A proposta de reforma administrativa enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso, se aprovada, acabará com direitos históricos e a estabilidade de determinadas categorias de servidores, além de facilitar a venda de empresas públicas imprescindíveis ao país e aumentar ainda mais as prerrogativas do presidente da República. Embora alcance funcionários dos três poderes e nas três esferas — União, Estados e Municípios — a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2020) mantém privilégios e salários daqueles que formam o topo do poder e mais impactam no orçamento público: parlamentares, ministros de tribunais superiores, juízes, desembargadores, promotores e procuradores.
“Os privilégios da elite do funcionalismo público não serão prejudicados. Ao mesmo tempo, o governo ‘corta na carne’ dos trabalhadores que estão à frente do atendimento à população todos os dias, servindo ao público, servindo ao país, com salários que não chegam nem perto daqueles que permanecerão blindados e privilegiados”, analisa o presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sérgio Takemoto. “O objetivo desta reforma é beneficiar os ‘amigos do Rei’ e punir quem presta serviços essenciais à sociedade”, acrescenta.
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Além de articulações com a Frente Parlamentar em Defesa dos Bancos Públicos do Congresso Nacional, a Fenae defende ações regionalizadas junto a parlamentares estaduais e municipais contra a reforma administrativa apresentada pelo Executivo. Semana passada, a Federação ouviu especialistas no assunto para o entendimento das reais intenções do governo com a PEC 32 e os impactos da proposta para os bancários e as empresas públicas do país.
Apresentada ao Congresso no último dia 3, a PEC afeta diretamente os empregados destas estatais, como é o caso dos bancários da Caixa. Responsáveis pela operacionalização de diversos programas sociais nas áreas de habitação, saúde e infraestrutura, os empregados do banco também estão à frente, desde o início da pandemia, do pagamento centralizado do auxílio e do FGTS emergenciais para mais de 100 milhões de pessoas: metade da população brasileira.
Um dos dispositivos da PEC que mais impactam os trabalhadores de empresas públicas e outras estatais é relativo ao Artigo 173 da Constituição. De acordo com o novo Parágrafo 7º, torna-se “nula a concessão de estabilidade no emprego ou de proteção contra a despedida para empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e das subsidiárias dessas empresas e sociedades por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo que não seja aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada”.
PublicidadeIsto significa que para os empregados das estatais, as convenções e os acordos coletivos — que têm o objetivo de evitar demissões injustas ou infundadas — não terão efeito. Uma nova lei ordinária passará a reger critérios e procedimentos para demissões.
“A estabilidade no serviço público e mecanismos contra demissões imotivadas são, na verdade, proteções ao Estado brasileiro”, destaca Sérgio Takemoto. “É uma garantia para que forças políticas ou outras motivações subjetivas e questionáveis não afastem servidores arbitrariamente e interrompam ações e programas de Estado, que beneficiam à sociedade”, emenda o presidente da Fenae.
Takemoto classifica a reforma administrativa como uma “perspectiva sombria”. O dirigente reforça que a proteção ao Estado deve ultrapassar governos, ser perene. “Mas, é exatamente isso que este governo quer quebrar. Imagine que de quatro em quatro anos tudo mude de acordo com a posição do governo da ocasião? É a destruição do Estado e dos serviços públicos”, afirma.
Sérgio Takemoto também observa que, neste sentido, a PEC abre brechas perigosas para a corrupção — como as conhecidas “rachadinhas” — e o uso político da máquina pública. A proposta de reforma amplia os cargos em comissão, que passam a ser chamados “cargos de liderança e assessoramento”, podendo ser ocupados, inclusive, para atividades técnicas.
“Está muito claro que a proposta não tem o objetivo de trazer mais eficiência ao funcionalismo, aperfeiçoar o modelo de Estado ou melhorar a capacidade de se oferecer serviços públicos de qualidade”, avalia o presidente da Fenae. “Esta reforma está concentrada na perseguição de determinados servidores, destruindo direitos e acabando com a proteção constitucional que evita apadrinhamentos políticos ou perseguições ideológicas”, completa Takemoto.
No início de junho, quando se discutia a prorrogação do auxílio emergencial, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu publicamente que todos os três poderes contribuíssem, por exemplo, com o corte de salários e benefícios para o financiamento do benefício. Maia ponderou, contudo, que fossem poupados os servidores que ganham menos e os que atuam diretamente na pandemia do coronavírus. É o caso dos bancários da Caixa.
Naquela ocasião, o presidente da Câmara disse que o custo da mão de obra do serviço público é da ordem de R$ 220 bilhões, incluindo o Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministérios Públicos. “Se o debate for esse, é importante que todo mundo participe. Lembrando que teríamos que fazer corte dos maiores salários. Tirando, claro, os que atuam na pandemia”, defendeu Maia.
Privilégios
Reportagem publicada pela Revista Piauí no último dia 7 de setembro “Os privilégios da toga” mostra que “num período de cinco anos, de 2014 a 2019, o Judiciário brasileiro ficou R$ 10 bilhões mais caro”. Só em 2019, consumiu R$ 100 bilhões dos cofres públicos (1,5% do PIB), dinheiro usado principalmente para pagar salários.
