Emperrada na Câmara dos Deputados desde 2021 por pressão do governo Bolsonaro, a implementação do mercado de carbono regulado retornou ao centro dos debates após a aprovação de um projeto equivalente no Senado, que agora terá de ser revisado. O relatório tramita pelas mãos do deputado Aliel Machado (PV-PR), aliado direto do presidente Lula, que quer o projeto aprovado a tempo da COP28, prevista para começar dia 30 nos Emirados Árabes Unidos.
A agenda ambiental é um tema de destaque nos discursos do presidente Lula, que busca retomar o protagonismo brasileiro na pauta quando abordada no cenário internacional. Para isso, o governo terá de chegar à COP28 não apenas apresentando resultados na melhora dos indicadores ambientais, como também oportunidades para investimentos no setor.
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O atual modelo de mercado de carbono no Brasil é o modelo voluntário, criticado por entidades de defesa do meio ambiente pela falta de critérios para adoção. Empresas definem o preço de suas próprias emissões, e aplicam o valor que desejar em iniciativas de recuperação ambiental. Além disso, não faltam escândalos de fraude por parte de emissores de créditos que não aplicam o valor recebido.
O sistema regulado, também chamado de cap and trade, deverá funcionar de forma paralela. Ele prevê um preço fixo que empresas deverão pagar para cada litro emitido de gases de efeito estufa para além de uma meta estabelecida por regulação. O valor pago por essas emissões é utilizado para a compra dos créditos de carbono, produzidos por iniciativas e empresas que conseguem conter essas emissões.
Áreas florestais acabam assumindo a vanguarda nessa produção de créditos, mas também podem participar as indústrias que consigam desenvolver soluções para conter suas emissões de carbono.
Para trazer esse modelo ao Brasil, o relator precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses de setores que esperam um modelo mais rigoroso, como organizações de defesa do meio ambiente, e setores que buscam estar livres da precificação de emissões, como o próprio agronegócio. Restam também pendências como quem ficará responsável pela governança do mercado de carbono, e como será feita a compra e venda de créditos.
Aliel Machado também enfrenta o desafio de garantir um sistema livre de fraudes. Apesar de mais bem sucedido do que o sistema voluntário, o cap and trade não é invulnerável. Em estados do interior dos Estados Unidos, por exemplo, companhias como a Tesla conseguem faturar ao instalar fábricas propositalmente subprodutivas, vendendo créditos que não correspondem a uma diminuição real de emissões, mas sim a uma inatividade deliberada.
Confira a entrevista com o relator:
Congresso em Foco – o mercado de carbono regulado é um tema que tramita na Câmara desde a legislatura anterior. Como estão as expectativas de prazo para o novo relatório?
Aliel Machado – Com a aprovação do texto no Senado, nós temos uma nova diretriz. Estamos agora com a expectativa de uma aprovação ainda esse ano por dois motivos.
O primeiro motivo é o recado que o Brasil pode deixar na COP28. O mundo espera do Brasil algumas diretrizes na linha de atuação ambiental, o que envolve vários temas, como o combustível do futuro, mercado de carbono e produção de bioinsumos.
O segundo é o princípio da anualidade na questão tributária. O governo tem pressa em aprovar o projeto porque um mercado de carbono regulado esse ano poderia entrar em rigor já no ano que vem, inclusive nas questões tributárias envolvidas, pois se trata de uma nova alíquota.
Tenho conversado bastante com o governo porque, apesar da aprovação no Senado, existem ainda pontos sensíveis que os líderes estão trazendo. Estou nesse momento coletando dados, informações e opiniões, tanto das bancadas quanto de instituições diversas, para que a gente tenha a possibilidade de apresentar um relatório com robustez, com força para atingir o objetivo de reduzir a emissão de gases e criar oportunidade econômica, mas também tenha condições de ser aprovado.
Ao longo dos últimos anos, o que impediu o texto de ser aprovado foi justamente a falta de consenso. Não adianta construir algo que não tenha votos para ser aprovado, e é justamente o que eu venho tentando construir.
Quais são os principais pontos que precisam ser resolvidos para que o projeto possa ir ao plenário?
