Presidenciáveis que participaram do debate realizado na TV Record (veja a íntegra no vídeo abaixo) aproveitaram para surfar na onda das manifestações organizadas por mulheres contra Jair Bolsonaro (PSL) em todos os estados brasileiros e em dezenas de cidades mundo afora. De olho no eleitorado feminino, maioria no Brasil, quase todos os oito candidatos presentes teceram elogios à mobilização feminina, aproveitando para direcionar a mira da artilharia para o próprio ex-capitão do Exército – um dos principais alvos da noite, aliás.
Oito presidenciáveis participaram do debate – Alvaro Dias (Podemos), Cabo Daciolo (Patriota), Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (Psol), Henrique Meirelles (MDB) e Marina Silva (Rede). Coube aos jornalistas Adriana Araújo e Celso Freitas a mediação de perguntas e respostas.
Bolsonaro convalesce de duas cirurgias e 23 dias de pós-operatório feitos no hospital Albert Einstein, em São Paulo, e diz cumprir recomendações médicas para não ir a debates pelos próximos dias. Seus adversários dizem que ele não tem preparo para enfrentá-los diante das câmeras e usa o atentado que sofreu como pretexto ideal para ficar em casa e escapar das polêmicas. Em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, ele disse que gostaria de participar do debate da TV Globo, na próxima quinta-feira (4), tradicionalmente o último antes da eleição presidencial. Há a expectativa de que ele vá, mas a orientação de seus médicos deve prevalecer.
Leia também
Medo da derrota
A Record optou por um formato simples, em que candidatos fizeram perguntas entre si em todos os blocos do programa, etapa seguida das tradicionais considerações finais. Única mulher no debate, Marina Silva (Rede) foi quem mais condenou a postura do ex-capitão do Exército e, com autoridade feminina, afirmou que ele também “desrespeita índios, negros, minorias”.
Em resposta a Ciro Gomes, que citou a “frase assustadora” de Bolsonaro sobre não aceitar derrota nas eleições, Marina aproveitou para ironizar o candidato. “Com essa frase, ele desrespeita também a Constituição, o jogo democrático, desrespeita a todos. Para mim, o Bolsonaro fala muito grosso, mas tem momentos em que ele amarela. Isso são palavras de quem já está com medo da derrota”, fustigou a ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula (2003-2010).
PublicidadeAssista à íntegra do debate:
Quando não atacavam Bolsonaro, alguns candidatos preferiam fazer perguntas para que seus adversários o fizessem. Ciro lembrou que o deputado, esfaqueado em 6 de setembro, já recebeu alta no sábado (29) e, ao contrário dele, que participou de debate do SBT, na semana passada, “com uma sonda perdurada na perna”, preferiu ficar fora do embate.
“Ele vem sendo desconstruído pelos seus próprios atos”, acrescentou Marina, passando a condenar o discurso violento de Bolsonaro e lembrando que, se fosse um revólver no atentado do início de setembro, o esfaqueador poderia ter feito mais vítimas além do próprio deputado.
Bolsonaro e o Bolsa Família
Depois foi a vez de Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda de Michel Temer, atacar Bolsonaro. Com seu discurso de experiência na gestão econômica, Meirelles disse que o candidato do PSL “não gosta do Bolsa Família”.
“E o vice dele quer acabar com 13º e o adicional de férias. O Paulo Guedes, que ele escolheu para a gestão da economia, quer recriar a CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira]”, provocou Meirelles, dando a deixa para que Marina, novamente ela, criticasse o deputado.
“A campanha do Bolsonaro indicou claramente que pode acabar com o 13º e recriar a CPMF. Ou seja, retira direitos do povo em um país com 13 milhões de desempregados”, devolveu Marina. “Como se não bastasse, ele ainda desrespeita mulheres, índios, negros. Eu nunca vi na minha vida um candidato que diz claramente que vai governar para os fortes, para os que têm, para os que podem. Você é eleito presidente para governar para os mais necessitados, e eu queria que ele estivesse aqui para explicar essas coisas para ele.”
Primeiramente…
Na vez de responder a Geraldo Alckmin – de quem Bolsonaro subtraiu eleitores e, também por isso, passou a ser alvo de ataques no horário político gratuito –, Guilherme Boulos fez menção imediata às centenas de pessoas, a grande maioria mulheres, que foram às ruas em todo o mundo contra o deputado do PSL.
“Primeiramente, ele não!”, começou Boulos, em alusão ao “primeiramente, fora Temer” que virou bordão político em boa parte da gestão emedebista. “Esse sábado foi o início da derrota de Jair Bolsonaro.”
Boulos havia sido instado por Alckmin a falar sobre o setor da saúde pública, e aproveitou para repudiar a PEC do Teto de Gastos, “aprovada pelo governo Temer e apoiada pelos tucanos”. Na réplica, Alckmin disse que o limite de investimentos não afeta a saúde, disse que rejeitou teto de gastos na gestão do estado de São Paulo e negou ter apoiado a PEC. Mas disse que a Emenda Constitucional 95/2016 foi necessária em nível nacional “porque o PT quebrou o país”
“Dizer que a saúde está fora da PEC do Teto é uma mentira, Geraldo Alckmin”, rebateu o líder máximo do Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Crítica tucana
Principal algoz de Bolsonaro nos programas de rádio e TV, Alckmin respondia uma pergunta de Alvaro Dias (Podemos) sobre a quantidade e os privilégios de políticos. O tucano começou a resposta se referindo à manifestação do #elenão e elogiou o “grande exemplo de civismo e da importância das mulheres na sociedade”.
