Paula Groba*
Com cadeia produtiva e de transportes ainda dependente de combustíveis fósseis, o Brasil financia uma estrutura que privilegia poluentes. E o pior: de certa forma é refém deste sistema que ameaça o país e o mundo. Isso pôde ser comprovado durante a recente crise desencadeada com a greve dos caminhoneiros. O país parou com o problema da falta de distribuição de combustíveis (fósseis). A crise chegou até as bombas de gasolina de Norte a Sul do país. A produção agrícola foi prejudicada, fábricas pararam, cidadãos enfrentaram filas para adquirir combustível, gás e alimentos. Tudo foi consequência de um sistema que parou no tempo e resiste a aderir a novas tecnologias de energia limpa, principalmente nos meios de transporte.
Segundo estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entre 2013 e 2017 as renúncias fiscais dadas pelo Brasil aos setores ligados aos combustíveis fósseis alcançaram 342,36 bilhões de reais. Esse valor equivale à média anual de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país gasto com subsídios a combustíveis poluentes. O dado vai na contramão de nações que buscam a evolução de alternativas para a economia com base na descarbonização.
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O Brasil prorrogou por mais 20 anos o Repetro, um programa que suspende a cobrança de tributos federais na importação e exportação de equipamentos do setor de petróleo. A prorrogação dos subsídios rendeu ao Brasil o prêmio “Fóssil do Dia”, durante a Conferência do Clima da ONU, a COP 23, em Bonn na Alemanha. O prêmio é oferecido tradicionalmente durante as COPs a países que andam na contramão do cumprimento do Acordo do Clima.
A medida que prorrogou incentivos à produção de combustíveis fósseis, conhecida como “MP do trilhão” (já que alguns estudos apontaram que o Brasil estará deixando de arrecadar até um trilhão de reais com os subsídios), expõe a contradição do governo em pregar por mais ambição no combate às mudanças climáticas ao mesmo tempo em que busca incentivar a indústria atrasada do petróleo, além de promover diversos retrocessos ambientais.
Visto como um importante negociador no Acordo do Clima, com metas significativas, o Brasil há anos é integrante e protagonista de debates internacionais sobre a preservação ambiental. Sediou conferências mundiais importantes como a Eco 92 e a Rio +20 e é um dos países candidatos a sediar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, COP 25, em 2019.
Mas passados 10 anos da criação do programa de incentivo da produção e do uso de biodiesel – e apesar de esforços para estimular a produção de biocombustíveis – o país ainda amarga índices altíssimos de dependência do combustível fóssil: mais de 80% da energia que movimenta o sistema de transportes brasileiro ainda é de origem fóssil: gasolina, querosene de aviação e óleo diesel.
No caso do diesel utilizado em caminhões, para transportar uma tonelada de carga útil por 100 quilômetros, os caminhões gastam, no Brasil, 2,3 litros de diesel, enquanto os trens gastam 0,4 litros, e os navios, 0,3 litros.
Além de oportuna, torna-se urgente a discussão da inclusão na matriz do transporte brasileiro de veículos elétricos. Um bom exemplo vem sendo implementado na capital do país. Há um mês começou a circular em Brasília o primeiro ônibus 100% elétrico. Segundo o governo local, o ônibus elétrico reduz cerca de 46,8 toneladas de gás carbônico por ano, o que representa o plantio de 343 árvores. No ano passado, outros nove coletivos movidos a biodiesel B20 também passaram a circular pela capital, evitando a emissão de 18 toneladas de CO² anualmente, por ônibus.
Outro passo importante foi dado em São Paulo. A cidade hoje apresenta poluição duas vezes maior que a suportável, segundo a Organização Mundial de Saúde. Uma lei sancionada em janeiro de 2018 determina que as emissões de CO² dos ônibus e dos caminhões de lixo da cidade sejam reduzidas em 50% nos próximos dez anos e cheguem a zero em 20 anos. São iniciativas positivas, mas ainda incipientes.
O investimento para a compra dos veículos pode ser facilitado por vários fundos específicos voltados a financiar infraestrutura e tecnologias que ajudem a combater o aquecimento global. E isso inclui os ônibus elétricos. Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e BNDES, que estão entre os principais financiadores de políticas de mobilidade urbana no mundo, já anunciaram planos de reduzir drasticamente os recursos disponíveis para projetos que envolvam combustíveis fósseis, como o diesel.
Embora o investimento inicial seja alto, os custos de operação dos veículos elétricos são muito mais baixos. Além da eletrificação do sistema de transportes, uma outra alternativa é tirar do papel o programa Renovabio, criado para estimular a produção de biocombustíveis no país. Hoje, a iniciativa ainda está em fase de consulta pública e regulamentação. O país precisa entrar efetivamente na era da descarbonização e de estímulo a quem polui menos para produzir. Deve ainda executar as metas firmadas no Acordo do Clima e se tornar efetivamente uma referência mundial em compromissos e ações.
Enquanto o Brasil restringir a discussão sobre o preço e os subsídios aos combustíveis fósseis e evitar debates evolutivos relacionados ao tema, continuará condenado a grandes apagões nos transportes e emissões de gases poluentes já não mais aceitos e prejudiciais à sobrevivência no planeta.
Não é difícil perceber que é preciso acionar saídas sustentáveis e vetar a repetição dos mesmos modelos. Essas alternativas passam necessariamente pela incorporação do Acordo de Paris no planejamento do transporte no País, com a intenção primordial da descarbonização da economia, isto é, acabar com a dependência dos combustíveis fósseis.
*Jornalista, cobre temas ligados ao meio ambiente no Senado. Como repórter multimídia, cobriu a COP 22 (Marrakech, Marrocos), COP 23 (Bonn, Alemanha) e o 8º Fórum Mundial da Água (Brasília, Brasil) para Rádio, Agência e TV Senado.
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