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“Eu tinha esperança de que o inquérito não seria aberto”, disse Delgado à reportagem, acrescentando que nada lhe foi encaminhado a título de oficiamento, nem ao seu gabinete, com referência ao inquérito.
Sob segredo de Justiça, o processo foi provocado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) devido a indícios de que Delgado pode ter recebido propina do esquema de desvios de recursos da Petrobras. A suspeita decorre de depoimentos, em regime de delação premiada (que exige provas), feitos pelo empresário Ricardo Pessoa, proprietário da empreiteira UTC e tido como chefe do cartel de empresas que fraudavam contratos na petrolífera. O grupo agia com a ajuda de políticos, doleiros e demais operadores junto a partidos com assento no Congresso.
Na entrevista à reportagem, Júlio disse que seu erro foi ter sido convencido por um correligionário a participar de reunião com Ricardo Pessoa, apenas uma vez, e na ocasião ter tratado de repasse de verbas de campanha que, diz o deputado, acreditava ser dinheiro legal regularmente doado para pleitos eleitorais. Acusado pelo recebimento de R$ 150 mil, Júlio Delgado garante que os recursos foram distribuídos a 16 candidatos do PSB.
“Eu não recebi um centavo”, assegurou o deputado, que deixou a CPI da Petrobras depois dos desdobramentos da Lava Jato. A decisão extrema foi anunciada na última terça-feira (15), diante de Ricardo Pessoa – que foi desobrigado pela Justiça de dar respostas ao colegiado. Na ocasião, Delgado voltou a negar as acusações.
“Eu estive com o senhor uma única vez na minha vida, acompanhado pelo presidente do PSB em Belo Horizonte (MG), para pedir contribuição de campanha oficial ao partido e o senhor sabe disso. Que tipo de contrapartida eu ofereci ao senhor em troca desse dinheiro? O que o levou a fazer as acusações infundadas contra mim, de acordo com a Veja?”, questionou Delgado, sem obter de Pessoa qualquer resposta.
Sombras na CPI
Delgado disse ainda ficar perturbado apenas por desconfiar de que alguém o esteja querendo entre os suspeitos para enfraquecer os trabalhos da CPI. Dizendo que era um dos mais atuantes do colegiado, o deputado lembra ter ele mesmo protagonizado os esforços pela convocação de seu delator e, na CPI da Petrobras de 2014, subscreveu o pedido de indiciamento de Pessoa.
“O que me burila é não saber quem está por trás disso”, acrescentou. Por meio de nota (íntegra abaixo), na qual reitera a presunção de inocência, Delgado relata a interpelação feita ao empreiteiro. “O empresário calou-se, respondendo com seu silêncio. Frente a frente, disse que Ricardo Pessoa mentiu a meu respeito.”
Por ter agora inquérito contra si no Supremo, o deputado foi excluído da votação do Prêmio Congresso em Foco 2015. Segundo as regras da premiação, apenas parlamentares que não respondem a inquérito ou ação penal estão aptos a serem votados. A votação se encerra neste domingo (20). Entre aqui para votar.
Confira a íntegra da nota de Júlio Delgado encaminhada à redação:
“Nota de esclarecimento
Desconheço a existência de qualquer investigação envolvendo o meu nome que tenha sido aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Novamente, estou sendo procurado pela imprensa para falar sobre um eventual inquérito relacionado com a reportagem da revista Veja, de junho deste ano. Na ocasião, Veja divulgou que o delator Ricardo Pessoa, da UTC, teria me citado em sua delação premiada. Diante disso, reitero:
1) Não recebi qualquer recurso do Grupo UTC para a minha campanha eleitoral. Em agosto de 2014, eu era o presidente do PSB do Estado de Minas Gerais quando um repasse de 150 mil reais foi feito pela empresa diretamente para a conta bancária do partido. A referida doação de campanha foi destinada a 16 candidatos a deputados estaduais e federais do PSB. Todas as transferências estão declaradas à Justiça Eleitoral e disponíveis para consulta pública;
2) Desde o primeiro dos meus cinco mandatos como deputado federal, escolhi o caminho da ética e de defesa boa política. Por isso, sempre fui um parlamentar atuante nos processos de investigação na Casa. Na CPMI da Petrobras, encerrada em dezembro de 2014, apresentei cinco requerimentos de investigação e votei a favor de pedidos semelhantes de iniciativa de deputados e senadores;
3) No primeiro dia de instalação da CPI de Petrobras na Câmara dos Deputados, em março deste ano, apresentei requerimento de convocação para depoimento de todos os proprietários das empresas envolvidas nas denúncias da Operação Lava Jato da Polícia Federal, inclusive o sócio majoritário da UTC;
4) Na última terça-feira (15.09), finalmente, o dono da UTC compareceu à reunião da CPI da Petrobras. Então, tive a oportunidade de inquiri-lo de maneira enfática sobre as informações infundadas prestadas por ele durante a delação, segundo a reportagem de Veja. O empresário calou-se, respondendo com seu silêncio. Frente a frente, disse que Ricardo Pessoa mentiu a meu respeito. Enfatizei que nunca fiz nada para beneficiá-lo na CPMI da Petrobras em 2014. Pelo contrário, votei a favor do relatório paralelo do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que recomendava o indiciamento do delator;
5) Por uma questão de coerência moral e política, na mesma reunião da CPI da Petrobras, formalizei o meu afastamento da Comissão. Sempre defendi que todo e qualquer homem público deve se afastar para que as investigações ocorram com lisura, isenção e transparência.
Tenho a consciência tranquila da total legalidade e da licitude dos meus atos. Sou o maior interessado no esclarecimento dos fatos. Devo isso aos mineiros que me escolheram para representá-los no Parlamento brasileiro. Historicamente sempre defendi que toda denúncia deve ser investigada, contra tudo e contra todos, doa a quem doer. Essa é a postura que tenho adotado na minha vida. Quem nada deve, nada teme. É o meu caso.
Deputado Federal Júlio Delgado (PSB-MG)”
Lava Jato: ministro do STF autoriza investigação de Júlio Delgado