Emilio Chernavsky*
Ainda que a reforma em discussão no Congresso não ataque frontalmente a regressividade do sistema tributário nacional, há nela mecanismos importantes para contribuir com a redução da desigualdade.
O sistema tributário brasileiro é altamente regressivo, ou seja, quanto mais rica a pessoa, menor tende a ser a parcela de sua renda que ela paga de impostos, o que contribui decisivamente para que o país seja um dos mais desiguais do mundo. Em boa medida isso ocorre porque o Brasil tributa muito o consumo, e pouco a renda (menos no Brasil que em qualquer país da OCDE) e o patrimônio (menos aqui que na média da OCDE).
A reforma tributária atualmente em discussão no grupo de trabalho criado para estudar o assunto na Câmara de Deputados não muda esse quadro, uma vez que foca na tributação sobre o consumo, buscando aumentar a eficiência da economia. Para isso propõe, principalmente, uniformizar a legislação, simplificar e unificar os tributos (sem diferenciar entre bens e serviços), e passar a cobrá-los no destino, ou seja, onde o consumo de fato ocorre. Com isso, reduz custos desnecessários, desincentiva escolhas locacionais (guerra fiscal) e de integração produtiva economicamente ineficientes motivadas apenas por vantagens tributárias, e desonera investimentos e as exportações, elevando a competitividade da produção nacional e favorecendo o crescimento econômico. Esse resultado, crucial, não é o único, todavia, que devemos esperar da reforma. Isto porque, embora as mudanças não ataquem de frente a desigualdade, elas podem, por meio de vários canais, contribuir também decisivamente para reduzir a desigualdade.
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Nesse sentido, a reforma reduz o custo das empresas com pessoal e sistemas para calcular, pagar e declarar os tributos. Esse custo é especialmente alto no Brasil e, repassado total ou parcialmente aos preços, funciona como um tributo indireto adicional, que não se destina ao Estado, mas possui os mesmos efeitos regressivos, dado que, ao incidir sobre o consumo, é pago proporcionalmente mais por quem ganha menos.
Ela elimina a cumulatividade (no qual o tributo sobre um bem incide sobre o tributo pago em etapas anteriores de sua produção) o que, além de aumentar a tributação sobre o consumo, tornando o sistema mais regressivo, penaliza relativamente mais as cadeias produtivas mais longas, normalmente mais sofisticadas e que agregam mais valor.
Ao homogeneizar a tributação, a reforma reduz o peso dos impostos sobre a cesta de consumo dos mais pobres, que é relativamente mais intensiva em bens, hoje altamente onerados e cuja tributação tende a cair, e aumenta esse peso na cesta dos mais ricos, que inclui mais serviços, hoje muito menos tributados.
Ela também deve reduzir a regressividade do sistema de forma direta, por meio de um mecanismo de devolução ou redução de tributos para os contribuintes de baixa renda.
A reforma contribui para reduzir a desigualdade ao simplificar a tributação, o que facilita o combate à sonegação e reduz o custo da fiscalização. Ainda, reduz o contencioso administrativo e judicial e a corrupção. Com isso, permite que recursos hoje apropriados por sonegadores, agentes públicos desonestos e escritórios de consultoria tributária bem como recursos empregados na fiscalização, que funcionam como um tributo indireto, sejam aplicados em políticas públicas ou viabilizem a redução das alíquotas dos tributos.
A simplificação também fomenta a concorrência e, com isso, contribui para reduzir as margens de lucro e os preços, ao favorecer o crescimento de empresas menores e a operação de novas entrantes, para quem os custos de conformidade e contencioso, maiores em sistemas complexos, são relativamente mais altos.
Ainda, dá transparência aos tributos efetivamente pagos, facilitando e dando objetividade a reivindicações pela substituição da tributação indireta pela direta que buscam reduzir a regressividade do sistema.
Finalmente, a reforma deve incluir alterações que permitirão o aumento da tributação sobre a propriedade imobiliária e sobre embarcações e aeronaves, o que afeta apenas segmentos de alta renda.
Certamente, se não for sucedida por outra reforma que eleve a tributação sobre a renda e o patrimônio, a reforma da tributação sobre o consumo atualmente em discussão será insuficiente para transformar o caráter profundamente regressivo do sistema tributário brasileiro. Contudo, além de aumentar a eficiência da economia, contribuindo para a expansão do produto e, com isso, para gerar empregos e elevar a renda – o que seria em si suficiente para justificar a reforma –, ela carrega mecanismos importantes que devem contribuir para tornar o sistema tributário mais justo. Também desta perspectiva, portanto, ela deve ser apoiada.
*Emilio Chernavsky é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Doutor em Economia pela USP.
**Esse texto faz parte de uma série de ensaios no âmbito de uma parceria entre a Anesp e o Congresso em Foco.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
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