As mudanças climáticas entregaram aos gaúchos a maior conta até o momento em termos de sofrimento, perdas e morte. Outras já haviam chegado no Brasil, como a maior intensidade de furacões em Santa Catarina, a seca inédita na Amazônia e as queimadas devastadoras no Pantanal.
A rede de solidariedade criada no país merece todo o apoio. É digna de infindáveis elogios pelo mérito excelso que carrega. A capacidade humana de mostrar empatia e compaixão nos eleva ao que temos de melhor como seres morais.
Contudo, é mandatório olhar também para um outro lado. A sociedade organiza-se na forma de Estado para prover uma vida comum saudável e equilibrada. A ação do Estado é, em muitos casos, a formalização da empatia e da solidariedade. São duas faces da mesma moeda: solidariedade espontânea da sociedade, solidariedade organizada pelo estado. Redes de defesa civil, assistência social, saúde universal constituem a ajuda que prestamos uns aos outros de forma oficial, estatal, por meio de impostos e agentes públicos. São institucionalizadas porque têm de existir e funcionar o tempo todo.
Nessa rede estatal destacam-se as autoridades. O funcionamento da solidariedade institucional exige tomadores de decisão que decidem onde gastar recursos, que atividades autorizar e proibir, a que temas dar atenção. E é aí que falhamos muito, falhamos miseravelmente com o Rio Grande do Sul, seu povo e todos os brasileiros.
Ao longo da história de problemas na relação homem natureza sempre me espanta a desfaçatez com que algumas autoridades “empurram” para Deus ou a natureza – sua substituta – a culpa de acontecimentos nos quais foram o próprio homem e suas atitudes que lhes deram causa. Barragens explodem e a causa foi a “chuva excessiva”. Inundações acontecem em baixadas que cientistas dizem não serem habitáveis, e a culpa é da natureza. Os exemplos são infindáveis.
A tragédia humana do Rio Grande do Sul precisa ser cuidada o mais intensa e amplamente possível. Contudo, precisamos olhar para o dia de amanhã (lembremos que os gaúchos tiveram enchentes ano passado e nem por isso estavam mais bem preparadas para a de agora). Precisamos nos fazer algumas perguntas centrais:
- Quem não deu atenção devida ao controle de enchentes? Quem não tomou as medidas necessárias a conter rios e cheias? Quem negligencia os alertas ininterruptos de cientistas sobre eventos climáticos extremos? Quem diz que meio ambiente não é importante? Quem quer destruir (o eufemismo é “flexibilizar”) a proteção ambiental? Quem trabalha para nos fazer acreditar que não existem mudanças climáticas? Temo que muitas autoridades escondam-se sob a conveniente “culpa de Deus” quando a “culpa é do homem”, e de alguns homens em particular.
Precisamos ter a urgente clareza que a mudança climática é um problema já entre nós, com a face horrível que encara, assombra e martiriza nossos irmãos gaúchos. Precisamos de ação do estado, políticas públicas responsáveis. Se não fizermos as perguntas corretas e não identificarmos claramente quem nega e quem pretende lidar com a mudança climática adequadamente, o que teremos será um obituário sinistro e longo de tragédias nos próximos anos e décadas.
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