A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) reagiu, com indignação, ao anúncio feito nesta terça-feira (20) pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Ao participar de uma transmissão ao vivo com investidores, o ministro disse que o Executivo já planeja a venda do futuro Banco Digital da Caixa.
“É inacreditável como este governo funciona. Querem entregar para o mercado algo que ainda nem existe e que deveria ser mantido nas mãos do país, em benefício principalmente à população mais carente”, afirma o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto. “A leitura que se faz é a de que este governo está mais preocupado em garantir lucro à iniciativa privada do que à nação. Se o próprio ministro sugere que o banco digital será muito rentável, para que vendê-lo, então?”, questiona Takemoto.
Segundo afirmou Guedes, a chamada IPO (Oferta Pública Inicial de ações, na sigla em inglês) do Banco Digital está planejada para ocorrer “nos próximos seis meses”. Tal braço da Caixa Econômica foi estruturado para o pagamento do auxílio emergencial e de outros benefícios sociais durante a pandemia do coronavírus. “Na pandemia, digitalizamos 64 milhões de pessoas. Quanto vale um banco que tem 64 milhões de pessoas que foram bancarizadas pela primeira vez e serão leais pelo resto da vida?”, disse o ministro.
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Na avaliação do presidente da Fenae, fica demonstrada, mais uma vez, que a real intenção do governo é criar subsidiárias de estatais como manobra para o que ele classifica “queima do patrimônio público”. O subterfúgio foi permitido pela Medida Provisória 995/2020, em vigor desde o dia 7 de agosto, permitindo a venda de unidades vinculadas à Caixa como caminho para a privatização do banco público, responsável pelo pagamento do auxílio e do FGTS Emergencial a mais de 100 milhões de brasileiros.
“Estão dilapidando o patrimônio nacional. Querem fazer isso com a Caixa, Eletrobras, Petrobras, Correios, BNDES e tantas outras empresas que contribuem para o desenvolvimento econômico e social do país”, destaca Sérgio Takemoto.
PublicidadeDepois de diferentes anúncios do IPO da Caixa Seguradora — um dos braços mais rentáveis e estratégicos da Caixa Econômica Federal — a direção do banco suspendeu o processo, alegando “atual conjuntura do mercado”. Por outro lado, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) anunciou que vai se desfazer de R$ 6 bilhões em debêntures da Vale, até o início de 2021. A venda de ativos do BndesPAR, braço financeiro do banco em mercado de capitais, tem se intensificado neste governo.
Também na gestão Bolsonaro, a Petrobras acelerou o programa de desestatização. Segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre janeiro de 2019 e julho deste ano, a empresa abriu 49 processos de venda de ativos: uma média de 2,5 por mês. O número é bem maior que os 1,4 por mês abertos durante o governo Michel Temer e oito vezes os 0,4 por mês verificados na segunda gestão Dilma Rousseff, conforme revelou ontem (19) o jornal Folha de S. Paulo.
Ainda nesta semana, o governo deve encaminhar ao Congresso o projeto de lei para a privatização dos Correios. Com 357 anos de fundação, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) é um dos serviços públicos mais antigos do país, tendo registrado, em 2019, lucro líquido de R$ 102 milhões.
“Assim como acontece atualmente com a Caixa, os Correios estão presente em lugares longínquos. As privatizações não levam em conta o papel social dessas empresas”, argumenta o presidente da Fenae.
Sérgio Takemoto observa que a Eletrobras é outra empresa pública na lista de vendas prioritárias. No Distrito Federal, as companhias Energética de Brasília (CEB) e de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) também estão na mira das privatizações.
Subterfúgios
Em junho do ano passado — na análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.624) ajuizada pela Fenae e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), que questiona a privatização também disfarçada da Petrobras e de outras empresas públicas — o STF decidiu que o governo não pode privatizar estatais (as chamadas “empresas-mães”) sem o aval do Congresso e sem licitação, conforme determina a Constituição. Contudo, a Corte também entendeu que as subsidiárias não necessitam de permissão do Legislativo para serem vendidas.
“Com esta brecha no entendimento do Supremo, o governo Bolsonaro passou a usar tal artifício para criar subsidiárias de atividades essenciais das estatais e depois vendê-las rápida e facilmente, atendendo aos interesses do mercado”, destaca o presidente da Fenae.
No Supremo Tribunal Federal, além da ADI 5.624, tramitam mais duas ADIs questionando a MP 995 e a venda maquiada de estatais. Em uma das ações, protocolada pela Contraf no último dia 31 de agosto, a Confederação pede a concessão imediata de cautelar para a suspensão dos efeitos da medida provisória e também solicita que o Supremo declare a inconstitucionalidade da MP.
No dia 13 de agosto, seis partidos de oposição ao governo Bolsonaro — PT, Psol, PCdoB, PDT, Rede e PSB — entraram com ADI no STF contra a Medida Provisória 995. Na ação, os partidos também pedem a concessão de liminar para suspender os efeitos da MP.
Em tramitação no Congresso, a MP 995 recebeu um total de 412 emendas de deputados e senadores; mais de uma dezena delas, sugeridas pela Fenae. Além disso, 286 parlamentares e entidades da sociedade civil assinam Manifesto da Federação contra a MP e a privatização da Caixa.
População
Pesquisa realizada pela revista Exame, em parceria com o Ideia — instituto especializado em opinião pública — apontou que 49% dos entrevistados disseram ser contra a privatização da Caixa, enquanto 22% se declararam a favor, 19% ficaram neutros e 9% não souberam opinar. O levantamento, divulgado no último dia 10 de setembro, foi feito com 1.235 pessoas, por telefone, em todas as regiões do país, entre os dias 24 e 31 de agosto.
Em outra pesquisa, desta vez realizada pela revista Fórum entre os dias 14 e 17 de julho, 60,6% dos participantes se posicionaram contrários à privatização do banco público. A revista ouviu a opinião de mil brasileiros sobre a venda de estatais. A empresa que teve a maior rejeição social à privatização foi a Caixa Econômica.
A Caixa Econômica Federal é a principal operadora e financiadora de políticas públicas sociais, além de geradora de emprego, renda e desenvolvimento para o país. Por meio de áreas estratégicas do banco — como Caixa Seguradora, Cartões e Loterias — a estatal oferece as menores taxas para a compra da casa própria e facilita o acesso a benefícios diversos para os trabalhadores, taxas acessíveis às parcelas mais carentes da população e recursos para o Financiamento Estudantil (Fies), entre outros.
Cerca de 70% do crédito habitacional é feito pela Caixa Econômica e 90% dos financiamentos para pessoas de baixa renda estão na Caixa. Além de moradias populares — como as do programa Minha Casa Minha Vida — o banco público também investe na agricultura familiar e nas micro e pequenas empresas.
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