O debate da Rede Globo foi chato pra cacete, primeira constatação. A segunda é que, não obstante, foi uma perfeita descrição pictórica dessa campanha: do início ao fim um “passeio” de Eduardo Paes contra coadjuvantes oriundos do banco de reservas das outras forças políticas, cujas principais lideranças optaram por não se candidatar por analisar – corretamente, sem dúvida – que, em 2012, não haveria como enfrentá-lo com chance de vitória. Assim, o grande adversário de sua dificílima eleição de 2008, Fernando Gabeira, não se animou. O senador Marcelo Crivella, sem dúvida uma força política – e bem mais articulado que seu homólogo paulistano Celso Russomano – também ficou fora. Outra liderança significativa, a deputada Jandira Feghali, idem. O ex-prefeito César Maia, um candidato óbvio, preferiu escalar o filho, numa aliança contra natura com seu ex-aqui-inimigo Antony Garotinho. Tinham uma opção melhor: a deputada Clarissa, mas preferiram Rodrigo, que dispensa comentários.
No próprio Psol, sua principal liderança carioca, o deputado Chico Alencar, cedeu lugar para Marcelo Freixo que transferira seu domicílio eleitoral de Niterói para o Rio. O PSDB foi a única exceção. Sem dúvida a “bola da vez” dos tucanos era o deputado Otávio Leite. Mas ele não conseguiu encontrar “o tom” e no debate da Globo não repetiu sua performance daquele primeiro, na Band. O radialista Wagner Montes, que sempre aparece bem nas pesquisas nas pré-campanhas quando ameaça sair para prefeito ou governador, manteve sua prática de evitar o embate majoritário provavelmente por saber que essa posição inicial nas pesquisas provavelmente sofreria erosão durante a campanha.
Paes se viu diante daquilo que Sun Tzu definiu como a melhor situação para um general: a guerra previamente ganha pelo desmonte da disposição de luta dos principais adversários.
Perguntam-me porque não me animei. Nas pesquisas que dispunha, depois do Gabeira seria o verde com maior percentual inicial, uns 5%. Em 1998 e em 2000, fui candidato à presidência e à prefeitura em “missão partidária”, sabedor de que não tinha a menor chance.
Evidentemente, cedo cheguei à mesma conclusão das lideranças cariocas acima mencionadas em relação a nossas nulas chances de vitória nessa eleição. Por outro lado, a terrível implosão do PV com o ignóbil tratamento dado a Marina Silva – independentemente de seu erro tático de ter saído do partido de forma prematura e precipitada – e seus 20 milhões de votos, bem como meu traiçoeiro expurgo da executiva nacional, por artimanhas cartoriais, me privaram da disposição interior para qualquer nova “missão”.
Nessas circunstâncias, a candidatura de Aspásia foi um ato de coragem e de dedicação dela, mais pelo conjunto de ideias verdes que defendemos do que propriamente por um partido que optou por se apequenar. Imaginem o que teria sido a campanha de 2012 dos verdes, todos unidos, com Marina e Gabeira mobilizados, trabalhando para capitalizar os resultados de 2008 e 2010! Mas não, preferiram “ananicar” nacionalmente o PV, inclusive com alianças como as de Salvador, Palmas ou Ribeirão Preto, com personagens que lideraram os ruralistas no ataque ao Código Florestal.
Mas voltemos ao Rio. O “fenômeno” eleitoral da vez foi o que chamei de “segundo turno no primeiro”, com apenas um outro candidato além de Paes com resultado significativo, muito embora a mais de 30% de distância do prefeito. Freixo ocupou o chamado “voto politicamente correto” carioca, que em outras ocasiões confluíra para Gabeira(1986,2008 e 2010), Chico Alencar(1996), Benedita(1992) e Bittar (1988). Fica entre os 20% a 25%. Seria um erro crasso imaginar que alguém conquista e passa a “ter” esse voto. Ele é antecipado nas pesquisas, recebido na hora da eleição e, no dia seguinte, volta aos corações e mentes desses eleitores cariocas que querem “algo mais” para além do pragmatismo eficiente de um bom gestor da cidade como é Eduardo Paes, foi César Maia, no seu primeiro governo e nos dois primeiros anos do seu segundo – antes de se perder mais fundo no labirinto de sua complexa psiquê – e foi Marcello Alencar, quem recuperou o Rio da falência no governo de Saturnino Braga, em 1988.
