A formação da maioria contrária no Supremo Tribunal Federal (STF) à adoção do marco temporal para delimitação de terras indígenas acionou alerta entre os parlamentares da bancada ruralista. Com a discussão do tema sem avanço significativo no Senado, os membros da Frente Parlamentar da Agropecuária agendaram duas reuniões para discutir estratégias para pressionar pela aprovação de projetos que dêem força de lei ao critério por eles defendido para a demarcação de reservas.
O marco temporal é a tese jurídica que defende a adoção da data de 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a constituição, como critério para delimitação de terras indígenas. Com isso, seriam válidas somente as demarcações relativas a áreas ocupadas por povos originários neste dia, invalidando reservas posteriores. Na última quinta-feira (21), o STF formou maioria contra a tese em um julgamento de repercussão geral, descartando a sua possibilidade de adoção.
Para os movimentos de defesa dos povos indígenas, o resultado do julgamento significou um momento de alívio. Se adotado, o marco temporal poderia representar a perda de 63% das atuais reservas indígenas. Entre os ruralistas, a resposta já foi de repúdio: os parlamentares da bancada enxergam, na ausência do marco temporal, um risco constante de perda de propriedades em decorrência de novas demarcações.
Diante da derrota no Supremo, a bancada ruralista agendou uma reunião virtual com seus quadros na Câmara e Senado para a tarde desta segunda-feira (25) e outra para o almoço de terça para discutir os próximos passos para tentar implementar o marco temporal. Seu segundo vice-presidente, Evair de Mello (PP-ES), conta que a obstrução da pauta na Câmara e Senado está entre as possibilidades.
“Vamos precisar tomar algumas atitudes do ponto de vista regimental. (…) Podemos obstruir as pautas do governo, podemos apresentar um texto novo e levar para o plenário. No ponto de vista do parlamento, tudo é possível”, declarou.
No primeiro semestre, a Câmara aprovou o PL 490/2007, que transforma o marco temporal em lei. A tramitação acelerada na Casa, porém, se reverteu em obstrução no Senado. “Se o Senado não fizer nada, a Câmara vai reagir de alguma forma. O STF passou de todos os limites. (…) Nós tentamos o diálogo, tentamos bom senso, tentamos reunir com quase todos os ministros. A Frente e o parlamento usou o que era esperado de nós, e eles, com os ouvidos tapados, tomaram a decisão à revelia no juízo deles. Agora, temos um monte de ideias para o plano que começará a ser construído hoje”, afirmou Evair.
A bancada ruralista planeja cobrar diretamente dos presidentes Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para que avancem em projetos que implementem o marco temporal. “O Pacheco tem muita responsabilidade nesse não-posicionamento”, criticou o deputado.
A questão do marco temporal não é a única preocupação da bancada ruralista na Justiça. A frente parlamentar é coordenada em sua maior parte pela ala conservadora da Câmara e do Senado, contrária a outras discussões pautadas para acontecer no plenário da Corte neste ano. “Não é só o marco temporal e terra indígena. O STF entrou com aborto, entrou com banheiro [para pessoas trans], diversas outras coisas que ferem de morte os nossos princípios. São temas que extrapolam a frente, mas são valores importantes para nós”, explicou.
A Frente Parlamentar da Agropecuária é uma das maiores e mais bem articuladas da Câmara, contando com um total de 324 deputados e 50 senadores. Nas duas casas, a bancada conta com o número necessário de parlamentares tanto para obstruir completamente a votação de projetos em plenário quanto para aprovar PECs.
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