Foi apenas na sexta-feira (28 de setembro) que a presidenta Dilma Rousseff resolveu que iria a Lima, no Peru, para a Cúpula da América do Sul e Países Árabes. Era uma viagem para a terça-feira (2). Ou seja: entre a decisão e a viagem, um intervalo de apenas quatro dias. Confusão entre todos aqueles que participam da organização da viagem: seguranças, precursores, assessores, jornalistas que têm de se deslocar para cobrir o fato, etc. Por que Dilma decidiu-se tão em cima assim da hora? Duas palavrinhas explicam: eleições municipais.
Assim como adiava a decisão sobre a viagem a Lima, Dilma adiava também as decisões sobre a participação nos comícios finais das campanhas do PT e de aliados nas eleições deste ano. Até a última hora, ela deixou em suspense também a organização da campanha de Fernando Haddad, candidato petista em São Paulo, sobre a participação no comício na segunda-feira (1). Se ela se inclinasse por participar de um determinado ato de campanha de algum candidato, certamente, imaginou, começaria a ser pressionada para fazer o mesmo pelos demais.
Dilma evitou ao máximo envolver-se nas campanhas municipais. Foi a São Paulo porque a pressão no caso era imensa: Haddad começou a subir nas últimas semanas, encostou em José Serra, do PSDB, e pode ir para o segundo turno; além disso, seu padrinho é o mesmo padrinho de Dilma, o ex-presidente Lula. Envolveu-se também em Belo Horizonte, porque aí foi dela a ideia de lançar como candidato Patrus Ananias (PT) contra o prefeito Márcio Lacerda (PSB). Do resto – e mesmo em boa parte do desenrolar também nas campanhas paulistana e na capital mineira –, Dilma procurou manter distância porque sabia que se interviesse estaria mexendo numa casa de marimbondo, num vespeiro.
O maior problema para Dilma é que as eleições municipais deste ano projetam para as próximas disputas em âmbito nacional a possibilidade de um quadro de briga forte entre os próprios partidos da base do governo. As últimas pesquisas até mostram a possibilidade de o PSDB eleger uma boa quantidade de prefeitos de capitais. O DEM, no que indicam as pesquisas, pode acabar vendo evaporarem as chances que no início pareciam bem fortes de eleger Moroni Torgan em Fortaleza e ACM Neto em Salvador. Mas não é em nenhuma das capitais em que os partidos oposicionistas aparecem com maiores chances que se projeta a próxima disputa nacional. Onde ela se projeta, a briga envolve aliados de Dilma.
A começar por São Paulo. A avaliação que segue foi ouvida dentro do próprio Palácio do Planalto: “O PRB é um partido que nasceu aqui dentro”. É verdade. O PRB é uma gestação de Lula e de seu vice-presidente, o já falecido José Alencar. A ideia era criar um braço conservador para ser aliado do PT, com forte inserção em um grupo da sociedade que cresce de forma vertiginosa: a comunidade evangélica. Não há, para os planos do governo, nenhum interesse em desarrumar esse arranjo. Daí a delicadeza de se meter numa disputa entre dois aliados.
Os casos mais complicados acontecem com o PSB. Em Recife, resultaram no abandono à própria sorte da candidatura do senador Humberto Costa (PT-PE). Humberto entrou na disputa por interferência direta da direção do PT, como uma solução de força para resolver uma briga entre o prefeito João da Costa e o ex-prefeito e hoje deputado João Paulo. A solução desandou – fez com que o ex-deputado Maurício Rands deixasse, como consequência, o mandato e o partido – e serviu como pretexto para que o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, experimentasse um ato do PSB de independência ao PT que já vinha sendo ensaiado. Eduardo abandonou a campanha petista, alegando que não pretendia associar-se àquela confusão, lançou Geraldo Júlio e ele passou como um trator por cima de Humberto Costa, que agora já aparece apenas em terceiro lugar nas pesquisas, em queda livre.
Elegendo Geraldo Júlio, que antes de ser candidato era um completo desconhecido, Eduardo Campos reafirma a força que tem na sua própria casa. Impõe suas credenciais, talvez para se lançar ele mesmo candidato à Presidência em 2014, talvez para se impor como vice de Dilma ou, pelo menos, para angariar mais espaços num futuro governo. Num primeiro momento, a rebeldia de Eduardo provocou uma reação do PT, que saiu para um discurso de tentar destruir suas pretensões. Quando a poeira sentou, os ânimos menos exaltados recomendaram que poderia não ser boa estratégia provocá-lo demais. Humberto paga o pato.
Em Belo Horizonte, o que se busca com Patrus é corrigir o que hoje é considerado um erro de raciocínio político: a aliança local que tinha sido feita pelo PT com o PSB mas também com o PSDB de Aécio Neves. Com Aécio como potencial candidato à Presidência pela oposição, não fazia o menor sentido manter tal arranjo na capital do segundo maior colégio eleitoral do país. Uma aliança assim neutralizaria as ações do PT em Minas numa disputa com Aécio: as ações do partido ficariam arrefecidas pela aliança local. Há um risco: jogar o PSB nos braços de Aécio. Daí porque evitar briga com o partido de Eduardo Campos fora de Minas Gerais.
Os movimentos de Eduardo Campos são observados com atenção pelo PMDB, que é hoje o parceiro principal do PT no governo. Nas eleições municipais deste ano, a ponta-de-lança do PMDB continuou sendo o Rio de Janeiro. Apesar das denúncias que procuraram envolver o governador do Rio, Sérgio Cabral, com o esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira, a provável reeleição de Eduardo Paes pode manter a força peemedebista no estado, realçada pelo destaque que o Rio deverá ganhar nos próximos anos com a Copa do Mundo e principalmente com as Olimpíadas.
Mas é principalmente com a força que tem no Congresso que o PMDB planeja se impor nessa briga interna. O partido trabalha pesado para ser dono das presidências da Câmara e do Senado. Apesar de não se bicarem, Dilma já admite engolir o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), como presidente da Câmara. E não se manifestou sobre a hipótese de ver na presidência do Senado o nome peemedebista, que, para espanto de alguns, deverá ser Renan Calheiros (AL).
Enfim, não vai ser Dilma quem vai bulir nesse vespeiro.
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