Lembro-me de que há alguns poucos anos atrás fui o portador de um convite a um candidato a governador pelo Paraná. Militantes LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) convidavam-no para um debate sobre o seu programa de governo.
Feito o convite, ele se virou para mim e perguntou: “Devo ir? E se vou, o que vou falar?”
Respondi: “Você deve ir e vai falar o que falaria com qualquer pessoa sobre seus direitos”.
Este é só um registro de como homens e mulheres, pretensamente informados e sem preconceitos, não sabem tratar no dia a dia aquela pessoa que pensa diferente dos seus conceitos, que tem cultura distinta da sua e que tem outra orientação sexual que não a sua.
E, dito isto, convido os meus parcos leitores e leitoras a responder uma pergunta: o que vejo quando olho para uma pessoa?
É uma pergunta aparentemente fácil de responder. Se homem, vejo uma pessoa trajando roupa masculina, branco ou negro, barbeado ou não, com ou sem cabelos e às vezes entro em detalhes maiores e vejo a cor dos olhos, jeito da boca, como é mão etc..
Se mulher, vejo os trajes femininos, branca ou negra, se tem cabelo longo ou não, se o cabelo é liso ou (alisado) feito chapinha, e, entrando em detalhes, se usa salto, cor dos olhos, etc., etc..
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Certo que a visão também pode ser outra, por exemplo, um homem olhando para uma mulher vê coisas distintas que uma mulher não veria. O inverso também é verdadeiro: uma mulher olhando para um homem vê aquilo que outro homem não veria.
Mas, de uma maneira geral, no dia a dia, tanto o homem como a mulher são invisíveis. Invisível no sentido de cidadania. Ninguém nos vê. Somos vistos quando alguém acha que estamos obstruindo a sua passagem, perturbando o seu silêncio ou afrontando o seu padrão de estética, seu conceito de normal ou de cidadão.
Nestes casos somos vistos não como cidadão, mas como alguém que perturba a sua ordem, que afronta a sua verdade. A esses perturbadores e afrontadores, o degredo nas prisões.
Nos últimos anos, nos governos de Lula e Dilma, buscou-se, através de políticas públicas (Bolsa Família. Política de Cotas,Prouni, Minha Casa Minha Vida, etc.), a construção e ampliação dos direitos de cidadania. Buscou-se a visibilidade da pessoa como cidadã e muito se avançou. Muitas dessas políticas foram construídas ouvindo, através de conferências e conselhos, os militantes do setor. Ou seja, tornando-os visíveis não só pelas conquistas dos direitos, mas também dando-lhes voz. Isto é intolerável para muitas pessoas.
Sim, muitas pessoas não toleram que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais tenham voz e direitos. Não toleram os negros e as negras ocupando o mesmo espaço que o branco, nas universidades, no trabalho, enfim no dia a dia.
Não toleram que o sem terra conquiste a terra. Não toleram que o índio saia da sua reserva e vá para cidade “vagabundear” ou lutar por mais terra, diga-se de passagem, sua terra.
Repito a pergunta: o que vejo quando olho para uma pessoa?
Temos que ver muito mais que um homem ou uma mulher. Tenho que ver um cidadão ou uma cidadã que tem fisionomia diferente da minha, que pensa diferente de mim, que tem uma cultura distinta da minha. Apesar destas diferenças, há algo em comum: temos os mesmos direitos e temos grande possibilidade de sermos amados por alguém.
A intolerância aos diferentes chegou a tal nível de agressividade e violência que não basta xingar na rua, não basta bater, há que matar. Há muitos casos de assassinatos por intolerância e o mais recente e chocante foi o do indiozinho kaigang Vitor Pinto, de 2 anos de idade, que foi degolado.
Pode alguém dizer que não é o caso de intolerância. A estas pessoas pergunto: mas, e se ele não fosse índio, seria degolado?
O candidato a governador não sabia o que falar por uma simples razão: eram pessoas invisíveis desejando a visibilidade. Todos querem a visibilidade não para a degola, como está ocorrendo, mas para serem respeitados como cidadão e cidadã.
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