Segundo a revista, a remuneração mensal de um juiz estadual custa o equivalente a 12 salários de auxiliares de enfermagem. São R$ 33,4 mil reais por mês, em média; mas muitos ganham mais do que isso, diz a reportagem. Além dos salários, há benefícios extras, como auxílio-moradia e indenização por férias não tiradas. “Em 2019, esses penduricalhos custaram ao menos R$ 415 milhões ao país — o dobro do que foi gasto de cota parlamentar pela Câmara dos Deputados”, informa a Piauí.
Falhas conceituais
O presidente da Fenae, Sérgio Takemoto, ressalta que a PEC 32 apresenta diferentes pontos com falhas conceituais, que prejudicam também os empregados da Caixa. Alguns deles como a concentração de poder no presidente. Pela proposta de reforma administrativa, o presidente da República poderá extinguir órgãos e cargos, por decreto. Poderá extinguir até mesmo autarquias e fundações públicas. Com isso, o serviço público fica refém do governo da ocasião, que vai impor seu modelo de gestão e possibilitar a mudança completa da organização dos serviços de Estado a cada quatro anos e ao longo do mandato, sem qualquer participação do Legislativo e da sociedade.
A proposta também altera o Artigo 37 da Constituição e insere a chamada “subsidiariedade” como um dos princípios da administração pública. Isso significa a redução drástica do papel do Estado, inclusive em serviços como saúde, educação e segurança, invertendo a lógica do funcionamento dos serviços públicos. É a materialização, no texto constitucional, de que o Estado tem um papel secundário e não deve competir com o mercado. Na prática, a atuação do Estado seria a exceção em vez da regra, impondo a visão privatista do governo Bolsonaro.
Na prática, a proposta do governo acaba com o Regime Jurídico Único (RJU) — que regula a relação entre os servidores e o poder público — e abre possibilidade para diversas formas de contratação com vínculos distintos, retirando direitos e precarizando as relações de trabalho. A PEC cria cinco grupos distintos de servidores, permitindo que novos funcionários exerçam as mesmas atribuições; mas, com direitos diferentes. A intenção do governo é vista pela Fenae como maneira de “dividir para governar”.
Um dos grupos será o de “cargos de liderança e assessoramento, com vínculos temporários”, que vão substituir os atuais cargos comissionados e funções simplificadas e poderão ingressar por meio de seleção simplificada, sem concurso. No entendimento da Fenae, a nova regra amplia a possibilidade de indicações políticas no serviço público e facilita a corrupção.
É neste contexto que acaba a estabilidade para quase todos os servidores. A garantia do emprego passa a ser atribuída apenas às carreiras típicas de Estado, que ainda não foram especificadas na proposta. O servidor só vai adquirir estabilidade depois de dois anos do “vínculo de experiência” e permanecer por um ano em efetivo exercício com desempenho satisfatório. É importante destacar que a proposta não definiu critérios para avaliar o desempenho dos servidores. Assim, a medida abre caminho para possíveis perseguições políticas e demissões imotivadas, a critério do governo que estiver no poder.
Enfraquecimento das estatais para facilitar privatizações. A tentativa do governo de tirar do Legislativo a competência para autorizar a venda de empresas públicas não é novidade. Além da alteração no Artigo 37 da Constituição, que impacta as estatais, a PEC também altera o Artigo 173. Ela insere neste dispositivo o Parágrafo 6º, que diz: “é vedado ao Estado instituir medidas que gerem reservas de mercado que beneficiem agentes econômicos privados, empresas públicas ou sociedades de economia mista ou que impeçam a adoção de novos modelos favoráveis à livre concorrência”. A proposta pretende reduzir a atuação do Estado e das empresas estatais para fortalecer a tentativa de privatização e do livre mercado.
Ataque aos empregados das estatais. A inclusão do parágrafo 7º no Artigo 173 é um dos mais graves ataques e afirma o objetivo do governo de enfraquecer as estatais e acabar com direitos dos empregados. A nova regra anula as negociações coletivas ou individuais que concedam estabilidade no emprego ou proteção contra demissões para os empregados das estatais.
A discussão sobre despedida imotivada de empregados de empresa estatal é questionada há anos na Justiça. Mesmo que o ingresso no serviço público tenha ocorrido por meio de concurso, os empregados não são considerados servidores e, portanto, não têm estabilidade. A necessidade de motivação para dispensar empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, admitidos por meio de concurso público, aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A PEC 32 restringe a concessão de outros direitos de servidores e empregados públicos, como:
• Adicionais por tempo de serviço;
• Licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, exceto se decorrente de limitação de saúde;
• Adicionais ou indenizações por substituição;
• Progressão ou promoção com base apenas no tempo de serviço.
Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição, a reforma administrativa deve ser aprovada em duas votações na Câmara e duas no Senado, por três quintos dos parlamentares das Casas: 308 (de 513) deputados e 49 (de 81) senadores.
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Isso não é uma reforma administrativa, é a volta do quem indica. Não mexer com legislativo, militares e judiciário é uma piada.
Piada de muito mau gosto! Mas isso só confirma o pensamento deste governo, na fala do Sr. ” Primeiro Ministro”, de que a elite do serviço público ganha pouco… Fato que justificaria, segundo o banqueiro, não mexer com a elite do serviço público, sendo muito mais fácil massacrar aqueles de estão na linha de frente… As maiores distorções, além de não serem confrontadas e enfrentadas, ao contrário, são defendidas por este governo… Salve a meritocracia do QI !!