Em uma semana em que as discussões sobre racismo estiveram no centro do debate público no Brasil, deputados federais defendem a votação do projeto que cria regras rigorosas para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes da ação de agentes do Estado, como policiais.
Deputados da Comissão de Direitos Humanos pretendem se reunir nos próximos dias com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para discutir a agenda de combate ao racismo institucional e à violência contra a população negra. Eles irão sugerir que alguns projetos sejam pautados a fim de transmitir à sociedade uma resposta do Parlamento frente a episódios recentes de racismo no país.
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O projeto mais polêmico a ser sugerido é o que acaba com a possibilidade de lesões e mortes decorrentes das ações policiais serem justificadas por meio do auto de resistência (PL 4471/2012). Atualmente, no caso de resistência à prisão, o Código de Processo Penal autoriza o uso de quaisquer meios necessários para que o policial se defenda ou vença a resistência. E determina que seja feito um auto, assinado por duas testemunhas. É o chamado auto de resistência.
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Parlamentares e entidades do movimento negro afirmam que o projeto contribui para o enfrentamento ao racismo, posto que a violência policial atinge em maior medida a população negra. Segundo o Altas da Violência de 2019, 75,5% das vítimas de assassinato em 2017 eram negras. O levantamento, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, evidencia uma piora da situação em relação a 2016, quando 71,5% dos assassinados no Brasil eram negros.
Em videoconferência nesta sexta-feira (5), deputados e lideranças do movimento negro lembraram do assassinato do menino João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, que foi baleado no último dia 18 de maio durante uma operação das Polícias Civil e Federal. O jovem negro brincava na casa do tio em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, quando policiais invadiram o imóvel e o atingiram na barriga.
PublicidadeUm dos autores do projeto que acaba com o auto de resistência, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), defendeu a urgência de votação da matéria. “São tiros na nuca, pelas costas, sem que tenha havido qualquer resistência. Jovens de periferia mortos pela ação do Estado. Corpos negros nos importam”, disse Teixeira. Além do projeto ele defendeu a produção de um protocolo de uso da força policial. “O que nós temos no Brasil é um profundo genocídio da juventude negra”, afirmou o deputado.
Pelo projeto, sempre que a ação resultar em lesão corporal ou morte, deverá ser instaurado um inquérito para apurar o fato e o autor poderá ser preso em flagrante. O projeto exige, ainda, a manutenção da integridade do local do crime e a perícia independente.
Já aprovado pelas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO), o projeto está pronto para ser pautado no Plenário da Câmara desde 2014. Para ser colocado em pauta, porém, é necessária uma decisão do presidente da Casa, ouvido o colégio de líderes.
O texto, discutido no Parlamento há pelo menos oito anos, enfrenta resistência de associações policiais e de parlamentares ligados à segurança pública. Para esse grupo, o projeto cria regras que podem inibir a atuação policial. Eles avaliam que hoje já existe controle sobre a atividade policial, feito pelas corregedorias e ouvidorias dos órgãos e pelo Ministério Público e pelas defensorias.
“Tudo tem um tempo de maturação. Nós acreditamos que houve um amadurecimento desse projeto”, disse ao Congresso em Foco o deputado que presidiu a Comissão de Direitos Humanos em 2019, Helder Salomão (PT-ES). Para ele, é possível construir um entendimento com o grupo que se posiciona contrário ao texto. “Queremos também proteger o trabalhador de segurança pública, o policial. Nós não somos contra a polícia, não é isso. Mas é preciso que haja protocolos”, avaliou.
Para Salomão, é preciso humanizar a ação policial, que precisa reprimir o crime e conter a violência sem ultrapassar limites por meio de uma abordagem preconceituosa. “Se nós não mudarmos a legislação, não avança a luta contra o racismo”, disse Salomão.
Outro projeto que será levado ao presidente Maia é o que cria o plano nacional de enfrentamento à violência contra jovens, elaborado pela CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, concluída em 2015.
Além dessa pauta de votações, o grupo de parlamentares pretende apresentar uma denúncia internacional à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação de violência contra os jovens negros no Brasil e que envolve setores do governo. Também será avaliada a apresentação de uma denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Declarações do presidente da Fundação Palmares
Sobre as declarações do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que fez afirmações pejorativas sobre o movimento negro, Salomão afirmou que enviará ofício ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) cobrando providências. Segundo áudio de reunião obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo, Camargo se referiu ao movimento como “escória maldita”.
“Vamos pressionar pela exoneração do presidente da Fundação Cultural Palmares [Sérgio Camargo], solicitar que a Câmara adote a campanha Vidas Negras Importam e sugerir que sejam incluídas na pauta propostas consideradas prioritárias”, disse o deputado.
Em outra frente, um grupo de deputados pediu que o Ministério Público Federal (MPF) que abra um inquérito para investigar as falas de Sérgio Camargo. Os parlamentares consideram que o presidente da autarquia cometeu crime de responsabilidade.
Entre os deputados que assinam o documento, estão Áurea Carolina (Psol-MG), Benedita da Silva (PT-RJ), Talíria Petrone (Psol-RJ), Bira do Pindaré (PSB-MA), Damião Feliciano (PDT-PB), David Miranda (Psol-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP).
Na representação, os parlamentares consideram que Camargo promove o desvirtuamento dos objetivos legais da fundação que comanda, criada para promover e preservar a cultura negra, o que configura desvio de finalidade, abuso de poder e improbidade administrativa.
“Não pode as instituições públicas permitirem que o Presidente da Fundação, seguindo o ideário bolsonarista de promoção de ódio e de intolerância, contrarie as normas legais que fundaram e devem orientar a atuação do gestor público”, diz o documento.
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