Oposição e movimentos sociais tentam fazer frente à tramitação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que regulariza ocupações em terras da União (PL 2633/20). Um requerimento de urgência para apreciação da matéria está na iminência de ser votado pelo plenário. Esse requerimento chegou a ir para pauta na terça (6), mas foi derrubado e retorna nesta quarta (7). Apelidado de “PL da Grilagem”, o texto é defendido pela bancada ruralista, pois, dentre outros pontos, legaliza ocupações fora das normas, beneficiando diretamente os grileiros.
Concomitantemente a ele, tramita no Senado uma outra proposta, o projeto de lei 510/21 que versa exatamente sobre a mesma questão. O projeto da Câmara, porém, está mais adiantado e seus apoiadores trabalham para que ele seja aprovado antes do recesso parlamentar, algo que é possível ocorrer. Além do vice-presidente da Casa, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), um dos autores do requerimento de urgência, o projeto também tem apoio do próprio presidente da Casa,deputado Arthur Lira (PP-AL).
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A proposta da Câmara é de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) e modifica uma série de legislações sobre os registros fundiários. A principal delas, talvez seja a Lei 11.952/09 que trata de ocupações na Amazônia Legal, região que sob o governo do presidente Bolsonaro tem registrado, consecutivamente, índices recordes de desmatamento. O projeto também mexe a lei de licitações de terras e o programa Terra Legal, que regularizam as terras públicas federais não destinadas à Amazônia Legal. O relator do texto é o deputado Bosco Saraiva (Solidariedade – AM).
As brechas para a grilagem
Um dos pontos adversos, também presente no texto do Senado, é a possibilidade do ocupante da terra emitir uma espécie de autodeclaração de que atende aos padrões exigidos pela lei para adquirir o direito à regularização. De acordo com a advogada e pesquisadora em políticas fundiárias da PUCRio, Maira Moreira, isso flexibiliza a legislação principalmente em áreas indígenas, quilombolas e originariamente de pequenos produtores. “Grandes proprietários e pessoas influentes têm mais chances de fraudar ou conquistar documentações do que indígenas e quilombolas, por exemplo. Quem ocupa a terra de fato fica cada vez mais vulnerável”, comentou.
Outro ponto observado é a brecha aberta a partir de uma vistoria dessas terras por meio de sensoriamento remoto. Isso quer dizer que deixa de existir, obrigatoriamente, uma equipe técnica visitando o local para certificar quem são os ocupantes ou se há algum conflito por disputa de território. Como consequência, aumenta-se o risco de haver um favorecimento da grilagem, na medida em que se facilita o loteamento e o registro de terra pública sem autorização do órgão competente.
Maira Moreira aponta que o PL também facilita a transferência de terras públicas para propriedades privadas sem levar em conta a Lei da Reforma Agrária. “Para que ocorresse essa transferência seria obrigatoriamente necessário que se fizesse todos os trâmites necessários à reforma agrária, mas isso sequer é mencionado”, disse.
Um último ponto destacado pela advogada é a flexibilização de crimes ambientais. Em um dos trechos, o projeto diz que “consideram-se atendidas às exigências ambientais quando o titulado houver aderido ao Programa de Regularização Ambiental – PRA”.
Maira Moreira explica que, atualmente, a mera adesão ao PRA não faz com que o ocupante da terra esteja quite com as exigências ambientais, sendo necessária uma vistoria aprofundada e em conjunto com órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e o Ministério do Meio Ambiente. Tirar essa necessidade de vistoria, avalia a advogada, é o mesmo que esvaziar os órgãos e enfraquecer a fiscalização.
“Todos esses órgãos estão sendo desmontados. Eles perderam a sua autonomia na gerência e na fiscalização de crimes ambientais”, afirmou.
Um exemplo dessa observação feita pela especialista está na exoneração, em 2019, do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, após a divulgação de dados confirmando um aumento significativo do desmatamento da Amazônia durante os primeiros meses do governo Bolsonaro.
Reação da oposição
Representante indígena, a deputada Joenia Wapichana (Rede – RR), reclamou de o PL 2633/20 vir à pauta durante uma pandemia que impede um maior debate sobre a matéria. Para ela, “estão passando como boiada” quando não há possibilidade de uma ampla discussão no plenário e com a população. “A pandemia ainda não acabou. Há limitação de participação dos congressistas e, também, da população mais interessada, como os povos indígenas. A terra e o meio ambiente são bens públicos e bens comuns a todos. Essa regularização é falha e favorece os conflitos e violências” apontou.
Ela confirmou que a oposição trabalha para obstruir a matéria, mas reconheceu que os governistas estão em maioria. “Vamos requerer a retirada de pauta, tentar obstruir como pudermos”.
Nas redes sociais, grupos de ambientalistas e parlamentares da oposição tem feito uma manifestação contra a matéria. As hashtags #PLdaGrilagemnão e PL2633Não estavam entre os mais comentados no Twitter, da última terça-feira (6).
A líder do PSOL na Câmara, deputada Talíria Petrone (RJ), manifestou repúdio à matéria, reclamando de propostas de leis “que atacam os direitos de agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais”.
Os PLs da Grilagem também significam prejuízos aos cofres públicos. A perda econômica pela venda das terras públicas por até 98% abaixo do valor de mercado vai causar um prejuízo de cerca de R$88 bilhões ao país. #PLdaGrilagemNão #PL2633Não #DiadaBoiada
— Talíria Petrone (@taliriapetrone) July 6, 2021
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) escreveu em seu perfil: “Bolsonaristas atacam demarcação de terras indígenas, prejudicam pequenos produtores, mas favorecem os grileiros. A truculência não pode sair ganhando”.
O governo da devastação, com apoio do Lira e sua base, quer passar o trator em reservas e premiar grileiros, Absurdo! #PLdaGrilagemNão
— Ivan Valente (@IvanValente) July 6, 2021
Em defesa do projeto
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se posicionou favorável ao requerimento de urgência para análise do PL 2633/2020. Por nota afirmou que a proposta trata da Regularização Fundiária no Brasil e que a bancada entende a medida como uma “ferramenta de combate aos conflitos no campo, ao desmatamento e queimadas ilegais e na garantia de dignidade humana, segurança jurídica e justiça aos proprietários rurais, que ocupam a terra de forma mansa e pacífica”.
O texto segue declarando que “a falta de legislação não pode servir de espaço para a hostilidade e oportunidade para invasões irregulares.”
Na avaliação do autor da matéria, o deputado Zé Silva, este projeto garante segurança jurídica a toda a agricultura brasileira. “É uma mensagem para todo o Brasil e o mundo da competitividade do agronegócio brasileiro, pois de tempos em tempos, como acontece desde 1965, o governo faz uma nova lei e regulariza quem ocupa de fato essas terras. Portanto é fundamental manter o marco temporal de ocupação o mesmo que o apresentado no código florestal de 2008”, disse nas redes sociais ao defender a matéria.
Uma vez aprovado, o requerimento de urgência permite que o plenário analise a matéria logo em seguida, cabendo ao presidente a decisão de colocar em pauta.
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Thaís Rodrigues é repórter do Programa de Diversidade nas Redações realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative.
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