Dez deputadas votaram contra o projeto de lei de paridade salarial entre mulheres e homens, aprovado no último dia 4 na Câmara. A proposta exige a igualdade salarial e cria mecanismos de transparência a serem seguidos pelas empresas, além de estabelecer o aumento da fiscalização e das sanções administrativas. Caso haja o descumprimento da igualdade salarial, prevê multa de dez vezes o maior salário pago pela empresa, elevada em 100% se houver reincidência.
Por que mulheres votaram contra um projeto que favorece mulheres? O Congresso em Foco procurou as dez deputadas que votaram contra a mudança na lei. Apenas três responderam: Any Ortiz (Cidadania-RS), Adriana Ventura (Novo-SP) e Carolina de Toni (PL-SC). Não retornaram o contato da reportagem: Julia Zanatta (PL-SC), Silvia Waiãpi (PL-AP), Chris Tonietto (PL-RJ), Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Rosângela Moro (União-SP), esposa do senador Sergio Moro (União-PR), e Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-deputado Eduardo Cunha.
Explicações
A deputada Any Ortiz, uma das mulheres a votar contra, considera que o projeto não favorece todas as mulheres, uma vez que é voltado para empresas com mais de cem funcionários e boa parte do país atua em microempresas. “Se o relatório é tão fundamental para combater a desigualdade salarial, por que essa lei não valeria para todas as trabalhadoras?”, questionou a deputada.
Ainda segundo Any, outro problema decorre do fato de o texto exigir das empresas documentação para comparação dos salários. “Se essas informações forem para o governo é redundante, pois o governo já tem essas informações, e se forem para o público, não há garantia do sigilo das informações, garantido pela LGPD”, afirmou a parlamentar. “Eu vou ser contra o projeto por entender que ele não consegue atacar o objetivo da questão do respeito à lei que já existe”, completou.
Já a deputada Adriana Ventura, que também se posicionou contra a paridade salarial de gênero, afirma que o PL “não inova em nada em relação à legislação sobre equiparação salarial e aumenta a burocracia”, uma vez que, para a parlamentar, a igualdade salarial já é garantida na Constituição de 1988. “Minha preocupação é com o clima de ‘guerra dos sexos’ e a litigância que isso pode gerar dentro das empresas, já que avaliar equiparação salarial não é simples pois deve cumprir requisitos como mesma função exata, mesmo tempo de casa, entre outros”, alegou Adriana.
“A diferença salarial, que vemos nos dados do IBGE, é uma estatística macro, que retrata a inserção da mulher no mercado de trabalho como um todo. E mostra a predominância masculina em cargos com maior remuneração. Isso é diferente dos dados internos de cada empresa. Esses microdados já estão disponíveis ao Ministério do Trabalho, por meio da RAIS e do e-social. Não é preciso uma nova lei para o Ministério do Trabalho fiscalizar e autuar se houver empresas sem equiparação salarial”, argumentou a deputada.
Para ela, precisam ser discutidas ações que incentivem a “ascensão e a permanência das mulheres em suas carreiras profissionais, de forma que tenhamos mais mulheres em posições de chefia, de gerência, nas diretorias e conselhos das empresas”.
A deputada Carolina de Toni alega que o “projeto do governo Lula” consiste em criar “regras e burocracias que prejudicam as mulheres e as empresas”. Segundo a deputada, com a proposta aprovada, os gestores igualarão o salário de todos à remuneração de quem ganha menos. Além disso, argumenta, as multas, as burocracias e as regras novas farão com que menos mulheres sejam contratadas. “Eu defendo a liberdade econômica. Os critérios para se pagar mais a alguém são muito variados e o projeto de lei é pobre e reducionista em suas descrições”, disse a parlamentar.
Deputadas que votaram a favor da proposta criticaram o voto das colegas que se posicionaram contrariamente à paridade salarial de gênero. Para Fernanda Melchionna (Psol-RS), o projeto representa uma “vitória importante na busca por igualdade salarial”. “Mulheres recebem em média 22% a menos que homens para as mesmas funções, e as mulheres negras até 50% a menos. A lei avança em trazer multas e responsabilização das empresas que praticarem essa ilegalidade. Agora é lutar para ser aprovada no Senado e começar a ser posta em prática”, afirmou a parlamentar
Uma das coordenadoras da bancada feminina, Sâmia Bomfim (Psol-SP) reconhece que as deputadas têm muitas divergências na hora de votar, embora alguns temas tenham consenso, como a violência contra mulher, saúde da mulher e garantia dos direitos políticos. “A bancada feminina é bastante dividida, porque tem diferentes visões de mundo, visões ideológicas. Tem deputadas assumidamente feministas, que são militantes da área, e tem as deputadas bolsonaristas, que negam o feminismo, que negam qualquer ação afirmativa ou a luta por direitos para enfrentar a desigualdade de gênero”, disse.
Desigualdade histórica
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019, o rendimento das mulheres representa, em média, 77,7% do rendimento dos homens para as mesmas funções. Entre os principais grupos de trabalho, a menor proporção é observada em cargos de direção e gerência, uma vez que os salários de mulheres equivalem a 61,9% dos salários de homens. Em seguida estão profissionais das ciências e intelectuais, grupo em que o rendimento feminino é 63,6% do rendimento masculino.
A proposta foi enviada pelo presidente Lula em março deste ano, e a Câmara dos Deputados aprovou no último dia 4 o substitutivo apresentado pela relatora, deputada Jack Rocha (PT-ES). Foram 325 votos a favor e 36 contra, sendo dez deles votos de mulheres. O texto segue agora para votação no Senado.
Embora a igualdade salarial seja garantida na Constituição de 1988, não são instituídas formas de assegurar o cumprimento da lei. O novo projeto declara que as empresas deverão apresentar relatórios para que fiscais possam comparar os valores pagos a homens e mulheres.
Além disso, é prevista a divulgação de canais específicos para denúncias, além da promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho por meio da capacitação de gestores. Outra mudança presente no texto é que a empresa pode ser dispensada da exigência de igualdade salarial quando adotar, por meio de negociação coletiva, plano de cargos e salários, regra que não consta na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Confira o projeto de lei na íntegra:
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