Época
Tudo em família
O concurso do Senado Federal realizado no dia 11 de março foi um dos mais esperados e concorridos dos últimos anos. Mais de 158 mil inscritos disputaram 246 vagas, o que dá uma média de incríveis 642 candidatos por posto de trabalho. Além de passar meses estudando, cada pretendente teve de pagar R$ 200 pela inscrição e enfrentar cinco horas de prova. Mas nem todos precisam encarar essa maratona para realizar o sonho de trabalhar no Senado. Um levantamento feito por ÉPOCA na folha de pagamentos do Senado mostra que há uma via bem mais fácil para conquistar um emprego na Câmara Alta do Congresso Nacional.
O Senado abriga hoje pelo menos 78 parentes – nenhum deles concursado – de senadores, suplentes, políticos influentes ou funcionários da Casa. Os salários partem de R$ 1.601,46 e podem chegar a R$ 19.194,77. As nomeações ocorrem apesar dos avanços obtidos após a famosa crise dos atos secretos, que tomou conta da Casa em 2009. Depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) vetar, em 2008, a contratação de parentes de até terceiro grau em órgãos públicos, o Senado deixou de publicar no Diário Oficial os atos relacionados às pessoas que seriam atingidas pela súmula.
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Uma manifestação comum desse novo nepotismo é a livre nomeação de primas e primos, próximos ou distantes. A decisão da Justiça e o decreto de Lula classificam primo – mesmo aquele bem próximo, com quem a pessoa brincava na infância – um parente de quarto grau, fora do veto do Supremo. No Senado, pelo menos sete parlamentares são adeptos dessa modalidade. O campeão é o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que nomeou dois primos: Fernando Neves Banhos, lotado em seu próprio gabinete, e Susana Neves Cabral, que atua no escritório de apoio político do senador no Rio de Janeiro. Susana foi casada com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB).
A segunda modalidade de neonepotismo no Senado é o emprego de parentes de suplentes – aqui a criatividade anda mais solta. Nem sempre o parente do suplente é contratado pelo senador titular da chapa, como no caso de Rui Parra Motta, segundo suplente do senador Acir Gurgacz (PDT-RO). O Senado tem atualmente 6.241 nomes listados em sua folha de pagamentos. Metade passou por concurso, metade foi nomeada. A súmula do STF proíbe a contratação de pais, filhos, irmãos, tios, netos ou cunhados de servidores concursados em cargo de chefia. Mas há dúvidas jurídicas se o mesmo vale para os nomeados.
Um espião na Esplanada
Na história da espionagem são raros os episódios em que um agente duplo é flagrado em plena atividade e sua identidade é revelada ao público. São tão raros que seus nomes ficam conhecidos. Duas semanas atrás, ÉPOCA revelou um desses casos. Trata-se do ex-auditor fiscal Pedro dos Santos Anceles, defenestrado em novembro passado pelo ministro Guido Mantega, da Fazenda, por improbidade administrativa. Foram várias as irregularidades cometidas por Anceles e descobertas pela Corregedoria da Receita Federal. Entre outras práticas, ele faltava ao trabalho para prestar consultoria à iniciativa privada e simulava palestras para repassar a seus clientes conhecimentos que deveriam ficar restritos ao Fisco. De acordo com novos documentos obtidos por ÉPOCA, Anceles não agiu somente no Fisco. Sua atuação se estendeu pela Casa Civil, da então ministra Dilma Rousseff, pelo gabinete do ministro Mantega e até por um grupo de trabalho criado por ordem do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Istoé
A cara da crise
Os sobressaltos políticos vividos pelo governo no Congresso nas últimas semanas têm vários responsáveis. E seria uma tarefa hercúlea ousar apontá-los com precisão cirúrgica e sem cometer injustiças. Mas poucos políticos personificam tão bem a crise na relação do governo com a base aliada como o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). O deputado é a cara de uma prática política, baseada no fisiologismo, que a sociedade não tolera mais. Representa um grupo de parlamentares que insiste em transformar em moeda de troca projetos decisivos para o País. E, para terem seus interesses atendidos, esses políticos lançam mão da chantagem. Isso não seria uma ameaça às boas maneiras republicanas se Alves não tivesse poder. Mas o problema é que ele tem. Muito. E demonstrou isso durante a última semana, quando interferiu diretamente no adiamento das votações no Congresso. Na quarta-feira 21, atuando como porta-voz de uma ala empenhada em pressionar por cargos e verbas públicas, como condição para manter a fidelidade ao governo Dilma Rousseff, Alves ajudou a orquestrar a obstrução da sessão plenária que votaria a Lei Geral da Copa e discursou afirmando, com cara de anjo, que sua atitude era um “bem que faria ao governo pelo risco de derrota iminente”.
