Considerado o “pai do cinema brasileiro”, o mineiro Humberto Mauro dirigiu em 1928 um filme que tem um título belíssimo pelo seu significado: “Brasa dormida”. Aparentemente apagada, só de maneira enganosa transformada em carvão inocente, a brasa dormida somente espera que alguém mexa com ela, que alguém a atice. Pronta, assim, para virar novamente incêndio basta apenas que alguém a provoque.
No momento em que o planeta e o Brasil se inquietam com a Ômicron, a nova variante do coronavírus, a CPI da Covid permanece ali no Senado como brasa dormida. E a cúpula de senadores que a compuseram trabalha com afinco para manter essa brasa acesa e pronta para virar incêndio novamente.
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Ações nesse sentido são diariamente discutidas e planejadas por essa cúpula, formada por nomes como Omar Aziz (PSD-AM), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL), respectivamente presidente, vice e relator da CPI, assessores e outros senadores que se destacaram, como Simone Tebet (MDB-MS), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Eles conversam o tempo todo por um grupo de Whatsapp que ganhou o mesmo nome da seção oficial criada no Senado após a CPI, “Observatório da Pandemia”.
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Ações maiores e menores são coordenadas para manter acesa a “brasa dormida”. Na quarta-feira (2), o grupo entregou as conclusões da CPI da Covid ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso. A intenção dos senadores é formalmente entregar em mãos esse trabalho a cada um dos ministros do Supremo, fazendo isso de forma escalonada. É uma forma de manter entre eles a chama acesa. Serão esses ministros que julgarão as ações que serão abertas com base nas investigações.
É uma forma também de manter a pressão sobre a Procuradoria-Geral da República, cujo chefe, Augusto Aras, não demonstra qualquer entusiasmo para fazer as coisas andarem. Para a cúpula da CPI, sua decisão de abrir os inquéritos e enviá-los ao STF por enquanto nada mais é que o mero cumprimento da sua função. Os inquéritos foram enviados sob sigilo. Não se sabem os seus conteúdos, se os procuradores reforçam ou não as conclusões da CPI nas investigações. Abrir os inquéritos era obrigação de Aras, uma vez que as conclusões da CPI foram enviadas como notícia-crime. Se alguém informa que tem conhecimento de um crime, isso precisa ser transformado em inquérito para que efetivamente se apure, ou a inação vira prevaricação.
Outros caminhos abertos vão tendo seus desdobramentos. O inquérito sobre a Prevent Senior, por exemplo, corre em São Paulo, e já obrigou a rede de hospitais e planos de saúde a fazer um acordo no qual admite que não tinha qualquer base para sustentar a eficácia de medicamentos como a cloroquina no tratamento da covid-19. Correm ainda no Rio as ações contra hospitais e em Manaus as que apuram o que houve no trágico episódio das mortes de pacientes por falta de oxigênio e no laboratório de tratamentos ineficazes que foi ali montado.
A cúpula da CPI prepara para janeiro algo que pode dar uma boa mexida nessa brasa dormida, justamente em um mês mais parado, já que o Congresso Nacional estará em recesso. Correspondências estão sendo trocadas com o Tribunal Penal Internacional, a Corte Internacional de Direitos Humanos, para que, possivelmente no dia 24 de janeiro, os senadores embarquem para Haia, na Holanda, para entregar pessoalmente o relatório e documentos da CPI da Covid para a abertura de um processo de crime contra a humanidade.
Ratificado por 123 países, inclusive o Brasil, o tribunal funciona com base no Estatuto de Roma. Ele tipifica, entre outros, os crimes de genocídio e contra a humanidade. Para a cúpula da CPI, o que houve no Brasil encaixa-se melhor na tipificação do crime contra a humanidade: em meio a uma pandemia, ou seja, de algo de dimensão planetária, as ações e omissões do governo tiveram impacto contra as populações. Se efetivamente isso prosperará no tribunal, ou quando vai efetivamente ter consequência, os senadores não sabem. Mas sabem que a entrega do relatório em Haia certamente gerará repercussão em um mês no qual a brasa ficaria dormida.
Mas, para além de tudo, a cúpula da CPI avalia que alguns efeitos continuarão sendo sentidos. A CPI possui uma tabela comparativa entre o percentual de vacinação da população brasileira e os seus trabalhos. No dia 27 de abril, quando ela foi instalada, somente 6,6% dos brasileiros estavam vacinados. No dia 26 de outubro, último dia dos trabalhos da comissão, eram 52,06%. Os senadores não têm dúvida de que a investigação contribuiu para que o governo acelerasse esse processo.
Para a cúpula da CPI da Covid, a eleição de 2022 ficará marcada por dois temas: a pandemia e a economia. E ambos impactam o presidente Jair Bolsonaro. Que terá de se expor. Não terá como ficar na posição mais neutra quanto aos debates que ficou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, na sua reeleição. Porque ele está em desvantagem na corrida. E, quanto à pandemia, não haverá nenhum outro candidato com o qual ele terá que comparar desempenhos sobre a pandemia. Talvez somente o governador de São Paulo, João Doria. Mas Doria é o dono da Coronavac.
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