Heitor Scalambrini Costa*
O Brasil é um dos poucos países no mundo que recebe uma insolação (numero de horas de brilho do Sol) superior a 3000 horas por ano. E que na região Nordeste conta com uma incidência média diária anual entre 4,5 a 6 kWh. Por si só estes números colocam o pais em destaque no que se refere ao potencial solar.
Diante desta abundância, então porque persistimos em negar tão grande potencial? Por dezenas de anos, os gestores do sistema elétrico (praticamente os mesmos) insistiram na tecla de que a fonte solar é cara, portanto inviável economicamente quando comparadas com as tradicionais. Até a “Velhinha de Taubaté” (personagem do magistral Luis Fernando Veríssimo), que ficou conhecida nacionalmente por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo, sabe que o preço e a viabilidade de uma dada fonte energética dependem muito da implementação de políticas públicas, de incentivos, de crédito com baixos juros, de redução de impostos. Enfim, de vontade política para fazer acontecer.
O que precisa ser dito claramente para entender o porquê da baixa utilização da energia solar fotovoltaica no país é que ela não tem apoio e estímulo nem neste, nem em governos passados. A política energética na área da geração simplesmente relega esta fonte de produção. Daí, em pleno século XXI, a contribuição da eletricidade solar na matriz elétrica brasileira é pífia, praticamente inexiste.
Mesmo com a realização de dois leilões exclusivos para esta fonte energética, claramente ficou demonstrado que não basta simplesmente realizar os leilões, é necessário que o preço final seja competitivo para garantir a viabilidade das instalações. O primeiro leilão realizado a nível nacional, em outubro de 2014, resultou na contratação de 890 MW, e o valor final atingiu R$ 215,12/MWh. O segundo, realizado em agosto de 2015, terminou com a contratação de 833,80 MW, a um valor médio de R$ 301,79/MWh. Ainda em 2015, em novembro próximo, será realizado um terceiro leilão especifico para a fonte solar.
Por outro lado, a geração descentralizada – aquela gerada pelos sistemas instalados nos telhados das residências – praticamente não recebe nenhum apoio governamental, apesar do enorme interesse que desperta, segundo pesquisas de opinião realizadas junto à população.
Mesmo com a vigência da Norma Resolutiva 482/2012, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que estabeleceu regras para a micro (até 100 kW) e a mini geração (entre 100 kW e 1.000 kW), não foi suficiente para alavancar o uso desta fonte energética. Os dados estão ai. A norma permite, por exemplo, que consumidores possam gerar sua própria energia e trocar o excedente por créditos que dão desconto em futuras contas de luz.
Segundo a própria Aneel, a evolução acumulativa do numero destes sistemas implantados foi:
– 2013: jan a mar – 8 / abr a jun – 17 / jul a set – 43 e out a dez -75
– 2014: jan a mar – 122 / abr a jun – 189 / jul a set – 292 / out a dez – 417
– 2015: jan a mar – 541 / abr a jun – 725 (deste total 681 são sistemas fotovoltaicos, 4 biogás, 1 biomassa, 11 solar/eólica, 1 hidráulico, 27 eólico).
Estes números são insignificantes quando comparado, por exemplo, com a Alemanha que dispõe de mais de um milhão de sistemas instalados nos telhados das residências.
Fica mais que evidente que obstáculos persistem para o crescimento e uma maior participação da eletricidade solar na matriz elétrica. O que depende para transpor os obstáculos são políticas públicas voltadas ao incentivo da energia solar. Por exemplo, a criação pelos bancos oficiais de linhas de credito para financiamento com juros baixos, a redução de impostos tanto para os equipamentos como para a energia gerada, a possibilidade de ser utilizado o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) para a compra dos equipamentos e mais informação através de propaganda institucional sobre os benefícios e as vantagens da tecnologia solar.
Mas o que também dificulta enormemente, no que concerne a geração descentralizada é as distribuidoras, que administram todo o processo desde a análise do projeto inicial de engenharia até a conexão a rede elétrica. Cabe às distribuidoras efetuarem a ligação na rede elétrica, depois de um burocrático e longo processo administrativo realizado pelo consumidor junto à companhia.
E convenhamos, aquelas empresas que negociam com energia (compram das geradoras e revendem aos consumidores) não estão nada interessadas em promover um negócio que, mais cedo ou mais tarde, afetará seus lucros. Isto porque o grande sonho de consumo do consumidor brasileiro é ficar livre, não depender das distribuidoras com relação à energia que consome. O consumidor deseja é gerar sua própria energia.
Ai está o “nó” do problema que o governo não quer enfrentar. O lobby das empresas concessionárias, 100% privadas, dificulta o processo através de uma burocracia infernal, que nem todos que querem instalar um sistema solar estão dispostos a enfrentar. Enquanto que em dois dias você instala os equipamentos na sua residência, tem que aguardar quatro meses para estar conectado na rede elétrica.
O diagnóstico dos problemas encontrados é quase unânime. Só não “enxerga” quem não quer. E não “enxergando” essas falhas, os obstáculos não serão suplantados. Assim o país continuará patinando, mergulhado em um discurso governamental completamente deslocado da realidade.
Acordem “ilustres planejadores” da política energética, pois a sociedade não aceita mais pagar pelos erros cometidos por “vossas excelências”. Exige-se mais democracia, mais participação, mais transparência em um setor estratégico, que insiste em não discutir com a sociedade as decisões que toma.
* É professor da Universidade Federal de Pernambuco
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