As economistas alertam: a economia brasileira entrará em 2022 mais enfraquecida, em um cenário de imprevisibilidade e sob pressão internacional, tudo isso em um cenário onde ainda não nos recuperamos da crise anterior, de 2015.
O futuro da economia no próximo ano foi o centro do debate desta quinta-feira (25) no Congresso em Foco Talk, mediado pelo fundador do Congresso em Foco, Sylvio Costa.
“Tanto para este ano quanto no ano que vem é um quadro muito desconfortável do ponto de vista macroeconômico”, advertiu Zeina Latif, consultora na Gibraltar Consultoria e uma das mulheres mais influentes do mercado de ações brasileiro. A economista indicou que as previsões ainda podem passar por novas revisões – para baixo – até o ano que vem, mas já é possível identificar que este quadro de fraqueza da economia brasileira será intensificado em 2022 com a alta de juros do Banco Central, que hoje está em 7,75%.
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Sem uma ação compensatória fiscal ao aumento de gastos causados, principalmente, pela pandemia de covid-19, a inflação se tornará maior e mais “teimosa”, definiu Zeina. “Banco Central está praticamente secando gelo, porque não tem ajuda do lado fiscal”, lamentou. “O grande ponto aqui é que não estamos fazendo a lição de casa do ponto de vista fiscal.”
Para sair do buraco, sugere a economista, é preciso que o Legislativo pare de votar medidas “equivocadas” e com cunho eleitoreiro. “É lembrar que tem um país para ser cuidado, e não pode pensar no curto prazo da eleição e seus interesses paroquiais”, disse. “O Congresso está indo para uma direção que agrava o quadro.”
Imprevisibilidade e desemprego
A economista Mariel Angeli Lopes, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), indicou que a política fiscal brasileira é muito ligada ao pagamento de benefícios sociais – logo, as recentes mudanças em programas como o Bolsa Família e seu sucessor, o Auxílio Brasil, jogam a política econômica em um cenário de imprevisibilidade. “O Auxílio Brasil começou a ser pago na última semana, e a gente não sabe qual que vai ser a fonte de recursos para ele no ano que vem”, disse. “Inclusive há uma discussão no Congresso de talvez colocar o auxílio em prática sem essa determinação da fonte de recursos – o que iria contra as regras de responsabilidade fiscal que temos no Brasil.”
Essa desorganização é muito negativa, e apenas piora o cenário futuro. “E isso tudo acontecendo muito atropeladamente, sem previsibilidade. E isso é ruim para o mercado financeiro, mas principalmente para os brasileiros que não sabem o que vai acontecer no dia seguinte, se terão emprego e renda no mês seguinte.”
Mariel diz que o mercado de trabalho recuperando de maneira muito lenta, e com uma renda média mais baixa que o mesmo período do ano passado. “A gente precisaria de políticas públicas voltadas à geração de empregos, e voltadas à qualificação e requalificação de empregos”, sugeriu a economista do Dieese, lembrando que fatia considerável da população procura emprego há mais de dois anos, o que dificulta a recolocação no mercado profissional.
E as eleições?
A eleição de 2022, e a incerteza sobre a votação, também reprime possibilidade de investimentos a longo prazo. “Os planos de investimento tendem a ser mais conservadores, e portanto temos o adiamento, ainda que transitórios, dependendo de quais serão os cenários e os programas que os candidatos à presidência venham a nos trazer”, disse Deborah Vieitas, que é a primeira CEO mulher da Amcham Brasil, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil.
Deborah diz que, neste momento, a maior decepção do empresariado foi não ter entregado as reformas prometidas em 2018. “O que o empresariado espera é compromisso fiscal – e isso significa manter o orçamento dentro do teto fiscal – e espera que as reformas importantes continuem, sobretudo a tributária”, resumiu, antes de completar. “Menos polarização e mais pragmatismo.”
Zeina Latif aposta em uma polarização menor no próximo ano, mas indica que a economia voltará a ter peso preponderante em 2022. As reformas continuarão sob pressão nos próximos anos. Cabe ao presidente da República, em sua visão, ajudar a construir consensos. “Os agentes econômicos terão que ter sinais muito claros no primeiro ano de governo. Ficam missões em relação à formação da equipe econômica, e não basta apenas uma pessoa com credibilidade”, disse.
Sob observação lá fora
Deborah diz que a redução do desmatamento deverá ser o tema número um para a economia. “Ele prevalece sobre todos os outros temas, e estamos sendo monitorados internacionalmente de maneira muito precisa”, disse. “Indicadores e tudo o que nós pudermos oferecer terá que ter muita consistência. Só com anúncios, ainda não conseguimos nada.”
“A questão econômica dos próximos será muito determinada por isso, e para os trabalhadores isso é muito importante”, concordou Mariel. “Qualquer pauta de geração de emprego e de qualificação tem que levar isso em conta para o ano que vem. Internacionalmente, esta discussão está muito mais para frente do que está no Brasil.”
Com um crescimento menor do comércio global, o Brasil deve ser afetado, mas ainda será assegurado por uma boa política de commodities. A China, afetada por uma crise no setor de construção civil, deve reduzir a demanda global por minério de ferro, do qual o Brasil é um exportador relevante. A demanda por soja, em outro sentido, deve se manter em patamares históricos, projetou a CEO.
Gestão Paulo Guedes
As economistas foram provocadas, em suas considerações finais, a avaliarem a gestão do ministro da Economia, Paulo Guedes, a frente da pasta. Mariel defendeu que a política econômica aponta para a incerteza. “Eu tenho a impressão que este governo, nos últimos três anos, mudou de ideia o tempo inteiro”, disse. “São sinais muito conflitantes, que eu acho que um outro ministro já tivesse saído. Parece que há uma discrepância entre o que o ministro diz e o governo faz.”
Deborah Vieitas acredita que Guedes “ficou devendo” em seus até agora três anos. “Tem que se reconhecer que a consolidação de muitas competências numa única pasta tornou difícil dar atenção e prioridade a todos os temas”, ponderou a CEO da Amcham.
Zeina Latif disse ainda acreditar na capacidade de reação do país. “Ainda que com muitos erros e com um caminho muito acidentado, mas alguns desafios importantes e testes de maturidade a gente vai conseguindo passar”, comentou, considerando o debate econômico mais maduro. “Vai se consolidando ou crescendo a visão de que a agenda não pode ser de medidas protecionistas, isenções tributárias e benefícios aqui e ali: o Brasil precisa de agendas horizontais para melhorar o ambiente de negócios, reduzir insegurança jurídica e permitir o crescimento do setor privado.”
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