O discurso de Alves agradou aos deputados da base aliada e funcionou como palavra de ordem da semana marcada por derrotas do governo no Parlamento. A maioria delas trazia as digitais do líder do PMDB na Câmara, que só tem olhos para sua candidatura à presidência da Casa no próximo ano. Entre os projetos de interesse do governo e seu sonho de poder, prevalece a preocupação em conquistar apoio dos colegas para suceder Marco Maia no comando da Câmara. “Acho que essas atitudes do líder refletem a pressão que ele sofre da nossa bancada. Não é pouco ter mais de 50 deputados insatisfeitos. Esses parlamentares o levam a reagir contra o governo e ele tem de agir como quer a maioria”, avalia Aníbal Gomes (PMDB-CE). Na verdade, Alves, em seus 40 anos de vida parlamentar, habituou-se como poucos a fazer o jogo fisiológico. O líder do PMDB se diz pressionado pelas bases, mas, na prática, é dele que partem as maiores pressões contra o Planalto. Mas Alves não age sozinho. Ao seu lado, atua com grande desenvoltura Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um político com tentáculos em cargos de segundo escalão e disposto a declarar guerra para garantir seu latifúndio. Outro aliado de peso nas artimanhas para intimidar o Planalto é o deputado Danilo Fortes (PMDB-CE), que comandou por três anos a Fundação Nacional de Saúde por indicação de Alves.
Senado sonegador
Quatro processos de investigação começaram a tramitar simultaneamente na Receita Federal na semana passada. Eles se referem a uma das regalias desfrutadas por congressistas brasileiros: o recebimento dos 14º e 15º salários sem a necessidade de descontá-los no imposto de renda. Isso ocorre graças a uma artimanha. Esses vencimentos são declarados como verba de gabinete, aquela que o parlamentar pode utilizar livremente para pagar funcionários e custear gastos com o mandato. Mas a mordomia está com os dias contados, no que depender da Receita.
Na alça de mira dos fiscais, está o Senado Federal. Em documento encaminhado pelo Fisco à Casa Legislativa, ao qual ISTOÉ teve acesso, é questionada a justificativa usada para o não recolhimento de impostos referentes a dois salários extras pagos por ano aos parlamentares, sob o pretexto de despesa indenizatória. A sonegação acontece desde 1995, quando um decreto do próprio Senado estipulou o pagamento dos 14º e 15º salários a cada parlamentar. Embora a benesse seja equivalente ao valor integral dos vencimentos, a administração da Casa, ao qualificar a despesa como ressarcimento de custeio, libera os nobres senadores de recolher 27% desse valor aos cofres públicos.
Interesses em conflito
A eleição da deputada federal Ana Arraes para o Tribunal de Contas da União (TCU), em setembro, foi resultado de uma intensa articulação do PSB na Câmara dos Deputados e junto ao Palácio do Planalto. O principal cabo eleitoral da parlamentar foi o próprio filho, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Toda essa mobilização levantou dúvidas sobre a imparcialidade da nova ministra no julgamento de contas de interesse dos socialistas. Para afastar as suspeitas, Ana Arraes logo declarou que não analisaria nenhum processo ligado ao Estado de Pernambuco e aos órgãos administrados pelo PSB. “Os requisitos que os ministros do TCU têm são os mesmos dos juízes. Estou impedida por lei”, disse. Mas não é bem isso o que tem ocorrido. Levantamento feito por ISTOÉ mostrou que Ana Arraes já relatou no TCU ao menos 15 acórdãos envolvendo o Ministério da Integração e o estado de Pernambuco, governado pelo seu filho.
No início do ano, por exemplo, a ministra não se negou a relatar o acórdão de um rumoroso processo envolvendo o Ministério da Integração, sob o controle do PSB, e o consórcio Logos-Concremat. O consórcio foi acusado pelo próprio TCU de fraudar a execução de um contrato de gerenciamento de obras da transposição do rio São Francisco. O procurador-geral do TCU, Lucas Furtado, determinou em relatório que o ministério cobrasse das empreiteiras a devolução aos cofres públicos de até R$ 27 milhões decorrentes de sobrepreço na mão de obra e no custo direto. Caso o governo não o fizesse em 180 dias, o tribunal recomendava a anulação do contrato. Mas um novo relatório assinado por Ana concedeu ao ministério mais 120 dias de prazo para o cumprimento de determinações do TCU. Esse adiamento torna mais difícil a recuperação do dinheiro e permite que a empresa, acusada de fraude pelo próprio órgão de fiscalização, continue executando o contrato.
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