Mesmo com toda a polarização e a irracionalidade que têm obstruído os debates públicos no Brasil, a pandemia tem servido para engrossar opiniões sobre a relevância do Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo aqueles que podem contratar planos ou seguradoras neste momento percebem na própria pele a necessidade do sistema. Não há momento mais relevante que este para se valorizar a saúde pública.
O IBGE estima que 71,5% da população brasileira depende exclusivamente do SUS para ter acesso a serviços de saúde. Em algumas regiões o índice passa de 80%. Os dados por si determinam a necessidade dessa política social, produto da Constituição de 1988. No entanto, mais que nunca, está claro que o restante da população se beneficia, seja diretamente pelos serviços de alta complexidade e de altos custos não cobertos por planos de saúde ou mesmo pelas campanhas nacionais de imunização ou medidas preventivas e sanitárias dos órgãos de vigilância epidemiológica e sanitária.
Está cada vez mais claro que sem o SUS o nosso já trágico e desnecessário recorde de 530 mil mortes por covid-19 seria ainda mais gigantesco. Foram os agentes comunitários de saúde e as equipes do Programa de Saúde da Família, presentes em todos os municípios brasileiros, que garantiram as primeiras informações e as orientações sanitárias, o acesso às medidas de prevenção e, muitas vezes, o primeiro atendimento aos pacientes. As estruturas hospitalares públicas já existentes ou as mobilizadas temporariamente, em especial no momento de mais alta incidência da doença, também foram utilizadas por todos.
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Mas, especialmente, tem sido esse sistema público de saúde que vem garantindo, a despeito de todos os graves equívocos, da desídia e da omissão do atual governo federal, a aquisição, a produção, a distribuição e a administração das vacinas nos equipamentos públicos de saúde de todo o país.
Enquanto política pública nacional o SUS fica definitivamente mais forte, mais respeitado e sob a certeza de que é cada vez mais necessário. Entretanto, fica a questão: e depois, quando finalmente todos estiverem imunizados e a pandemia estiver em outro patamar de controle, o que será do nosso SUS?
Temos, agora, a oportunidade de avançar no debate sobre o financiamento adequado do SUS para fazer dele um sistema ainda mais inclusivo e resolutivo. Por muito tempo pairou no país um discurso simplório, pouco informado e excludente de que o problema do SUS não é de novos recursos financeiros, mas sim de ineficiência gerencial e de corrupção.
Realmente, há espaço para melhoraria da performance administrativa do sistema, para aprimorar os atuais mecanismos de auditoria, controle e combate ao desvio de recursos públicos. Entretanto, a comparação de indicadores de financiamento da saúde utilizados como referência internacional __sejam o de gasto público com saúde como percentual do PIB ou o de gasto público per capita com saúde, demonstram que é ainda muito baixo o compromisso nacional com o financiamento de algo tão valioso quanto a saúde da população brasileira.
Segundo cálculo do Conselho Federal de Medicina (CFM), são gastos por dia, em média, R$ 3,83 para cobrir as despesas médicas de cada brasileiro. Investimento este quase oito vezes menor que o de países desenvolvidos. No Brasil, a despeito da existência de um grande sistema público nacional que tem 71,5% da população como clientela exclusiva, apenas 42% dos gastos com saúde de toda população são de recursos públicos. No Reino Unido, o percentual de participação pública nos gastos com saúde chega a 80% e na vizinha Argentina a 72%.
A balela liberal de “voucher” para a saúde do povo ou os cortes de tributos cujas receitas são fundamentais para financiarem a saúde, como aconteceu em 2007, são inviáveis. Definitivamente, é necessário lutar por um financiamento mais justo e digno que impacte o acesso e a qualidade da atenção à saúde da população, muito especial da população mais pobre, vulnerável e de maior risco epidemiológico.
O que é necessário agora
A escassez de insumos médicos e hospitalares de produção nacional, fruto da genérica desindustrialização nacional, tem ampliado nossos problemas. É fundamental um novo compromisso nacional com a reindustrialização nacional do setor de saúde, isso aliado a uma consequente redução da nossa dependência internacional e com ganho de soberania em área tão crítica e vital. Em paralelo, torna-se igualmente importante o país financiar adequadamente as instituições de pesquisa em saúde. Devemos muita gratidão à Fiocruz e ao Instituto Butantan que têm sido essenciais ao País, mas necessitamos de muito mais!
É necessário que a ciência, a produção de patentes e de novas tecnologias, os testes e o desenvolvimento de medicamentos e de inovações médicas caminhem segundo as necessidades do SUS. Temos que nos preparar para as novas prioridades assistenciais no período pós-pandemia. Por um lado, pelo déficit de conhecimento das consequências e sequelas da doença, e, por outro, no próprio atendimento à demanda represada por exames, consultas médicas e cirurgias eletivas.
É urgente e fundamental que exista a liderança e o apoio do Ministério da Saúde junto a estados e municípios para assegurar o desenvolvimento de um grande plano nacional para direcionar respostas a essas necessidades. O Brasil, mais que nunca, necessita ampliar e fazer avançar o SUS. E agora toda a população brasileira sabe disso.
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