Emanuel Fernandes (PSDB-SP), que foi membro da Missão Espacial Brasileira Completa e superintendente de planejamento do instituto.
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Monitoramento em risco
Os dados de desmatamento e queimadas são colhidos e analisados no Inpe dentro do Programa de Monitoramento BiomasBR, atualmente coordenado pelo tecnologista sênior Claudio de Almeida, doutor em geomática pela Universidade de Montpellier, na França. Ele alerta que, com a atual oferta de recursos, o instituto consegue monitorar plenamente apenas a Amazônia e o cerrado, sendo que o segundo bioma só é possível graças a uma parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos, com prazo para encerrar em 2026.
“Precisamos de recursos para ampliar e garantir o pleno funcionamento em todos os biomas, bem como continuar trabalhando em inovação e manter a qualidade do Programa BiomasBR. Mas, sobretudo, precisamos de equipe”, declarou o cientista. O programa conta apenas com quatro servidores em dedicação exclusiva, e outros seis parcialmente dedicados. Outros 60 membros são estudantes bolsistas, que precisam se dividir entre o monitoramento de dados e suas próprias pesquisas acadêmicas. O Inpe ainda ficou de fora da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina a recomposição de quadros dos principais órgãos ambientais.
Especialista internacional em governança e administração fundiária, o pesquisador Richard Torsiano considera fundamental que o poder público garanta a plena operação do Inpe para que o país possa enfrentar a crise climática. “É estratégico para o país e para o mundo hoje você ter a capacidade de monitoramento, capacidade de detecção e proteção do meio ambiente, detecção de queimadas, detecção de desmatamento. É você ter condições efetivas para que o Estado esteja devidamente aparelhado com tecnologia suficiente, com equipe suficiente, com capacidade operacional suficiente para trabalhar com previsibilidade em prevenção sobre, especialmente desastres naturais provenientes do campo climático”, explicou.
Cobrança ao Congresso
O cientista diz reconhecer que o Executivo vem cumprindo com o papel de reaparelhar o Inpe na atual gestão, mas que o compromisso deveria partir de todos os poderes. “O Congresso poderia, e deveria sob meu ponto de vista, contribuir muito mais com as capacidades que tem, com a disponibilidade orçamentária que tem, com a possibilidade que tem ali de centralização de recursos, destinar emendas para instrumentalizar e empoderar as ações do instituto”, indicou.
Torsiano relembra que o Inpe foi alvo direto de perseguição no governo de Jair Bolsonaro, que tentou interferir nas atividades do instituto após o órgão tornar público o aumento do desmatamento na Amazônia ao longo de sua gestão. A falta de iniciativa do Legislativo para valorizar o órgão, ao seu ver, representa “uma falta de compromisso do Congresso” com a agenda climática.
A atuação do instituto é estratégica. Como mostrou o Congresso em Foco, entre o início de janeiro de 2024 e o último dia 26, o Inpe identificou, em seu Banco de Dados de Queimadas (BDQueimadas), mais de 102 mil focos de incêndios acumulados na Amazônia. Esse número representa 115% do total para o bioma em todo o ano de 2019, marcado pela ação criminosa que ficou conhecida como “dia do fogo”.
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