ISTOÉ
Vai ser mais difícil roubar?
O julgamento do mensalão no STF – que condenou 22 dos 37 réus, até agora – tem tudo para deixar um importante legado no combate à impunidade e à corrupção no País. Na avaliação de juristas, cientistas políticos e dos próprios ministros do STF ouvidos por ISTOÉ, as condenações históricas do mensalão podem mudar a maneira de se fazer política no Brasil. E, principalmente, inibir a ação dos corruptos. O recado é claro: roubar ficou mais difícil. A partir de agora, por exemplo, montar caixa 2 em campanhas eleitorais não será, como alegavam os políticos, algo corriqueiro e próprio do sistema brasileiro. A prática simplesmente deixou de ser considerada um crime menor e, no entendimento da corte, sempre vem acompanhadade outros delitos.
O foro privilegiado também não mais significa impunidade para quem tem mandato. Se, até então, o STF demonstrava dificuldades em julgar processos que dependiam da atuação de magistrados na fase de instrução, agora esses obstáculos foram removidos. O tribunal passou a nomear juízes de primeira instância para auxiliar os ministros, o que acelerou a tramitação dos processos e o julgamento. Ao firmarem convicção de que o autor do ato ilícito não é só quem executa, mas quem planeja e acompanha o desenrolar das ações ilegais, os ministros do STF colocaram na mira o mentor intelectual da corrupção. Agora, a responsabilidade não poderá ser transferida para funcionários subalternos e servidores mequetrefes. “O entendimento do tribunal contra a alegação de desconhecimento para derrubar a falta de provas diretas contra os chefes não funcionará mais”, disse o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, em conversas com interlocutores. “É uma concepção de que o autor não é só quem executa, mas quem planeja”, afirmou o ministro Gilmar Mendes.
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Os avanços no plano jurídico, no entanto, não terão por si só o condão de extirpar de uma vez por todas a corrupção nas esferas governamentais. Afinal, as mazelas e os desvios da política nacional não podem ser atribuídos tão somente às inevitáveis imperfeições da alma humana. Delúbios, Valérios e companhia só conseguiram operar um audacioso esquema de compra de apoio parlamentar porque houve um ambiente favorável para essa prática. O largo espaço para a corrupção foi propiciado pelo sistema político-partidário brasileiro que, ao permitir uma inacreditável multiplicação de agremiações e a criação de verdadeiras legendas de aluguel, desembocou no que os cientistas políticos costumam chamar de presidencialismo de coalizão.
Adotado a partir da redemocratização, esse modelo deletério, baseado na política do toma la da cá e no fisiologismo, já produziu pelo menos quatro grandes escândalos na história recente do País. Além do mensalão, houve a onda de denúncias que envolveram a fixação dos cinco anos de mandato para o então presidente José Sarney, o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, e a aprovação da emenda da reeleição pelo governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997.
A caixinha das catástrofes
Catástrofes naturais não servem apenas para turbinar discursos de políticos que tentam se eleger nos municípios abalados por essas tragédias. Um cruzamento de informações realizado por ISTOÉ mostra que desastres viraram fonte de recursos para encher caixas de campanha. Em cidades de diferentes regiões do País há indícios de troca de favores entre construtoras beneficiadas com contratos sem licitação e candidatos em busca de doações eleitorais. O socorro aos flagelados vem sumindo pelos esgotos da corrupção política.
Os casos são tão variados quanto chocantes. Em Campo Grande, por exemplo, o candidato a prefeito Edson Giroto (PMDB) recebeu financiamento de pelo menos duas empreiteiras que prestaram serviços à prefeitura ou ao Estado, que é comandado pelo aliado André Puccinelli (PMDB). Uma delas, a Rosa Acorsi Engenharia, embolsou meio milhão do governo pela prestação de serviços que tiveram o próprio Giroto como ordenador de despesas, quando ele era secretário de obras. Em Alagoas, uma mesma empreiteira negociou com políticos de partidos diferentes, mas que se valem do cargo para inchar o caixa de campanha.
A Arquitec lidera os contratos de casas populares no município alagoano de Penedo, onde também reconstruiu creches e escolas. Não por acaso, ela é a maior doadora da campanha de reeleição do prefeito Israel Saldanha (DEM), que a contratou sem licitação. A construtora consta da lista de fornecedores de obras emergenciais de outras cidades alagoanas e também fez doações ocultas para a campanha de Ronaldo Lessa (PDT) à Prefeitura de Maceió. Para não aparecer, ela entregou pelo menos R$ 200 mil ao partido do candidato, que encaminhou o dinheiro à campanha do pedetista. A manobra tem razão de ser: na semana passada, a empreiteira foi condenada a devolver cerca de R$ 26 milhões aos cofres públicos.
