Há muitos anos não como pastel. Ou pelo menos não como esses pastéis fritos em tachinhos de óleo, dessas pastelarias pequenas cujos donos geralmente são chineses. Dessas pastelarias em que a gente fica sentado num banquinho alto, com o cotovelo no balcão, comendo pastel e olhando o fervilhar da gordura no tacho.
Essas pastelarias fazem os famosos “pastéis de vento”. “Pastel de vento” porque não importa o recheio (carne, palmito ou queijo), geralmente é pouco. Mais: quando posta no tacho de óleo fervente para fritar, a massa estufa e o recheio quase desaparece. Você é considerado premiado quando encontra um pastel com um pouco mais de recheio.
Muitos hoje comem “pastel de vento” e sentem prazer. Pois bem, também já comi e garanto que me dava prazer. Hoje, não como porque pouco ou quase nada eles acrescentam como alimento. E como tenho colesterol alto e irritação gástrica, pioram minha saúde, que já não é lá essas coisas.
Não sei como adquiri gosto pelo “pastel de vento”, mas sei como adquiri gosto pela leitura. Cada um e cada uma tem a própria história da alimentação do corpo, bem como a da alimentação do espírito. Para muitos o “pastel de vento” continua como alimento para o corpo. Já boa parte da alimentação do espírito se dá pela leitura de livros. Mas não sei como cada um e cada uma define ou chega à conclusão do que é uma boa leitura e um bom livro. Ou seja, do que é um bom alimento para o espírito.
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Há livros que vendem 5 milhões, 10 milhões, 50 milhões de exemplares. Mas vender em quantidade não significa que seja um bom livro, um bom alimento para o espírito, pois a venda de livros, como de qualquer outra mercadoria (e é assim que é tratado o livro), depende do marketing. Portanto, a venda de um grande número de exemplares pode ser resultado da publicidade e não da qualidade.
Me considero um leitor razoável. Nunca contei, mas imagino ler mais de 20 livros por ano. No entanto, nunca li, ou se li foi um ou outro título, desses livros que vendem aos milhões. Esse tipo de best-seller não desperta em mim interesse.
Atualmente, os livros considerados best-sellers são os de autoajuda, os de histórias envolvendo “anéis” e “códigos”, os que ensinam a ficar rico e os de fundo religioso.
Os títulos são os mais variados possíveis: “Os garotos de ferro”, “O manuscrito que mudou minha vida”, “O juramento de Tulipa”, “O lado bom da morte”, “Segredos inventados” e assim por diante. (Ah, antes que alguém vá a alguma pastelaria, digo livraria, em busca de um título desses, esclareço: foram inventados por mim.)
As capas desses best-sellers geralmente trazem fotos ou desenhos de jovens, quase sempre de olhos verdes ou expressando algum temor, esperança ou valentia. Outros têm capas com jovens de aspecto vampiresco, ou ainda uma capa toda preta só com uma mancha (sangue ou flor) vermelha.
Outro aspecto desses livros é que eles são seriados. Séries intermináveis – ou melhor, que só terminam quando a editora sente que as vendas caíram.
Considero que esses livros estão no mesmo nível dos “pastéis de vento”. São “livros de vento”. Assim como o “pastel de vento” dá prazer a muita gente, esses livros também dão. Minha dúvida é se eles são um bom alimento para o espírito.
A maioria dos “livros de vento” é encontrada nas pastelarias, digo livrarias, dos aeroportos. Tenho viajado de avião mais do que gosto e sempre viajo lendo. No entanto, se quiser ler um bom livro, é melhor levá-lo de casa ou comprar em algum outro local que não seja o aeroporto.
As pastelarias, não importa a cidade, sempre fizeram “pastel de vento”. Já as livrarias dos aeroportos, que antes eram diferenciadas, pois em cada região do país se poderia comprar alguma produção local (poesia, literatura etc.), se tornaram, com raras exceções, especialistas em “livros de vento”.
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