Ameaçado de uma derrota no Congresso Nacional que, se ocorrer, promete ser uma das mais prejudiciais ao Palácio do Planalto na história da atual democracia brasileira, o presidente Lula (PT) decidiu nesta quarta-feira (31) gerenciar de próprio punho uma operação de última hora, na tentativa de salvar a Medida Provisória (MP 1154/2023) responsável pela organização dos ministérios e órgãos do Poder Executivo.
Lula, neste momento, está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que é quem define se a MP 1154 será ou não colocada em apreciação. Hoje é o último dia para que o Congresso vote a medida, sem que ela perca a validade. Caso isso ocorra, a derrota do governo seria histórica, uma vez que terá de lidar com a estrutura do antigo governo de Bolsonaro. O fato, contudo, não deve ser consumado. Mas a moeda de troca que o governo terá de colocar na mesa para aprovar a medida não será fácil.
É neste quesito que a negociação de Lula se fez necessária. Lideranças ouvidas pelo Congresso em Foco apontam que os articuladores do governo, em especial o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, não conseguiram convencer os líderes partidários de que os pagamentos políticos exigidos pela votação da medida serão cumpridos. Além da liberação de emendas parlamentares, a batalha é por mais espaço nos ministérios, sobretudo em cargos de segundo e terceiro escalão que ainda não foram completados.
Lira, segundo parlamentares, chegou a colocar em jogo a “cabeça’ do ministro dos Transportes, Renan Filho, em troca da votação da MP 1154. O ministro é filho do principal inimigo político de Lira, o senador Renan Calheiros. E o ministério dos Transporte detém alguns dos principais e mais cobiçados cargos de segundo e terceiro escalão espalhados pelos estados. Em ano que antecede eleições municipais, os tentáculos políticos fora de Brasília são fundamentais para as estruturas partidárias.
A votação da MP 1154 estava prevista para iniciar às 9h, mas está atrasada e não tem previsão de começar. Lula, que mudou a agenda de atividades nesta quarta-feira, deve se reunir pessoalmente com o presidente da Câmara no começo da tarde. Eles já conversaram por telefone, mas ainda não chegaram a um acordo que garanta a votação da medida. Aliados do governo não acreditam que haverá derrota, mas sabem que o pagamento pela garantia de votação da MP será elevado.
Entre as perdas do governo está o enfraquecimento dos poderes da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela, que é reconhecida internacionalmente pela pauta ambiental, é admoestada pela bancada ruralista, que nesta terça-feira (30) conseguiu aprovar o PL 490/2007, que estabelece o marco temporal de demarcação de terras indígenas. O texto prevê, além da manutenção somente das reservas delimitadas em 1988, a flexibilização das normas de acesso às terras em disputa, a restrição de mecanismos de demarcação e a transferência da competência para demarcação ao Legislativo.
Os ruralistas querem mais. Relatada pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), o parecer da MP 1154/2023 esvaziou pastas diretamente ligadas à ministra. Também prejudicado pela medida está o Ministério dos Povos Indígenas, de Sônia Guajajara. Neste quesito, o governo já abriu mão, e entregou de bandeja à bancada ruralista o enfraquecimento das duas ministras ligadas à pauta ambiental.
“Vamos defender o relatório do jeito que ele está, a defesa do governo é a aprovação do relatório. Não digo que é o relatório ideal para o governo porque o ideal é o texto original, mas não existe isso. Existe construção com a Câmara, com o Senado”, afirmou nesta terça-feira (30) o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Em seu relatório, o líder do MDB na Câmara tirou do Ministério dos Povos Indígenas a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas, transferindo a função para o Ministério da Justiça. O relator defendeu, durante manifestação em defesa do texto, que a mudança trará mais “isenção” ao sistema de demarcação de terras indígenas, o que é rebatido por Marina Silva.
Isnaldo Bulhões sugeriu, ainda, a transferência do Cadastro Ambiental Rural (CAR), do Ministério do Meio Ambiente, para o Ministério da Gestão. Já a Agência Nacional das Águas (ANA) passa a ser vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, deixando a órbita do Meio Ambiente. Marina Silva e sua colega, Sônia Guajajara, têm feito uma série de peregrinações tentando convencer, sem sucesso, os parlamentares a mudarem o texto da medida.
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