Rudolfo Lago
Os jornais informam que as eleições deste ano serão aquelas com maior número de candidatos à Presidência desde o pleito de 1989. Este ano, deverão ser 13 candidatos. Em 1989, foram 22. Mas não há nada mais falso que considerar, com isso, que teremos em outubro uma eleição tão disputada e cheia de possibilidades quanto foi aquela primeira depois da redemocratização, derrubada a ditadura militar. Antes de Fernando Collor despontar como favorito naquela marcha da insensatez cometida pelo eleitorado brasileiro, apareceram fortes na corrida eleitoral em algum momento Leonel Brizola, Mário Covas, Afif Domingos e Luiz Inácio Lula da Silva, nessa ordem. Entre o primeiro e o segundo turnos, Lula, inclusive, teve um crescimento que ameaçou de fato a chance de Collor. E outros candidatos – seja pela biografia seja por terem também votos – não eram meros figurantes. Casos de Ulysses Guimarães, Paulo Maluf, Aureliano Chaves e da aventura cometida no meio da eleição e felizmente não concluída com Sílvio Santos.
Agora, temos uma corrida eleitoral desde sempre liderada por José Serra, com Dilma Rousseff como única oponente com possibilidades de lhe tirar a vitória. Dos demais, apenas Marina Silva merece atenção. Se todos os demais candidatos juntos fora esses três somarem 5% dos votos, será uma surpresa muito grande. Não parece nem um pouco provável que José Maria Eymael, Levy Fidélix, José Maria de Almeida ou Mario de Oliveira virem fenômenos eleitorais em outubro, nem para algo como foi Enéas Carneiro.
Com eles ou sem eles, a verdade é que a quase truculenta operação do PT e do Palácio do Planalto para tirar de Ciro Gomes a legenda do PSB para disputar a eleição em outubro chegou bem perto de obter o objetivo que o presidente Lula queria: de tornar a decisão sobre a sua sucessão um pleito plebiscitário, em que a opção do eleitor será dizer “sim”, se achar que seu governo teve mais méritos que defeitos, votando em Dilma, ou dizer “não”, se julgar que os erros foram maiores que os acertos, votando em José Serra. A única possibilidade concreta de nuance que o quadro eleitoral demonstra haver é Marina, mas a sua performance nas pesquisas até agora não autoriza dizer que ela poderá, de fato, mudar esse cenário maniqueísta que Lula criou para a sua sucessão. Se Ciro estivesse mantido na disputa, esse quadro não se daria. Com ele e Marina como candidatos saídos do mesmo espectro que formou e consolidou o governo Lula, a discussão na eleição provavelmente ganharia contornos mais ricos.
É curioso e um tanto quanto frustrante que 25 anos depois de finda a ditadura nos vejamos de novo limitados à hipótese de unicamente dizer “sim” ou “não” a um governo. Numa escolha que nem é assim tão ideologicamente diferente. Em ambos os casos, teremos a sucessão de um governo de centro-esquerda por outro governo de centro-esquerda.
O ruim de tudo isso é que o momento posterior ao fim do bipartidarismo nos estertores da ditadura e no início da redemocratização prenunciava um quadro ideológico muito rico. Da direita para a esquerda, o que poderíamos ter? O PDS como representante da direita ultra-nacionalista que comandou o país no regime autoritário militar; o PFL e o PL trazendo a direita moderna ligada à concepção neoliberal que começava a dominar o mundo; o PP de Tancredo Neves como representação dos que eram politicamente conservadores mas não abriam mão da democracia; o PMDB como típica representação de centro, a herdeira do velho PSD anterior à ditadura; o PSDB aliando à discussão os princípios da social-democracia parlamentarista européia; o PSB nos moldes dos partidos socialistas democráticos; os partidos comunistas, PCB e PCdoB, com suas diferenças de concepção pós-Kruschev ; o PDT como representante do trabalhismo tradicional getulista; o PT como legenda do novo sindicalismo surgido depois das greves do ABC, aliado à Igreja Progressista e a uma nova esquerda que buscava se desvincular dos velhos partidos comunistas.
Cada um desses partidos parecia, de fato, agregar concepções diferentes de mundo e caminhos diferentes para o país. Nós ainda assistimos a essas diferenças na discussão da Constituinte. PDT e PT, por exemplo, brigavam e tinham ideias bastante diversas acerca do trabalhismo e da organização sindical. Em que via torta da história essa riqueza ideológica se perdeu e os partidos viraram a geléia de hoje?
Quando os partidos reclamam que a imprensa contribui para manter no noticiário apenas uma pauta negativa que diminui a importância da política e de sua principal arena, o Congresso, parecem se esquecer que eles próprios, por mero cálculo eleitoral, foram aos poucos perdendo a diferença que tinham uns para os outros. Comprando os pacotes de ideias que os marqueteiros lhes juravam que iam ser moda a cada eleição, foi tudo ficando igual. Tanto Dilma como Serra têm histórias que os credenciam. Mas que passarão pelo filtro cosmético da embalagem eleitoral que os marqueteiros e os parceiros políticos inventarão para eles.
Por oito anos, o PSDB venceu o PT. Por outros oito, o PT venceu o PSDB. Pelos próximos oito anos, provavelmente outra vez um dos dois ganhará do outro. Antes do Plano Cruzado, nas primeiras discussões para a sucessão de Itamar Franco, quase se formou uma chapa tendo Lula como candidato a presidente e Tasso Jereissati como seu vice. Sinal mais claro de que o antagonismo entre os dois partidos é muito mais fruto da conveniência política que qualquer outra coisa não pode haver. Quanto tempo mais vamos ficar limitados apenas a isso?
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