Um dia após dominar o noticiário com a revelação de que foi convidado a participar de uma trama golpista para anular as eleições presidenciais, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) admitiu nesta sexta-feira (3) que forneceu informações falsas para confundir a imprensa e que mentiu ao anunciar que renunciaria ao mandato e se retiraria da vida política. Em uma live de 25 minutos em seu próprio perfil no Instagram, Do Val afirmou que tem material para fazer com que “certa pessoa, com totais poderes” recue. Ele contou que seu alvo não é o ex-presidente Jair Bolsonaro, implicado por ele em entrevistas concedidas entre quarta e quinta-feira, mas o presidente Lula.
“Queria ter vocês me dando essa força. Não vou recuar. Daqui pra frente vai ser uma batalha cada vez maior, meu objetivo é tornar claro o crime de prevaricação dos ministros e do atual presidente da República”, declarou, acrescentando que vai insistir pela instalação de uma CPI para investigar os atos golpistas de 8 de janeiro. Embora não tenha citado o nome dos ministros nessa fala, ele havia se referido a dois ao longo de sua fala: Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública.
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Dirigindo-se aos seus apoiadores bolsonaristas, o senador pediu “blindagem” e “confiança”. Ele contou que não repassou à Polícia Federal as mensagens que trocou com a família Bolsonaro e declarou que suas ações estão sendo “comunicadas” ao ex-presidente. Ele chamou o deputado Eduardo e o senador Flávio Bolsonaro de “parceiraços” e contou que ambos reiteraram ontem a ele o convite para se filiar ao PL. “Não tem movimento nenhum de tentar descredibilizar o presidente, não tem absolutamente nada nesse sentido. Porque o próprio Flavio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, o (ex-)presidente (Jair Bolsonaro), os ministros, eu quero aqui agradecer o apoio de todos, do Flavio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, dos ex-ministros que estão dando nos bastidores”, afirmou, descrevendo a “força” dada pela família a ele como “sensacional”.
Em uma live com integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) na madrugada de quinta-feira, Marcos do Val antecipou que havia dado entrevista à revista Veja em que revelava que havia sido “coagido” por Bolsonaro e pelo ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a participar de uma manobra golpista. Os dois queriam que ele gravasse Moraes e o induzisse a reconhecer que ultrapassou os limites constitucionais. Com isso, afirmou, Moraes poderia ser preso e as eleições anuladas. Do Val disse que não só recusou a proposta como a levou ao conhecimento do ministro do STF.
As declarações foram dadas depois de ele ter sido alvo de uma campanha de bolsonaristas, que o chamaram de “traidor”, alegando que ele votara em Rodrigo Pacheco (PSD-MG), candidato de Lula, e não em Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro de Bolsonaro, para presidente do Senado – o que ele nega veementemente.
Ao longo do dia, o senador concedeu várias entrevistas e deu versões diferentes para o episódio. Jogou toda a responsabilidade pelo plano nas costas de Daniel Silveira, preso ontem pela Polícia Federal. Em algumas entrevistas, disse que Bolsonaro ficou calado diante da proposta feita por Silveira a ele. Já em outras contou que o ex-presidente aguardaria sua resposta. A avaliação de vários juristas é que todas as versões implicam Bolsonarno: seja por ter participado ativamente como mentor da trama golpista, seja por ter se omitido diante de um crime. O senador também entrou em contradição sobre o local e a data da reunião.
PublicidadeDo Val chamou os veículos que deram espaço às suas versões de “imprensa marrom” e “totalmente parciais”. Ele contou que deu informações diferentes em cada entrevista de maneira proposital para “ludibriar o inimigo”. “Quem trabalha no setor de inteligência sabe que a gente não faz um histórico de começo, meio e fim. Soltamos informações para cada emissora de uma forma diferente exatamente para ludibriar o inimigo. Quem é do setor de inteligência sabe o que estou falando. É importante dizer pra vocês que estou agora no olho do furacão”, afirmou o senador, que fez carreira internacional como instrutor de polícia. “Estou deixando todo mundo tonto. Solto uma informação para um, solto uma informação para outro, solto outra para outro. É importante vocês entenderem isso. Confiem em mim”, acrescentou.
