Marcos Morita*
A centenária Kodak, outrora líder inconteste do mercado fotográfico, pediu concordata há algumas semanas com o objetivo de sanar uma dívida de quase sete bilhões de dólares. Vítima do próprio sucesso, não conseguiu realinhar seu modelo de negócios, sucumbindo à tecnologia digital. Apesar dos esforços no lançamento de novos produtos, venda de ativos e corte de despesas, o fato é que sua imagem está e sempre estará ligada à fotografia analógica, tal como conheceram os amantes da fita cassete, do disco de vinil e do rádio de gaveta.
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Uma época mais romântica, que começava com a escolha da marca do filme, número de poses – 12, 24 ou 36 – e da ASA, para os mais entendidos. Inseri-lo na máquina exigia também certa habilidade. Em uma viagem, não raro tínhamos que procurar pontos de venda de filmes, quase tão banais quanto encontrar cigarros. A primeira missão na volta era revelá-los, cuja empolgação era quase igual à do embarque. Enfim o grande dia: reunir a turma para rir e compartilhar os bons momentos vividos.
Em todas as etapas, desde a compra do filme, revelação e impressão das fotos, a marca Kodak estava presente. Seu domínio e verticalização era tamanho, que acredito poucos consigam citar o nome de mais de um concorrente. Centenas de milhares de funcionários envolvidos nessa operação, nos mais diversos departamentos e unidades de negócios, às vezes por décadas, em todo o globo. Para esses indivíduos, acreditar no fim da fotografia como conheceram era algo insano, assim como apregoou Theodore Levitt em seu artigo “Miopia em marketing”, sobre os magnatas das ferrovias, que nunca imaginaram que seus brinquedos pudessem ser ultrapassados por outros meios de transporte.
O planejamento tem algumas ferramentas, as quais podem ser utilizadas para a análise de cenários, dentre as quais trago a matriz de incertezas estratégicas, que categoriza em quatro quadrantes os riscos futuros, classificando-os conforme seu impacto e probabilidade de ocorrência. Vejamos, começando do menor para o maior, concentrando-se naqueles com alto impacto.
Baixa probabilidade e impacto: devem ser monitorados periodicamente pela empresa, porém sem maiores investimentos.
Alta probabilidade e baixo impacto: além do monitoramento, uma análise mais profunda deve ser necessária, porém sem necessidade de implementá-las.
Baixa probabilidade e alto impacto: monitoramento, análises e estratégias de contingência devem ser desenvolvidos. O setor de turismo e o real valorizado, assim como as exportações de commodities e o crescimento da China, talvez ainda aproveitem de longos períodos de bonança, porém serão seriamente impactados, em caso de mudanças macroeconômicas mais severas.
Alta probabilidade e alto impacto: além das ações anteriores, estratégias de reação e criação de forças-tarefa podem ser necessárias. Software livre, computação em nuvem, smartphones, aplicativos e desenvolvedores estão mexendo com a Micosoft, a qual apesar do monopólio do Windows, corre para reduzir o atraso nestas tecnologias. Quem esteve em uma lanchonete do Mc Donald’s nos últimos tempos pode ter se surpreendido com a oferta de produtos saudáveis, tais como saladas e frutas. Sinal dos novos tempos.
Voltemos algumas décadas no túnel do tempo. Uma reunião de planejamento na antiga Kodak poderia colocar a então incipiente tecnologia digital como baixo impacto, talvez como alta probabilidade. O envolvimento até o pescoço com a tecnologia vigente, o medo de perder o emprego e a soberba – característica típica dos líderes de mercado – pode ter sido alguns dos motivos para que deixassem passar a janela de oportunidade, representada pela fotografia como hoje conhecemos. Chorar pelo leite derramado não mais resolverá. O melhor remédio foi e sempre será avaliar os cenários antes de tomar decisões ou pior ainda, ignorar as ameaças.
*Mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais. Contato: professor@marcosmorita.com.br / www.marcosmorita.com.br
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