Formados em Direito, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro, recorreram às redes sociais para defender publicamente o pai. O posicionamento deixa subentendido que eles reconhecem a existência de um plano para assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Os parlamentares afirmam, no entanto, que o planejamento da morte em si não caracteriza crime, conforme a legislação. Para criminalistas ouvidos pelo Congresso em Foco, essa estratégia de defesa é equivocada e pode ser um verdadeiro tiro no pé do ex-presidente.
Veja a íntegra do relatório da PF que aponta Bolsonaro como mentor de golpe
“Quer dizer que, segundo a imprensa, um grupo de 5 pessoas tinha um plano para matar autoridades e, na sequência, eles criariam um ‘gabinete de crise’ integrado por eles mesmos para dar ordens ao Brasil e todos cumpririam? Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime. E para haver uma tentativa é preciso que sua execução seja interrompida por alguma situação alheia à vontade dos agentes”, escreveu Flávio Bolsonaro no X, antigo Twitter.
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A afirmação do senador também foi seguida pelo irmão Eduardo Bolsonaro em outra publicação, na qual disse: “Sem ato, não há fato. Se a execução não começou, não há que sequer falar em tentativa”.
Em tese, tal afirmativa não é incorreta do ponto de vista legal, conforme explica o advogado Oberdan Costa. Segundo o especialista, de fato, a legislação vigente não define planejamento como delito em si. Ele ressalta, porém, que as acusações que recaem sobre o ex-presidente não são de um crime qualquer. Mas de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
“Os crimes que Jair Bolsonaro cometeu, segundo os fatos apurados da Polícia Federal, se eles forem verdadeiros, não são de homicídio. Jair Bolsonaro e seus supostos comparsas teriam objetivado não simplesmente matar Lula, Alckmin e Moraes. Eles objetivaram derrubar o Estado Democrático de Direito mediante essas três mortes e outras ações que estão lá descritas”, explica o advogado.
Para Oberdan Costa, a “moldura fática” dada por Flávio Bolsonaro é “equivocada” por não se tratar de homicídio por si só, mas de por se tratar de uma estratégia como meio para um golpe de Estado. Conforme o relatório da Polícia Federal, Bolsonaro tinha “pleno conhecimento” do planejamento operacional registrado no documento “Punhal Verde Amarelo” e das ações clandestinas do grupo “Copa 2022”, onde o atentado contra Moraes foi discutido.
“Os dois crimes que a PF imputou ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que são o golpe de Estado e a abolição violenta do Estado democrático de direito, são puníveis a partir da própria tentativa, conforme o Código Penal”, acrescenta o advogado. “Na tentativa, o crime já está completo. Isso não foi uma tentativa de abolição do Estado democrático de direito, e sim um e um crime de abolição violenta do Estado democrático de direito perfeitamente consumado”.
Coordenador do Grupo Prerrogativas, coletivo de advogados e juristas com posições progressistas, o advogado Marco Aurélio de Carvalho questiona se as falas dos parlamentares podem ser chamadas de estratégia. “Eu não sei se é estratégia, mas, de qualquer forma, eles confessaram, de fato, o planejamento. E vão ter implicações jurídicas. Se for uma estratégia, enfim, é uma estratégia ousada, polêmica e que me parece muito equivocada”, aponta.
O advogado acrescenta que “o caminho da descredibilização, seguramente, não é o caminho mais inteligente” para defender o ex-presidente das acusações. “As instituições são fortes, são rígidas e estão funcionando no Brasil, promovendo investigações absolutamente independentes, sérias e inquestionáveis, sob todo e qualquer aspecto”.
A estratégia da defesa de Bolsonaro, de acordo com as últimas declarações, é afirmar que o então presidente discutiu apenas o processo eleitoral e artigos da Constituição. Oberdan Costa avalia que uma estratégia de defesa mais eficaz seria seguir o que foi dito pelo ex-chefe do Executivo e tentar se desvincular dos militares indiciados no inquérito. Ao todo, 37 pessoas foram indiciadas, incluindo ex-ministros e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
A reportagem do Congresso em Foco foi orientada pelo gabinete do senador Flávio Bolsonaro a procurar o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno, que defende o ex-presidente no caso, para comentar o assunto. Não houve retorno até o momento. Fábio Wajngarten, advogado que também assessora Bolsonaro, não quis se manifestar.