Achou estranho o título? O correto seria o barato que sai caro, não? Não nesse caso. O título desse artigo está ao contrário porque explica uma lógica que não é usada pelos consumidores, mas é muito bem analisada pelas empresas: às vezes vale a pena pagar uma multa ou um processo jurídico e lucrar fazendo algo fora da lei do que agir dentro da lei, não ter gastos e não obter a vantagem financeira.
Para uma mineradora, por exemplo, pode ser financeiramente mais lucrativo correr o risco do rompimento de uma barragem e ter que pagar indenizações ao Estado, do que diminuir sua produtividade, ou fazer aportes financeiros para deixar a barragem mais robusta e garantir que não se rompa.
E, se as coisas funcionam dessa maneira para desastres físicos, para os virtuais pode ser ainda pior. Isso porque a legislação sobre o tema é recente, e aliada à percepção de que privacidade digital dos cidadãos é pouco importante, pode levar a consequências brandas demais para grandes ações ilegais de empresas.
Uma situação que exemplifica o pressuposto é o famoso caso da manipulação das eleições de 2016 nos Estados Unidos. O Facebook, plataforma que voluntária ou involuntariamente forneceu os dados dos seus usuários para a Cambridge Analytica, foi condenado a pagar “apenas” US$ 5 bilhões pelo mau uso das informações de 87 milhões de pessoas.
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Apesar de ser um valor gigantesco, é preciso relembrar que antes do escândalo, a empresa era a 5ª marca mais valiosa do mundo e atualmente, segue no ranking elaborado pela consultoria Brand Finance em 7º lugar. Ou seja, a lisura do processo eleitoral da autoproclamada maior democracia do mundo não custou nem o fim da empresa responsável por grande parte do escândalo.
O direito dos cidadãos brasileiros à sua privacidade digital inscrito na Constituição Federal também corre risco. E o preço da violação desse direito, que pode causar imensos prejuízos individuais e coletivos, possivelmente não será proibitivo para as empresas interessadas nessas informações.
Informações contidas, por exemplo, nos bancos de dados custodiados pela Dataprev e pelo Serpro, duas empresas públicas federais que processam os dados de todos os brasileiros, do seu nascimento até a sua morte, e também muitas informações importantes de empresas e movimentações de mercadorias. Essas informações não têm preço porque os usos possíveis são muito maiores do que podemos prever agora, mas, apesar disso, essas estatais correm risco de serem vendidas.
O processo de privatização das duas empresas colocaria em risco a segurança digital dos cidadãos, das empresas e do País, conforme os estudos elaborados pelo Ministério Público Federal, a Controladoria Geral da União e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), dentre outras instituições.
Porém, tal fato pode não ser um empecilho suficiente para evitar a entrega das estatais à iniciativa privada, cuja principal finalidade é o lucro e não a garantia da cidadania e o fornecimento de ferramentas tecnológicas para o desenvolvimento do Brasil.
Com uma justiça incapaz de penalizar adequadamente grandes vazamentos ou a má utilização de dados pessoais de cidadãos, e sem empresas públicas voltadas à segurança mais do que ao lucro, o dinheiro obtido com a venda da Dataprev e do Serpro podem sim se tornar o barato que sai caro. E para toda a sociedade.
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