Desde que o governador Ibaneis Rocha (MDB) autorizou a reabertura do comércio, em 18 de maio, o Distrito Federal viu os casos de covid-19 explodirem. O número de infectados saltou de 4.123 para 47.071, um aumento de 11 vezes. Já o de mortos em decorrência do vírus pulou de 62 para 559 no mesmo período, crescimento de nove vezes. Os dados são da própria Secretaria de Saúde do DF.
Apesar desses indicadores, Ibaneis diz que o coronavírus será tratado na capital federal como uma “gripe”, a partir de agora, o que deveria ter ocorrido, segundo ele, desde o início da pandemia. O governador promete liberar “sem restrições” escolas e todas as atividades econômicas até agosto.
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Ibaneis decretou nessa segunda-feira (29) estado de calamidade pública no Distrito Federal. A medida garante que o governo distrital receba recursos do governo federal em caráter de urgência.
O crescimento da doença em Brasília tem atingido principalmente os moradores das regiões administrativas mais carentes, onde a letalidade é mais alta. O Ministério Público questiona os dados sobre ocupação de leitos divulgados pelo governo. Especialistas apontam para o risco de colapso no sistema de saúde caso todas as atividades sejam retomadas.
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Ibaneis diz já ter feito sua parte. “Não adianta querer colocar nas minhas costas o sofrimento dos outros”, disse o emedebista em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Mudança de discurso
O atual discurso do governador contrasta com as medidas adotadas por ele no início da pandemia. O Distrito Federal foi a primeira unidade da federação a suspender as aulas presenciais, em 11 de março, quando havia apenas uma pessoa infectada na capital. Também foi uma das primeiras a restringir o comércio às atividades essenciais.
Para o presidente do Sindicato de Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF) e da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Gutemberg Fialho, existem duas grandes preocupações no momento em relação ao Distrito Federal: a capacidade dos hospitais públicos e privados de receberem os pacientes em caso grave estar próxima ao limite e o relaxamento do distanciamento social.
“Com a abertura do comércio a tendência é que aumentem os casos. Com o surgimento de novos casos graves com a rede de saúde sem condições de assistir estes pacientes, o resultado vai ser o aumento dos óbitos”, explica o presidente do sindicato. A principal preocupação com o relaxamento do isolamento social, segundo ele, está no risco de colapso do sistema de saúde, sem condições de atender novos casos graves da doença.
Dados divergentes
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) concluiu que há discrepância nas informações publicadas pelo governo do DF sobre a taxa de ocupação de leitos de UTI adulto. De acordo com o MPDFT, em 26 de junho, o sistema de regulação apontava para 93%. Já a Sala de Situação, do governo, que tem como objetivo aumentar a transparência das informações da Saúde, registrava ocupação em 59,84%.
Por isso, o órgão acionou a Justiça nessa segunda-feira (29) para que seja determinado ao governo do Distrito Federal a divulgação de dados epidemiológicos em tempo real, “sem omissões e sem distorções da realidade da ocupação dos leitos de UTI no DF”. De acordo com a Secretaria de Saúde do DF, 100 dos 177 leitos do hospital de campanha instalado no Estádio Nacional Mané Garrincha estão ocupados.
Ainda na entrevista ao Estadão, Ibaneis Rocha disse que a restrição “não serve para mais nada”. “Você não consegue mais fazer com que as pessoas fiquem em casa. O limite do isolamento já chegou. Ninguém fica em casa mais”, disse. Segundo ele, não há risco de os leitos ficarem comprometidos. “Vai lotar nada. Vai ser tratado como uma gripe, como isso deveria ter sido tratado desde o início”, afirmou.
Gutemberg Fialho, presidente do SindMédicos, defende que seja adotada uma medida mais drástica no Distrito Federal, como o lockdown, para frear o avanço da doença enquanto o governo investe em estrutura do sistema de saúde.
Letalidade
Pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) aponta que os índices de letalidade do coronavírus são maiores nas regiões administrativas com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A cidade de Recanto das Emas, que possui o segundo menor IDH do DF (0,781) e tem uma taxa de letalidade de 2,8%, a mais alta da região.
De acordo com o levantamento, as regiões com menores índices de letalidade são Águas Claras, com o IDH de (0,837), com 0,9% de taxa de letalidade, e o Plano Piloto, com índice de mortalidade de 1% e IDH de 0,928.
Para o presidente do Sindicato dos Médicos, isso acontece porque as regiões mais carentes são mais populosas e têm condições sanitárias deficientes. “Portanto, você tem mais gente em um espaço físico menor, mais aglomeração e deficiência de saneamento básico, o que contribui para a aceleração da propagação”, explica.
O estudo desenvolvido pela UnB aponta que é urgente a garantia de condições de tratamento isonômico para toda a população e a necessidade de aumento da infraestrutura hospitalar.
Falta de dados
O pesquisador-coordenador do projeto PrEpidemia, Paulo Angelo Resende, afirmou ao Congresso em Foco que faltam dados para se descobrirem os focos de infecção no DF. Mesmo com o avanço da doença, ele defende que seria mais eficaz para conter a epidemia, além da testagem, com um estudo do perfil dos infectados. Com isso, ressalta, seria mais fácil identificar os focos do vírus em Brasília.
“Nós estamos defendendo como o certo é a inteligência epidemiológica, em que na primeira fase, toma-se medidas de quarentena enquanto a situação é avaliada para que os focos da epidemia sejam identificados, e então agir com medidas localizadas”, defende o pesquisador. Ele afirma que no DF as testagens estão sendo feitas sem que seja traçado um perfil dos infectados, o que impede o aprofundamento do estudo. Procurada, a Secretaria de Saúde não se manifestou ainda sobre esse ponto. A reportagem será atualizada caso haja retorno.
Goiás
A abertura geral anunciada por Ibaneis vai na linha oposta à adotada por Goiás, estado vizinho onde o governador Ronaldo Caiado (DEM) decretou o fechamento do comércio nesta terça-feira (30) por 14 dias. Depois as atividades serão liberadas por outros 14 dias. Os municípios, no entanto, têm autonomia para seguir o modelo ou não.
A estratégia é baseada em estudo científico da Universidade Federal de Goiás (UFG) que aponta que, se nada for feito, o estado terá 18 mil mortes por covid-19. Com uma população de 7 milhões de habitantes, mais que o dobro do Distrito Federal, Goiás tinha, até essa segunda-feira, 467 mortes e 23.379 casos de coronavírus confirmados.
Ao anunciar o decreto ontem, Caiado fez um apelo aos prefeitos para que reforçassem o distanciamento social. Segundo ele, a estratégia combina preocupação com saúde e economia. “Isso é imoral, desumano, eu não posso aceitar que haja omissão de autoridades. A responsabilidade é de todos nós. Cada prefeito e cada prefeita vai responder pelo caos nos seus municípios. Reflitam bem, analisem bem. Fornecerei as minhas polícias a todos os prefeitos que quiserem que haja cumprimento 14 por 14”, disse o governador.
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