O dinheiro, segundo o Ministério Público, foi desviado do superfaturamento da obra do Hospital Geral do Estado, realizada na gestão de Lessa em Alagoas. Em Camaçari (BA), São José do Rio Preto (SP) e Florianópolis (SC), há escândalos semelhantes. A capital catarinense foi a única do País onde as irregularidades graves fizeram o Ministério da Integração sustar o repasse de R$ 10 milhões destinados a obras de contenção na praia do Pântano do Sul.
A lógica da corrupção pelo mundo
Um levantamento divulgado pela consultoria Ernst & Young no começo de junho com 1,75 mil empresários de diversos países, sendo 50 brasileiros, mostrou que 39% deles veem a corrupção como algo comum no país onde trabalham e 15% acham justo pagar propina para ganhar novos contratos. Mas a pergunta é: o que motiva esse tipo de comportamento? Por que empresários de multinacionais respeitadas concordam em se expor tanto sabendo que o risco de ser pego é cada vez maior e as consequências cada vez mais duras? Uma nova pesquisa conduzida por um grupo de estudiosos das universidades de Cambridge, na Inglaterra, e Hong Kong, na China esmiuçou 166 famosos casos de corrupção em 52 países entre 1971 e 2007 para dar uma resposta a essa pergunta. E a conclusão a que eles chegaram é tão simples quanto estarrecedora: ser corrupto é um ótimo negócio.
Para quem consegue ignorar as questões morais e vê a corrupção apenas como uma oportunidade de investimento, ela se torna quase irresistível, já que poucas empreitadas dão retorno tão rápido e tão garantido. Segundo o levantamento, para cada US$ 1 gasto em suborno por uma empresa para garantir um contrato de um órgão público, a empresa recebe, em média, US$ 11 de volta na forma de valorização em bolsa de valores ou investimento direto advindo da conquista do contrato.
“Como se isso já não bastasse como estímulo para o comportamento criminoso, em países onde a legislação é falha, como é o caso do Brasil, a opção pelo suborno infelizmente fica ainda mais fácil”, explica Walter Maierovitch, jurista e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). No País, a tipificação dos casos de corrupção ainda é problemática, o que dificulta a apuração e o indiciamento dos envolvidos. “Uma nova tipificação ajudaria”, defende ele, que lembra que há diversos projetos de lei nesse sentido.
O homem que explicou o tempo
O Brasil é o melhor país do mundo para se viver, se você é rico”, disse o historiador inglês Eric Hobsbawm numa entrevista à ISTOÉ em 1978. E, em seguida, completou: “Vivo me perguntando como pode alguém ser brasileiro sendo pobre…” Era a segunda vez que ele visitava o País. Irônico e bem-humorado, o maior historiador contemporâneo deixava claro que, além das paisagens das praias cariocas, havia se impressionado com a desigualdade brasileira. O estilo certeiro das frases era o mesmo que sempre permitiu a Hobsbawm tornar compreensível e palatável sua impressionante obra, definitiva para o entendimento da caminhada da humanidade pelos séculos XIX e XX. O olhar atento sobre a vida da sociedade que havia visto por aqui também era o mesmo que ele empregava, com rigor marxista, para fundamentar suas análises e estudos. Hobsbawm gostava de se imaginar como um observador postado “num ângulo ligeiramente oblíquo em relação ao universo”.
Morto na segunda-feira 1º, aos 95 anos, Eric John Ernst Hobsbawm foi um pensador brilhante, uma espécie de Einstein da história, que conseguiu conquistar o grande público. Em sua última passagem pelo Brasil, na Feira Literária de Paraty de 2003, comparou-se ao popstar Mick Jagger ao ser abordado por gritos de “I love you” e pedidos de autógrafos. Como historiador, considerava-se especialista apenas no século XIX, que dividiu em três eras: a das revoluções, a do capital e a dos impérios (nomes de seus três principais livros). Já o século XX, ele dizia ter “vivido”, não apenas “estudado”. Sobre esse período publicou “A Era dos Extremos” e “Tempos Interessantes”, sua tocante e crítica autobiografia. Hobsbawm não nutria uma admiração especial pelo que presenciou nos últimos tempos: “A marca realmente importante na história da segunda metade do século XX não é a ideologia nem as ocupações estudantis, e sim o avanço dos jeans.”
“Sou um anti-especialista num mundo de especialistas, um intelectual cujas convicções políticas e obra acadêmica foram dedicadas aos não intelectuais”, afirmou Hobsbawm em “Tempos Interessantes”. Ele sempre preferiu exercer um olhar elevado. Debruçava-se sobre o significado e os mecanismos que definiam um tempo histórico.
Missão Impossível
Enquanto a presidenta Dilma Rousseff foi até São Paulo reforçar a campanha de Fernando Haddad, o vice-presidente, Michel Temer, não fez diferente e mergulhou de cabeça na campanha de Gabriel Chalita (PMDB). A ação de Temer, no entanto, foi nos bastidores. Às vésperas do pleito, o vice-presidente não saiu do telefone na semana passada, tentando injetar ânimo na campanha de Chalita, que, apesar de estar atrás de Russomanno, Haddad e Serra, viu dimininuir a distância dos concorrentes.
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