De acordo com ele, todas as suas ações são “estratégicas” e calculadas e estão sendo compartilhadas com o ex-presidente da República. “Tem repórter dizendo que o senador está se contradizendo, está não sei o quê, está tendo desequilíbrio emocional. Tudo isso é proposital. Tem várias técnicas utilizadas”, disse. “Bolsonaro está sendo comunicado, gentilmente disponibilizou o ministro da Comunicação dele, Flavio Bolsonaro parceiraço, Eduardo Bolsonaro parceiraço, então fiquem tranquilos que estamos trabalhando de forma estratégica”, disse o parlamentar capixaba.
O senador disse que jamais cogitou de renunciar ao mandato, ao contrário do que havia dito na madrugada de quinta, e que usou a declaração de que estava deixando a política como “jogada” para atrair a atenção da imprensa. “Ontem vocês ouviram eu dizendo que eu ia renunciar. A imprensa veio sedenta por essa questão de que eu ia renunciar ao mandato. Não vai acontecer. Isso foi uma jogada pra eu poder conseguir fazer a imprensa vir a peso para que eu pudesse dar início à nossa estratégia”, explicou.
Marcos do Val contou que executará nesta sexta-feira uma nova etapa de sua estratégia, mais uma vez se utilizando da imprensa. “Hoje vou dar uma exclusiva para uma única repórter em quem confio. Ela vai transmitir para vocês. Vai ser o start desta segunda fase deste trabalho que estou fazendo. Fiquem atentos, não façam pré-julgamentos”, disse. “O que vai acontecer, está planejado para acontecer, não vou dizer agora. Mas vocês vão ter uma surpresa e vai ser realizado o desejo de todos os brasileiros. Pode ser que mais tarde eu entre ao vivo pra dizer o que é. Mas eu garanto para vocês que o desejo que vocês tinham, sempre me solicitavam, que não estavam aguentando mais o movimento de certa pessoa, com totais poderes, vamos conseguir fazer com que ela recue.”
Do Val foi chamado a prestar depoimento ontem pela Polícia Federal sobre a trama golpista. Segundo ele, a oitiva foi uma “reunião de amigos”. “Ontem no depoimento, dado como testemunha, e sorte por meu passado de treinar policiais, eu encontrei muitos amigos e não foi nem um depoimento como testemunha normal, foi uma reunião de amigos onde conseguimos colocar tudo passo a passo, mostrei toda a conversa minha, do ministro (Alexandre de Moraes) e do Daniel (Silveira)”, disse. Ele afirmou que não permitiu que os policiais visualizassem as mensagens que trocou com o clã Bolsonaro. “Não mostrei nenhuma conversa minha com o (ex-)presidente, não mostrei nenhuma conversa minha com Flávio Bolsonaro, não mostrei e não permiti ninguém visualizar minha conversa com Eduardo Bolsonaro”, ressaltou.
Na manhã desta sexta-feira o ministro Alexandre de Moraes confirmou que Do Val o procurou para contar sobre a ideia de grampeá-lo. “O que ele disse foi que o deputado Daniel Silveira o teria procurado e que teria participado de uma reunião com o então presidente da República e a ideia genial que tiveram foi colocar uma escuta para que o senador me gravasse e, a partir dessa gravação, pudessem solicitar a minha retirada da presidência dos inquéritos”, relatou Moraes durante videoconferência na Brazil Conference, do Lide, movimento empresarial liderado pelo ex-governador paulista João Doria.
Moraes disse que perguntou a Do Val se ele prestaria um depoimento sobre o assunto, mas o senador respondeu que não estava disposto a fazê-lo por uma questão de “inteligência”. “É essa exatamente a operação tabajara que mostra o ridículo a que chegamos na tentativa de um golpe de Estado no Brasil”, afirmou o ministro, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral e foi alvo de diversos ataques de Bolsonaro. “Levantei, agradeci”, relatou o ministro.
Ele negou, no entanto, a versão de Do Val de que os dois teriam conversado antes do encontro do senador com Bolsonaro e Daniel Silveira. O ministro contou que esteve apenas três vezes na vida com o parlamentar e que a única conversa que tiveram sobre o episódio se deu no Salão Branco do STF. O capixaba afirmou que havia sido escolhido por Silveira e Bolsonaro para gravar o magistrado porque os dois mantinham amizade de anos.
Confira a fala do senador:
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