O grande debate está na questão da governança. A discussão se concentra ali, porque as regras de direcionamento para uma estrutura geral dependem muito de qual será o órgão gestor, já que é uma coisa nova. Terá de ser criado um órgão novo específico para isso. Por outro lado, é consenso que ele seguirá o sistema de cap and trade, que já é parâmetro no mundo inteiro.
Existem algumas opções na mesa sobre a qual pasta esse órgão ficará vinculado. Eu destacaria principalmente os ministérios do Meio Ambiente e da Fazenda. Mas existem outras possibilidades, como a Casa Civil, o Ministério da Ciência e Tecnologia ou mesmo o Ministério da Indústria e Comércio. O próprio vice-presidente Geraldo Alckmin vem se interessando muito no tema e participando bastante das discussões.
Também estão no radar o Ministério da Agricultura, que é outro setor importante, e mesmo o Ministério do Planejamento. Esse tema envolve muitas áreas do governo, todas bastante interessadas no projeto.
Também precisamos debater em que ambiente se dará essa compra e venda de créditos de carbono. É outro tema que não batemos o martelo, e existem propostas, como por exemplo de certificações na Comissão de Valores Mobiliários ou de ativos na Bolsa de Valores. Isso um tema que está sendo estudado em busca de uma solução que melhor se adeque à estrutura que a gente pretende adotar no texto.
Diversas entidades da sociedade civil cobram a inclusão do setor agropecuário no mercado de carbono. Como será tratada essa questão?
É uma questão complicada, e que ainda está em discussão. No relatório do Senado, por exemplo, o agronegócio foi excluído, pois no mundo inteiro não se coloca o setor no mercado de carbono porque estamos falando de produção de alimentos. Por outro lado, o quantitativo e a forma com que as emissões de gases no Brasil acontecem é diferente do que acontece na maior parte do mundo.
No Brasil, a nossa matriz industrial é mais limpa se comparada à de outros países do nosso porte econômico. Mas eu vejo que os diversos setores do nosso mercado vão ter que dividir a conta, até porque o agro também pode ganhar muito dinheiro com isso.
Existe o agronegócio que desmata, mas também existe o agronegócio que protege. A gente não pode fazer da exceção a regra. A maioria dos nossos produtores no Brasil respeita a legislação, mantendo áreas de proteção permanente estabelecidas pelo Código Florestal sem ganhar nada a mais por isso, e estão protegendo essas áreas.
O grande debate não é sobre o agronegócio, mas sobre o desmatamento. Isso já tem previsão de crime, e precisamos combater o que é errado sem pensar em criminalizar o agro. Isso depende de um bom debate, porque há setores que entendem do mercado de carbono e que acham ruim o agro estar fora porque o agro perde com isso, e outro que tem medo de cair uma sobrecarga sobre o agro, o que pode impactar inclusive a inflação e o preço do alimento.
Qual será o tratamento dado ao mercado de carbono voluntário?
Houve uma divisão na Câmara com a chegada do projeto do Senado. Há um projeto que trata da economia verde, sob relatoria de Sergio Souza (MDB-PR) , e estamos discutindo isso juntos, já que os temas se entrelaçam, com o intuito de chegar a um consenso.
Eu entendo que, justamente por ser um mercado voluntário, quanto menos regras você colocar, quanto menos burocracia, melhor. Ele já é voluntário, compra quem quer, vende quem quer e ele não serve para os parâmetros de cumprimento de meta de diminuição de emissão. Portanto, ele só trata de uma boa intenção de quem quer fazer essa negociação.
O mercado regulado é o lado que impõe os limites. É o que coloca regra sobre a diminuição de emissão. Portanto, a compra de créditos dentro do mercado regulado diz respeito a compensações, ao número de ações que podemos fazer. Mas no mercado voluntário, vejo que quanto menos o setor público criar regras que criem complicações, melhor.
O que pode ser feito para evitar fraudes no sistema regulado?
Existe no projeto um objetivo muito claro: queremos credibilidade nas ações e dos créditos que o Brasil tiver disponíveis, segurança jurídica e previsibilidade. Estudamos soluções que atendam a esses três pilares. O texto impede, por exemplo, mudanças na regulação do mercado de carbono a partir de decretos.
Na previsibilidade, queremos principalmente que projetos de reflorestamento, de ações voltadas para daqui a seis, sete, dez anos, ações que envolvem a colocação como um mercado em si, dependem de regras claras, que não mudem ao bel-prazer.
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