O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso, voltaram a se estranhar publicamente nesta sexta-feira (11). A desavença, desta vez, foi originada pela instalação de uma comissão no Senado, na quinta-feira, para apurar o pagamento de salários acima do teto constitucional do funcionalismo, os chamados supersalários. Pela Constituição, nenhum servidor pode receber mais que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), cujo vencimento hoje é de R$ 33,7 mil. Para o presidente da Ajufe, a criação do colegiado é uma “retaliação” e uma tentativa de intimidar o Judiciário e as operações policiais em andamento no país, como a Lava Jato, da qual o senador alagoano é um dos principais alvos.
Em comunicado divulgado esta tarde, Renan rebateu a declaração dada ontem por Veloso de que o Senado e a Câmara pagam os maiores salários da administração pública. O presidente da associação dos magistrados disse que o Congresso deveria começar sua investigação “dentro de casa” pela elevada remuneração de seus funcionários. Segundo ele, há ascensoristas na Casa ganhando mais que ministro do Supremo.
Expurgo de “exorbitâncias”
Na nota dirigida publicamente à associação, Renan afirmou que o objetivo da comissão é “aferir a correta aplicação” do teto nos três Poderes e que o Senado já “expurgou as exorbitâncias” e obedece o limite constitucional desde outubro de 2013. “Não se cuida, portanto, de iniciativa contrária a ninguém individualmente”, reforçou o senador.
No início da noite, Roberto Veloso voltou a contestar Renan. “É de estranhar que somente agora, quando o Judiciário está empenhado no enfrentamento da corrupção, venham iniciativas do tipo controle de salários, abuso de poder e crimes de responsabilidade de juízes de primeiro grau, levando à conclusão que se trata de ameaças de intimidação da magistratura”, afirmou o magistrado.
Para o presidente da Ajufe, um indício de que o Senado está retaliando o Judiciário é que, em 2011, a Mesa Diretora da Casa recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para que o teto não fosse observado por seus servidores. “Tendo obtido ganho de causa, fazendo com que servidores de nível técnico percebam igual ou mais do que um ministro do Supremo Tribunal Federal”, rebateu.
Horror e acinte
Investigado na Operação Lava Jato, Renan tem defendido a aprovação de medidas que contrariam magistrados, procuradores e promotores, como o projeto que lista 29 condutas passíveis de punição na Lei de Abuso de Autoridade.
Levantamento divulgado no mês passado pelo jornal O Globo mostra que três de cada quatro magistrados da Justiça comum ultrapassam o teto, ao acumular salários e outros benefícios atrelados ao exercício da magistratura. Segundo o jornal, quase 11 mil juízes recebem além do limite constitucional. Ontem Renan usou exemplo de juízes que ganham acima do teto para chamar a prática de “horror e acinte”.
“Não tem sentido, absolutamente nenhum sentido, que esses sacrifícios não sejam distribuídos com a sociedade e que tenhamos no Brasil segmentos que são inatingíveis”, declarou Renan ao instalar o colegiado. De acordo com ele, o debate é urgente em um momento em que o governo federal trabalha para aprovar medidas para equilibrar as contas, como a proposta de emenda à Constituição (PEC 55) que limita os gastos públicos e a reforma da Previdência.
Gastança
A relatora da comissão, Kátia Abreu (PMDB-TO), terá 20 dias para apresentar suas conclusões. “Essa comissão do extra teto objetiva exatamente levantar em todos os poderes da República quais são os salários acima do teto para estabelecer uma regra rapidamente e resolver também a desvinculação dos subsídios dos ministros dos tribunais superiores com a administração como um todo, inclusive com os estados”, disse Renan.
As duas principais entidades que representam a magistratura, a Ajufe e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), defendem a legalidade das gratificações e outros benefícios que fazem, na prática, os ganhos mensais de juízes e desembargadores ultrapassarem o teto. Segundo as associações, as verbas extras não violam a Constituição e decorrem da falta de reajustes anuais, também previstos constitucionalmente.
Supersalários no Congresso
Em 2011, o Congresso em Foco revelou quais eram os funcionários do Senado que ganhavam até R$ 45 mil por mês. Os dados, de 2009, mostraram salários bem acima o limite de remuneração da época, que era de R$ 24,5 mil. A Revista Congresso em Foco trouxe novas informações posteriormente. Mostrou que, em 2011, graças ao plano de carreira obtido pelos funcionários do Senado, os salários subiram bastante. Batiam nos R$ 55 mil na maioria dos meses, chegando a R$ 106.649,69, em alguns deles.
Após a divulgação dos supersalários do Senado, mais de 50 ações foram movidas por funcionários da Casa contra o site, alegando que sua privacidade havia sido violada. O argumento deles foi rejeitado pela Justiça. Prevaleceu a tese de que o salário do servidor é público. Servidores da Câmara também recebiam acima do teto constitucional. Por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), o excedente teve de ser cortado.
Nota divulgada por Roberto Veloso, presidente da Ajufe esta noite (11):
“Leva-se mais à conclusão de que está havendo retaliação quanto às operações em curso no Brasil, porque em 2011 a mesa diretora do Senado entrou com recurso no Tribunal Regional Federal da 1 Região para que o teto constitucional não fosse observado pelos servidores daquela casa legislativa, tendo obtido ganho de causa, fazendo com que servidores de nível técnico percebam igual ou mais do que um ministro do Supremo Tribunal Federal.”
Nota divulgada por Renan Calheiros esta tarde:
“Em face das recentes manifestações da AJUFE, o presidente do Congresso Nacional vem a público, respeitosamente, reafirmar que o foco exclusivo da Comissão instituída no âmbito do Senado Federal é aferir a correta aplicação do teto remuneratório constitucional nos três Poderes. Não se cuida, portanto, de iniciativa contrária a ninguém individualmente.
O propósito da Comissão é receber contribuições de todos os segmentos interessados para, rapidamente, encontrar uma solução institucional e legal para os excessos encontrados.
Com total transparência, os presidentes dos três Poderes, o chefe do Ministério Público e entidades classistas serão ouvidos sobre os estipêndios exorbitantes auferidos por agentes públicos em todas as esferas de poder.
A iniciativa tem como foco exclusivo o cumprimento da Constituição Federal, aplicável a todos os brasileiros. Neste momento de recessão econômica, desemprego e reforma da previdência, que exige austeridade das contas públicas e o sacrifício de todos, é um acinte à sociedade que alguns privilegiados integrantes de setores do serviço público sejam premiados com ganhos francamente inconstitucionais.
A Comissão já dispõe de um calendário que contemplará todos os setores envolvidos nessa discussão. Importante esclarecer que o Senado Federal, aliás, já expurgou as exorbitâncias e aplica o teto constitucional desde outubro de 2013.
Assessoria de imprensa”
Nota divulgada nessa quinta pelo presidente da Ajufe:
“Resposta do presidente da Ajufe, Roberto Veloso: Os maiores salários da administração pública estão entre os servidores da Câmara e do Senado Federal, com ascensoristas ganhando mais do que ministro do Supremo Tribunal Federal. A comissão instituída pelo senador Renan Calheiros deve começar a sua investigação dentro de casa, que é onde se menos respeita o teto constitucional. Podemos garantir que na Justiça Federal há respeito ao teto salarial do serviço público, inclusive verbas relativas à acumulação de funções jurisdicionais são cortadas para garantir a observação da norma constitucional.”
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