Na réplica, Alvaro disse que a “reforma política matriz” consiste em rever “este sistema político corrupto”, do compadrio e da troca de favores. Referindo-se ao “centrão”, que apoia Alckmin – o mesmo grupo de partidos que amparavam a gestão do ex-deputado presidiário Eduardo Cunha (MDB-RJ) à frente da Câmara –, o senador lembrou que “arca de Noé está se desmanchando”, porque quer cargos em um governo eleito.
Foi uma menção ao fato de que membros da coligação de Alckmin – destaque para o deputado Marcos Montes (PSD-MG), que desembarcou da nau tucana para apoiar Bolsonaro – já procuram uma forma de reorientar o apoio partidário face ao fraco desempenho do ex-governador de São Paulo em pesquisas de intenção de voto. Meio sem jeito, Alckmin disse que costurou aliança para governar, e não para trocar favores.
Haddad na mira
Fernando Haddad também não escapou das críticas dos adversários a respeito do legado petista, embora em menor escala que Bolsonaro. Ao lhe direcionar sua primeira pergunta, Cabo Daciolo lembrou que Haddad é representante de Lula, preso desde 7 de abril em Curitiba (PR).
Haddad não se intimidou e disse que Lula foi “o maior presidente da história do Brasil” e sua prisão é injusta. Daciolo não deixou barato. “Um grande líder que se corrompeu no caminho. Não teve peito, coragem para libertar o nosso povo da ordem mundial que está se instalando”, divagou Daciolo.
Haddad replicou lamentando a fala do interlocutor e acrescentando que ele “desconhece a geopolítica do continente sul-americano”. “Foram criados 20 milhões de empregos em 12 anos e feito investimento maciço em educação”, defendeu-se o petista, agora recordando suas épocas de ministro da Educação de Lula. “Eu tripliquei o número de universitários no Brasil.”
Golpe
Outro que investiu no ataque ao “lulopetismo” personificado em Haddad foi Ciro Gomes, ministro da Integração de Lula entre 2003 e 2006. E Ciro o fez em duas ocasiões: na primeira, disse que Haddad está “de mãos dadas” com os “golpistas” que derrubaram, em 2016, a então presidente Dilma Rousseff; depois, disse que o ex-prefeito de São Paulo quer reformar a Constituição sem ter competência legal para isso – neste ponto do embate, comparou-o ao companheiro de chapa de Bolsonaro, que chegou a defender uma Constituição sem a participação do povo.
“Eu vetei a participação de Eunício [Oliveira, emedebista que apoiou o impeachment e tenta se reeleger senador pelo Ceará] na minha coligação, porque ele é corrupto. E você aceitou despudoradamente o apoio dele”, fustigou Ciro. Haddad se defendeu falando em tolerância político-ideológica e necessidade de diálogo para que se possa ter governabilidade.
Em relação à criação de uma assembleia constituinte especial, o petista atribuiu a ideia a Lula e acrescentou que o objetivo é criar condições para uma Constituição mais moderna, com regras para o sistema bancário, mecanismo de redução de injustiça na divisão do orçamento e providências para sanear as contas estaduais e municipais, entre outras questões.
Ciro fez nova investida. “Me desculpe, mas você não acredita numa única palavra do que acabou de dizer”, declarou o ex-governador do Ceará. “A Constituição nasceu para frear a prepotência dos poderosos.”
Presidente de quê?
O já folclórico “glória a Deus” do candidato Cabo Daciolo voltou a roubar a cena nos debates, bem como o próprio candidato, evangélico e bombeiro militar. Ele se queixou das regras alegadas pela TV Globo para excluí-lo do próximo encontro, na próxima quinta-feira (4), e voltou a falar de uma guerra que se dá “no plano espiritual, com principados e potestades”.
Daciolo ouviu a pergunta de Boulos e sua defesa embutida do MTST, reclamando que gestores ignoram o Estatuto das Cidades e negligenciam a crise de moradia que assola milhões Brasil afora. Boulos perguntou o que ele faria a respeito do problema, caso fosse eleito, mas Daciolo preferiu desviar sua metralhadora verbal para o petista.
“Tenho o dia de hoje para falar sobre essa farsa que é o cenário político deste país. Aqui são todos amiguinhos. Os senhores estão há 13 anos do poder destruindo o povo!”, bradou Daciolo, para então se dirigir especificamente a Haddad. “Quatro anos como prefeito e não fez nada por São Paulo, e quer ser presidente. Presidente de quê?”, atacou o também deputado federal.
Daciolo ficou sem a fala de Haddad, pois a resposta caberia a Boulos. “Quero deixar claro aqui que não sou amiguinho de ninguém aqui”, enfatizou o líder do MTST.
Haddad pede “último gás” a militantes para chegar à frente no segundo turno
Bolsonaro e Haddad estão em empate técnico, segundo pesquisa CNT/MDA