A performance do voto “politicamente correto” chegou ao seu ponto máximo, em 2010, com os 48,5% de Gabeira, no segundo turno. Nessa altura, porém, já era um contingente muito além dele próprio. Por si só e sem uma aliança com um componente muito mais vasto do eleitorado, que aposta em qualidade de gestão da cidade, esse voto não conseguirá jamais eleger um prefeito. O grande desafio é partindo do sonho chegar na governabilidade – ou, inversamente, partindo da governabilidade se aproximar do sonho.
Freixo e seus apoiadores estão eufóricos com sua progressão de um gueto eleitoral de extrema-esquerda para a conquista, nessas eleições – Chico Alencar já o conseguira em 96, no PT – desse contingente mais amplo (e volátil) de eleitores. Tenho ouvido que a meta, nessas alturas, é “ultrapassar o Gabeira” no primeiro turno de 2008. Normalmente não seria muito difícil porque os 25% de votos válidos de Gabeira, em 2008, foram obtidos numa duríssima disputa desse eleitorado, ou parte dele, com Jandira, Molón, Paulo Ramos e o próprio Chico Alencar. Mas em relação ao objetivo de transcender simplesmente o voto crítico carioca e conquistar segmentos importantes desse outro contingente eleitoralmente majoritário, preocupado com a gestão efetiva da Cidade, penso que Freixo não chegou nem perto do que seria necessário.
No debate final, como nos outros, como na entrevista ao jornal O Globo, ficou patente um conhecimento muito limitado das questões fundamentais que envolvem a governança de uma cidade complexa como o Rio e a persistência de um corpo de convicções e idiossincrasias que o mantêm num paradigma de extrema-esquerda inadequado e avesso à gestão urbana na vida real.
Sobrou-lhe no debate sua zona de conforto habitual que é a do denuncismo. Bom para candidaturas parlamentares e de eficácia duvidosa em campanhas majoritárias. Paes tirou de letra a primeira investida de Freixo em relação ao episódio PTR. O ataque teria sido melhor focado se em vez de tentar satanizar o adversário atribuindo-lhe uma corrupção, no caso, nada comprovada, Freixo tivesse – como o fez Aspásia no debate anterior – focado na crítica da pratica política do fisiologismo e do clientelismo, em si – ou alguém imagina que os 19 partidos se uniram por afinidade ideológica com o PMDB?
Já no tocante a candidatos a vereador inidôneos, é forçoso se reconhecer que no atual sistema eleitoral, onde é imperativo somar aritmeticamente candidatos para obter cociente eleitoral, nem Cristo (literalmente!) conseguiria formar uma chapa de apóstolos sem unzinho sequer envolvido em alguma milícia, tráfico ou “ficha suja” exposta ou latente. Evidentemente, nessas horas os moralistas são os que mais sofrem na mão da mídia, pois fica exposta a hipocrisia. Um miliciano ou assaltante na chapa do Psol chama muito mais atenção na mídia do que um na do PMDB.
Aspásia merece o bronze
No último debate, Aspásia foi melhor do que nos anteriores. Conseguiu concluir todas as suas falas no tempo certo e teve alguns bons momentos. Em outros, perdeu-se na conceituação e na enunciação afastando-se da narrativa. Ficou off message em relação aos seus dois pontos fortes fundamentais. Tematicamente, a questão de saneamento que ela teve o grande mérito de pautar nessa campanha ao levantar a bandeira da municipalização águas, rompendo com o modelo Planasa e a jurássica Cedae. Mas, sobretudo, na mobilização de última hora do voto feminino. Teria sido fundamental um apelo final direto às mulheres cariocas na sua fala de encerramento.
No entanto, Aspásia conclui a campanha com dignidade e altivez. Coube-lhe uma tarefa difícílima que ela despenhou de forma digna de nota. Resta agora o esforço final para levá-la ao terceiro lugar.
Aspásia merece o bronze.
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