Responsável por uma das maiores derrotas do governo Lula (PT) em 2023, o marco temporal das terras indígenas ainda não tem um destino certo. Com a incapacidade do governo de barrar a tese que limita a 5 de outubro o reconhecimento para a demarcação de terras indígenas, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve se manifestar sobre a constitucionalidade do tema.
A derrota no governo foi significativa de duas formas: em números e na articulação política. O presidente Lula vetou um total de 47 trechos do marco temporal. Desses, somente seis foram mantidos e 41 foram derrubados, ou seja, o Congresso retomou o que dizia a lei antes do veto.
Considerando o número total de trechos de vetos da administração petista que foram derrubados (91), o marco temporal sozinho foi responsável por 45% das derrotas do governo neste tema, segundo levantamento do Congresso em Foco.
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Como metodologia, o Congresso em Foco considerou os vetos analisados até o fim do ano legislativo de 2023. Como cada veto pode contar com um número diferente de trechos vetados, foi contabilizado cada trecho e a decisão do Congresso Nacional sobre cada um deles.
O veto ao marco temporal, em 23 de outubro de 2023, foi acompanhado de uma reação imediata da bancada mais poderosa do Congresso, a do agro. A Frente Parlamentar da Agropecuário (FPA) articulou diretamente pela derrubada dos vetos de Lula. O governo sabia que a derrota era provável.
A FPA tem 50 senadores e 324 deputados. O grupo pressionou para que o tema fosse colocado em votação no Congresso – o poder de barganha do governo era exatamente conseguir travar que o texto fosse colocado em pauta. Mas, no fim, a FPA conseguiu um acordo, preservando vetos relacionados à economia e derrubando o veto ao marco temporal.
A derrota do governo foi por ampla margem. No Senado, o placar foi de 19 votos para manter o veto de Lula e 53 para derrubar. Entre deputados, foram 121 votos para manter e 327 para derrubar o veto e uma abstenção.
Antes mesmo do veto, o Congresso já havia indicado que o governo sairia derrotado no tema. Apesar do julgamento do STF ter indicado a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, os parlamentares insistiram em votar e aprovar o texto. O governo tentou articular uma resistência, mas foi derrotado inclusive com a anuência de alguns congressistas mais próximos ao Planalto, como o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Desde o início, a questão foi colocada no Congresso como um embate ideológico e de prerrogativas com outros Poderes, principalmente o Judiciário. O julgamento do caso pelo STF incomodou congressistas ligados ao agronegócio. Assim, o texto ganhou impulso e teve apoio da maior parte dos parlamentares.
O sentimento de invasão de prerrogativas, com governo e STF tomando decisões que, para políticos, seria do Congresso, foi algo que impulsionou algumas derrotas de Lula em relação a vetos, segundo parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco. Parte dos parlamentares, além disso, via o marco temporal como uma pauta ideológica ligada aos indígenas.
Também de acordo com congressistas, o cenário atual conta com um grupo de parlamentares que irá ser contra qualquer medida do governo Lula que possa ser encaixada em defesas ideológicas. Esse grupo, que seria mais próximo do bolsonarismo, também colaborou para a derrota do marco temporal, que teve 87% dos trechos vetados derrubados.
Veja abaixo duas opiniões opostas sobre o marco temporal das terras indígenas. Abaixo, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Abelardo Lupion (União-PR) comemora a derrubada dos vetos, o que, segundo ele, dará segurança jurídica ao produtor rural.
Derrubamos os vetos do Lula ao Marco Temporal de Terras indígenas.
Foram 321 votos na Câmara e 53 no Senado. Mais que o necessário para se aprovar uma Emenda à Constituição.
Vitória do #agro. Vitória dos produtores rurais do
Brasil pic.twitter.com/asSdrKCaNG— Pedro Lupion (@pedro_lupion) December 14, 2023
Abaixo, os três episódios do documentário Donos da Terra, projeto financiado pelo Fundo de Apoio a Cultura do Distrito Federal, com produção da COMOVA e do Coletivo Crescente e parceria com a Mídia Indígena. A produção, que tem posição crítica ao marco temporal, teve o apoio do Congresso em Foco. O documentário foi gravado antes de o Supremo considerar a tese inconstitucional. Foi depois do julgamento do STF que o Congresso, liderado pela bancada ruralista, aprovou o projeto de lei reinstituindo o marco temporal, que veio a ser derrubado pelo presidente Lula.
DONOS DA TERRA
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