Renata Vilela*
A palavra “história” tem origem no idioma grego e é oriunda do vocábulo “hístor”, que significa “aprendizado”, “sábio”. A importância da História está em seu papel de nortear o homem no espaço e no tempo, dando-lhe a possibilidade de compreender a própria realidade. Dito isso, voltemos ao passado para entender o que se passa hoje com a privatização das empresas de TI do governo federal, a Dataprev e o Serpro.
O fracasso da privatização do Datamec
Em 1999, a Unisys – uma empresa privada multinacional – comprou, em processo de privatização, a Datamec. A estatal desenvolvia e suportava os sistemas do então do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), como Programa Seguro-Desemprego, Cadastro Geral de Empregados (Caged) e Sistema de Gestão das Ações de Emprego (Sigae).
De 1999 a 2005, a Unisys sempre foi contratada por inexigibilidade ou dispensa de licitação. Isso ocorreu porque a tecnologia adotada na construção dos sistemas de informação é de natureza totalmente proprietária e exclusiva. Assim, os programas somente poderiam ser executados nos computadores de fabricação da Unisys, gerando uma situação de total dependência tecnológica e operacional em relação à empresa.
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Contudo, a partir de 2003, segundo nota técnica do ministério, diversos problemas relativos à condução do contrato e à ameaça velada da Unisys de paralisar os serviços considerados de notória relevância social, começaram a ocorrer. Assim, a pasta acionou a empresa visando à continuidade da prestação do serviço ao país e à adoção de medidas para viabilizar a internalização dos sistemas.
Em agosto de 2004, diante de “fundado receio de grave lesão ao patrimônio público, à ordem social e econômica decorrente da iminência da interrupção na prestação de serviço público essencial”, o ministério propôs uma ação cautelar, com pedido de liminar para que a Unisys Brasil Ltda. disponibilizasse, imediata e continuamente, o acervo de dados e códigos-fontes constituídos durante o contrato com a pasta a fim de viabilizar a migração para os novos sistemas.
A ação fundamentou-se na ameaça de interrupção dos serviços essenciais de operacionalização do Caged, Sigae e do seguro-desemprego. De acordo com a petição, o ministério tentou, em diversas oportunidades, renegociar os termos do contrato com a Unisys, antes do seu término, pelos seguintes motivos:
- o preço cobrado pela empresa Unisys era incompatível, utilizando-se parâmetros e métrica de mercado;
- porque a tecnologia utilizada pela Unisys foi estruturada em uma arquitetura de informação proprietária, (…) o que obrigou o MTE a ser dependente desses sistemas sem qualquer possibilidade de processo seletivo licitatório;
- por fim, em pleno processo negocial, a Unisys notificou que encerrará a prestação dos serviços imediatamente – 12/08/2004 – caso o MTE não efetue o pagamento dos valores glosados, mesmo reconhecendo a Ré, expressamente, que as glosas, em parte, são procedentes.
Auditoria feita na época também afirmou que a empresa condicionou a entrega “dos dados, código fonte, bem como da documentação técnica dos sistemas, à assinatura de um Termo de Ajuste, objeto de pendência judicial que se arrasta há mais de um ano, numa verdadeira afronta à soberania nacional”.
Diante da situação, em 2005, o ministério e a empresa Unisys firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), válido por 12 meses, com a interveniência do Ministério Público Federal (MPF), no qual foram estabelecidas as condições para a continuidade dos serviços.
Ao mesmo tempo, desenvolveu negociações junto à Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social – Dataprev para que esta elaborasse novos sistemas para o MTE em plataforma baixa, o que permitiria a prestação de serviços por várias empresas presentes no mercado brasileiro.
Em 2006, finalizado o período do TAC, a procuradora da República Raquel Branquinho, que atuou ativamente no processo e na condução do TAC, recomendou que o ministério firmasse um Contrato Administrativo que teria vigência concomitante com o novo Termo de Ajustamento de Conduta, que seria firmado entre o ministério, a Unisys e a Dataprev.
Toda essa negociação se deu a fim de garantir a continuidade da prestação dos serviços concomitantemente com o repasse da tecnologia relativa aos sistemas para a Dataprev. Sendo assim, em 2007 foi iniciado o referido repasse tecnológico e migração que ocorreu até 2011.
Por fim, todo esse processo de transferência e migração dos sistemas para a Dataprev que envolveu diversas dificuldades foi finalizado em 2011 com uma celebração. Nesse momento, foi realizada entrevista com Raquel Branquinho, que trabalhou ativamente pelo TAC no MPF.
Questionada sobre os benefícios para a sociedade do resultado do TAC, ela responde: “A sociedade brasileira é, sem sombra de dúvidas, a mais beneficiada com essa mudança tecnológica”.
No mesmo sentido, detalha sua resposta: “recursos públicos poderão ser mais bem utilizados em razão de melhores ferramentas de gestão à disposição do MTE e também pela possibilidade de redução de fraudes (…) o usuário do serviço do seguro-desemprego também será atendido de forma mais rápida e eficiente”.
Desestatizações da Dataprev e do Serpro podem repetir história
O acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o imbróglio MTE-Unisys é história viva que se repete hoje com nova privatização de empresas públicas de TI, Dataprev e Serpro.
Baseado em tudo que foi exposto somos levados a concluir que a diferença fundamental entre um serviço ser prestado por organização pública ou privada é a continuidade no fornecimento do serviço em momentos no qual seu pagamento é interrompido.
Uma empresa privada tem responsabilidade com os seus donos e acionistas, pois precisa gerar lucro para atendê-los. Na falta de pagamento, ela interrompe o fornecimento. Por outro lado, uma empresa pública tem responsabilidade com a coletividade. Mesmo sem receber os pagamentos devidos, ela continua fornecendo o serviço porque a sociedade deles necessita.
Durante a última grande crise financeira, a Dataprev passou diversos meses sem receber pelos serviços de desenvolvimento, manutenção e processamento. Entretanto, em nenhum momento, interrompeu ou ameaçou interromper tais serviços.
*Renata Vilela, especial para a campanha Salve Seus Dados.
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Achei legal a matéria.
Quer dizer que se o governo parar de pagar os salários dos funcionários da Dataprev ou as empresas contratadas pela Dataprev sabe lá Deus como, eles continuarão a trabalhar pelo bem do país?