Afonso Morais * especial para o Congresso em Foco
Apesar do questionamento na Justiça brasileira de que o trabalho voluntário da Fifa estaria desrespeitando leis federais, direitos fundamentais e de proteção ao trabalhador, 297 inscritos no Programa Brasil Voluntário, do Ministério do Esporte (ME), têm idade para ter comparecido à derrota mais dolorosa do futebol brasileiro: o famoso “maracanazo”, quando a seleção brasileira perdeu para a uruguaia na final do Mundial de 1950.
Nascidos entre 1920 e 1944, eles se juntam a outros milhares de voluntários que trabalharão de graça na competição da Fifa a partir da próxima quinta-feira (12), quando o Brasil sediará, pela segunda vez, a Copa do Mundo. Do romantismo dos anos 50, pouca coisa restou: a Fifa espera arrecadar R$ 10 bilhões com a realização do megaevento no país. Ou seja, jogadores e cartolas lucram alto, exceto os voluntários.
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Os dados sobre os idosos constam da tabela fornecida pelo Ministério do Esporte no edital de licitação para contratar seguro para acidente pessoal destinado aos 15.460 voluntários. O plano de cobertura é para todos os credenciados, entre 18 a 95 anos, dos dias 2 de junho a 14 de julho, 24h por dia. Em caso de morte ou invalidez acidental, a indenização será de R$ 100 mil por vítima. O documento foi obtido com exclusividade pelo Congresso em Foco.
Em campo
Segundo a lista, há 16 nonagenários (90 a 94 anos), 53 octogenários (80 a 89) e 228 pessoas na casa dos 70 anos – todas dispostas a deixar de lado, por alguns dias, a aposentadoria. Enquanto a bolar rolar em campo, cumprirão jornadas diárias de quatro horas por, no mínimo, sete dias seguidos ou intercalados, e sem qualquer remuneração. Em troca apenas de uniforme, alimentação e transporte.
No programa de voluntariado da Fifa, 2.750 pessoas acima de 60 anos se inscreveram, mas a entidade não divulgou quantas nessa faixa etária foram recrutadas para trabalhar efetivamente na Copa. Sabe-se apenas que 15 mil foram selecionadas pela entidade.
Tarefas divididas
Ao contrário dos voluntários selecionados pela Fifa – que atenderão as arenas, os centros de treinamento de seleções e os campos oficiais –, os escolhidos pelo Ministério do Esporte atuarão em pontos de mobilidade (estações de metrô e ônibus), aeroportos, eventos de exibição pública, áreas de fluxo (shoppings e pontos turísticos), entorno dos estádios e centros de mídia.
Tudo bem definido: enquanto aqueles sob a responsabilidade do Comitê Organizador Local (COL) atendem os jogadores e a “família Fifa”, os voluntários escalados pelo ministro Aldo Rebelo darão suporte aos torcedores, à imprensa, aos turistas e ao público em geral.
Até o fechamento desta reportagem, o Ministério do Esporte não respondeu em que cidades nem quais funções os 297 idosos selecionados pelo Programa Brasil Voluntário exercerão durante o Mundial.
De acordo com o site Contas Abertas, apesar de a Fifa ter conseguido o recorde de 152 mil inscritos como voluntários, o governo federal deve gastar R$ 30 milhões com o seu programa de voluntariado em 2014. “O valor corresponde à dotação atual do plano de implementação do programa de voluntariado da Copa do Mundo Fifa 2014, coordenada pelo ME”.
Risco maior
Por se tratar da terceira idade, o cuidado com a segurança e o bem-estar desse grupo em particular deve ser redobrado. Especialmente quando há expectativa de protestos violentos nas ruas. Como os voluntários do governo são esperados para atuar em locais públicos e abertos, é de se esperar que os idosos possam ficar mais desprotegidos do que os voluntários do COL/Fifa.
Para o especialista em seguros Sérgio Henrique Magalhães, que participou da licitação do Ministério do Esporte, “os idosos requerem cuidados especiais”. Ele lembra o incidente ocorrido há poucos dias na Arena das Dunas (RN) em que várias pessoas passaram mal por causa do calor. “Será que os idosos terão alimentação e hidratação diferenciada?”
A preocupação também é maior em cidades-sedes conhecidas pelas elevadas temperaturas, como Cuiabá, Manaus, Recife e Fortaleza. Além de Brasília, que costuma apresentar baixa umidade do ar nos meses de junho e julho.
Sérgio ressalta ainda que, se um idoso de idade avançada tropeçar e quebrar o fêmur, por exemplo, ele poderá ficar inválido. O que certamente não aconteceria com alguém bem mais novo. “Quanto maior a idade, maior o risco”, conclui.
Segundo o edital lançado pelo ministério, se por algum acidente pessoal o segurado morrer ou sofrer lesão física que cause invalidez permanente total ou parcial e torne necessário tratamento médico, a indenização será de R$ 100 mil.
Fiscalização
O advogado Claus Nogueira Aragão, especializado em Direito do Trabalho e do Desporto, afirma que, “para começar, qualquer relação de trabalho voluntário com entidade privada com finalidade lucrativa – no caso a Fifa – viola todas as normas de trabalho no Brasil”.
Questionado se o Estatuto do Idoso corre o risco de ser desrespeitado durante a Copa com tantos voluntários na terceira idade, Claus destaca a importância da fiscalização por parte dos órgãos competentes. “Se for constatado qualquer abuso, se o trabalho for inadequado ou degradante e comprometer a saúde do idoso, a Fifa deverá ser denunciada e acionada na Justiça”, afirma.
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