As revelações feitas pelo Congresso em Foco de que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), omitiu bens da Justiça eleitoral levaram movimentos ligados à transparência a defender mudanças na legislação para impedir que a declaração patrimonial entregue à Justiça eleitoral vire peça de ficção. As divergências entre o patrimônio informado pelo deputado e o que consta de documentos aos quais a reportagem teve acesso também devem ser objeto de questionamento na Corregedoria da Câmara. O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) prepara um pedido de explicações a Lira, sob pena de pedir investigação de sua evolução patrimonial.
Leia as reportagens exclusivas do Congresso em Foco
Lira omitiu parque de vaquejada da Justiça eleitoral por uma década
Documentos revelam fazendas de Lira não declaradas à Justiça
Para o gerente do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional – Brasil, Guilherme France, a falta de sanções para políticos que omitem bens na declaração entregue à Justiça eleitoral prejudica o processo de fiscalização da atuação parlamentar. “Infelizmente, este não é um caso isolado. O acesso à informação sobre o patrimônio do político favorece o acompanhamento da evolução patrimonial e aponta possíveis conflitos de interesse”, observa. “Se o político tem uma empresa em determinada área, é preciso saber se ele está usando da função pública para favorecê-la”, exemplifica.
Ele defende mudanças na legislação e em resoluções do Tribunal Superior Eleitoral para que todos os bens constantes da declaração do Imposto de Renda do candidato também constem de seus documentos entregues à Justiça no registro da candidatura, sob pena de sanções. “Entendemos que há certos dados que, por segurança e privacidade, devem ser mantidos em sigilo. Mas o direito à privacidade dessas pessoas públicas precisa se equilibrar com o direito da sociedade de acompanhar sua evolução patrimonial”, defende.
O diretor-executivo da ONG Transparência Partidária, Marcelo Issa, também defende que seja obrigatória a declaração à Justiça eleitoral de todos os bens informados à Receita Federal. “A legislação exige que os candidatos apresentem declaração de bens à Justiça Eleitoral para que o eleitor possa formar seu voto de modo consciente. Embora eventuais discrepâncias entre o que se declara ao órgão eleitoral e aquilo que consta da declaração à Receita Federal possam configurar falsidade ideológica, defendemos que a legislação seja alterada para prever expressamente a obrigatoriedade de coincidência entre ambas declarações”.
Reportagem exclusiva publicada pelo Congresso em Foco nesta quarta-feira (30) revelou, com documentos, que Lira pagou, entre 2004 e 2006, quase R$ 5 milhões (valor da época, ou cerca de R$ 16 milhões, em valor atual, conforme correção pelo IGP-M) por quatro fazendas em Pernambuco. Essas propriedades não constam da declaração de bens entregue por ele à Justiça eleitoral em 2006. Os bens declarados por Lira, na ocasião, somavam R$ 695.901,55 (valor da época). Também revelamos nessa quinta (31) que o deputado deixou de declarar em três eleições um parque de vaquejada localizado no interior de Alagoas.
“É muito grave. A pessoa tem quatro fazendas não registradas, de milhões e só uma delas foi registrada nos últimos anos e as outras foram descobertas por conta de transações em cartório e pronunciamento do seu próprio advogado em processos anteriores. Isso não foi declarado. Primeiro, do ponto de vista político, ele tem de se manifestar sobre isso”, cobra Glauber Braga.
Ele diz que estuda tomar providências para que Lira seja responsabilizado caso seja confirmada sua omissão. “É fundamental que ele [Lira], não dando explicação jurídica, seja devidamente responsabilizado por isso. Não podemos ter na presidência da Câmara dos Deputados alguém que não responde por aquilo que é seu um patrimônio milionário, que não está indicado na sua declaração de bens”, diz o deputado.
O Regimento Interno da Câmara determina que, em caso de a Corregedoria ser acionada, o procedimento só pode ter andamento em caso de aval do presidente da Câmara, no caso, o próprio Lira.
Em nota enviada ao Congresso em Foco após a publicação da primeira reportagem, Arthur Lira evitou entrar em detalhes sobre os questionamentos feitos pela reportagem sobre os seus bens. “Todo o patrimônio do deputado Arthur Lira encontra-se devidamente declarado à Receita Federal e à Justiça eleitoral, fruto do sucesso na gestão de sua atividade agropecuária”, diz a nota (veja a íntegra mais abaixo).
A exigência de declaração patrimonial está prevista no artigo 350 do Código Eleitoral. Mas, segundo juristas eleitorais, não há sanções previstas para quem omitir bens, embora a prática pudesse ser caracterizada como falsidade ideológica eleitoral.
Guilherme France, da Transparência Internacional, não acredita que o Congresso Nacional possa mudar a legislação para tornar as declarações de bens mais fidedignas. “As últimas ações do Congresso estão na contramão da transparência. Agora mesmo discutem um minirreforma eleitoral às pressas para que as mudanças possam valer nas eleições do ano que vem. Vão mudar o Código Eleitoral e a Lei dos Partidos em apenas um mês. Nos preocupa extremamente como essas discussões têm avançado”, critica.
O grupo de trabalho criado na Câmara na semana passada para promover mudanças na legislação eleitoral vai apresentar e votar o parecer da minirreforma eleitoral na próxima quarta-feira (6). Para que as mudanças tenham validade já para as eleições municipais de 2024, a minirreforma precisa ser sancionada até o dia 5 de outubro. Para isso, o projeto precisa ser aprovado pelos plenários das duas Casas até lá.
Veja a íntegra da nota de Arthur Lira:
“Todo o patrimônio do deputado Arthur Lira encontra-se devidamente declarado à Receita Federal e à Justiça eleitoral, fruto do sucesso na gestão de sua atividade agropecuária.
No mais, alguns questionamentos se mostram improcedentes, requentados, vazados de ações em segredo de justiça, e já foram analisados pela Justiça competente, que deu ganho de causa ao deputado, inclusive determinando não mais sua veiculação em qualquer meio, por se tratar de assunto analisado e comprovadamente inverídico.
Além disso, a exposição de tais fatos só atentam contra a honra do deputado e ferem a decisão já proferida no Judiciário.
Assim, esperamos que mais essa decisão da Justiça seja cumprida.
Assessoria de Imprensa”
Nota da Redação – Esclarecemos que:
(1) A documentação obtida pela reportagem demonstra que Lira declarou à Justiça eleitoral apenas uma das quatro fazendas citadas. Mesmo assim, em 2014. Ou seja, cerca de uma década após sua aquisição.
(2) Até 2022, data em que entregou pela última vez uma declaração de bens à Justiça eleitoral, o deputado não tinha informado a propriedade das outras três fazendas.
(3) Teremos prazer em publicar os devidos documentos comprobatórios caso o parlamentar tenha regularizado tal situação posteriormente.
(4) Não há na matéria, ou nas práticas profissionais deste veículo, qualquer intenção de atentar contra a honra do presidente da Câmara ou de quem quer que seja. Tentamos apenas fazer jornalismo independente e de qualidade.
(5) Ignoramos qualquer ordem de censura prévia relacionada com os temas tratados na reportagem. O que nos chegou ao conhecimento foi uma ordem judicial de remoção de conteúdo, cumprida tão logo dela tomamos conhecimento.
(6) O Congresso em Foco renova, de público, o pedido de entrevista com Arthur Lira para aprofundar a apuração do assunto e prestar informações absolutamente corretas e precisas, como nos empenhamos a fazer há quase 20 anos.
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