A Arte da Guerra talvez seja o livro de auto-ajuda mais antigo do mundo. Escrito por Sun-Tzu no ano 500 antes de Cristo, destinava-se objetivamente a orientar generais nas estratégias de seus exércitos. Mas como todo mundo enfrenta as suas guerras particulares, luta com seus inimigos, lida com suas virtudes e com suas fraquezas e move seus exércitos para alcançar seus objetivos, muito do que disse o chinês lá atrás vale como conselho. Por mais que tenha virado clichê citá-lo, não resisto, diante do quadro confuso que se instalou nas eleições de São Paulo.
Uma das coisas que diz Sun-Tzu no seu tratado sobre a guerra é o seguinte: “Quando cercar o inimigo, deixe uma saída para ele; caso contrário, ele lutará até a morte”. O que quer dizer Sun-Tzu é que não é boa estratégia acuar o inimigo. Quando deixado no canto sem saída, a única alternativa que resta ao adversário é lutar. E, nessa falta de opção, pode surpreender por sua vontade de sobreviver. Surpreender tanto que pode até acabar ganhando a batalha.
Desde o início do ano, a estratégia do PT na eleição municipal de São Paulo parecia ser varrer o PSDB do mapa. Dar ali um passo importante no sentido de demolir o único partido hoje ainda com musculatura para se contrapor à era petista iniciada com Lula e seguida por Dilma, já devidamente pulverizado o finado PFL, rebatizado como o moribundo DEM.
Primeiro, Lula escolheu para a tarefa de vencer em São Paulo um nome que o mantivesse como protagonista mesmo em uma eleição que não disputa. O que Lula quer é mais do que claro: continuar sendo a principal referência política do PT e do seu grupo. Assim, ele repete em São Paulo o que fez quando escolheu Dilma para ser sua sucessora: pegou um neófito, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad e ungiu-o à condição de candidato. Na operação, deixou a senadora Marta Suplicy (PT-SP) pelo caminho. Com um preço: Marta não consegue esconder em seu rosto o crescimento da sombra escura de seu descontentamento. Parafraseando Caetano Veloso: “Sobre toda a sala, sobre toda a casa, paira a sombra monstruosa do ciúme”.
Assim, ficava o PSDB na iminência de ser derrotado no campo que eleitoralmente vem dominando (governa o estado de São Paulo há 16 anos). Para completar, as estratégias que iam sendo costuradas tratavam de desidratar ao máximo as possibilidades de alianças feitas pelos tucanos. Principalmente, tratava-se de tirar do PSDB a possibilidade de parceria com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e seu partido, o PSD. Kassab – e tudo o que ele politicamente representa, para o bem ou para o mal – é criatura forjada pelos tucanos, que entregaram a ele o comando de São Paulo quando José Serra deixou a prefeitura para se eleger governador.
Na busca para obter o apoio de Kassab, abriu-se mão de qualquer coerência ideológica para optar pelo pragmatismo. E Kassab virou convidado de honra na festa de aniversário de 32 anos do PT no mês passado. Vaiado pela militância, aplaudido pela direção. De longe, com Marta, pairava “a sombra monstruosa do ciúme”.
Ao que parece, o PT vislumbrou de forma muito concreta todas as possibilidades de passar como um trator por cima de seu principal adversário e minimizou as possibilidades de reação do PSDB. Em entrevista recente, o presidente do PT, Rui Falcão, minimizou a entrada de José Serra na disputa dizendo que ela já era uma coisa prevista. Podia até ser prevista, mas a verdade é que o PT apostava que ela não aconteceria. E várias reuniões para reavaliar estratégias de campanha de Haddad depois disso passaram a acontecer.
Diante do fato de que parece estar em Serra a chance de sobreviver, o PSDB, por seu lado, começa a recolher suas pendências internas para apoiá-lo. É verdade que Serra mais uma vez foi hesitante; é verdade que ele outra vez complicou o processo desnecessariamente; é verdade que sua desistência anterior atiçou pretensões contrariadas (ah, “a monstruosa sombra do ciúme”!). Mas se encarado como uma questão de sobrevivência, tudo fica menor.
É claro que muita coisa ainda vai acontecer daqui até a eleição. E Serra tem dezenas de fragilidades também. Altíssima taxa de rejeição é a mais visível dela. E, além disso, ele testará também até que ponto sua imagem possa ter ficado desgastada por suas últimas fracassadas experiências eleitorais. É o teste que ele precisa para se animar ou não a tentar outra vez a Presidência da República.
E agora é o PT que neste momento não dispõe de unidade na campanha de Haddad. Por mais isolada que Marta esteja junto à direção petista, como ex-prefeita ela tem uma densidade dentro de São Paulo que não pode ser ignorada. Ela avisou que o partido se precipitava na tática de aproximação a Kassab, e agora cobra isso. O PT ficou ainda com um problema adicional: como Haddad poderá criticar a gestão de Kassab para se apresentar como contraponto se buscava claramente obter o apoio dele?
Eis o rolo. Se o PR, por conta das insatisfações que acumula contra o governo Dilma desde a demissão de Alfredo Nascimento do Ministério do Transportes, concretizar a ameaça de lançar Tiririca como candidato, aí é que a coisa vai enrolar mesmo. Ou – o que às vezes pode ser pior – vamos todos pagar um preço alto com a solução dada para agradar ao partido de Valdemar Costa Neto.
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